Análise expõe escandalosa desigualdade dos gastos da Saúde

Dados do IBGE reafirmam: orçamento nacional é vergonhoso. Países desenvolvidos investem três vezes mais que o Brasil, apesar de 210 milhões dependerem do SUS. Mesmo Colômbia e Chile protegem melhor suas populações

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O percentual de gastos do governo brasileiro com a saúde é um dos mais baixos do mundo, revelou o levantamento Conta-Satélite de Saúde, produzido sistematicamente pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), divulgado dia 14/4. Países desenvolvidos, muito mais ricos, gastam quase três vezes mais (2,9 vezes) do que o Brasil.

É uma situação absurda: o consumo final de bens e serviços de saúde no país atingiu R$ 711,4 bilhões, valor estimado em 9,6% do PIB (o total anual da produção nacional). Mas o consumo público, lamentavelmente, foi de apenas 283,6 bilhões, cerca de 3,8% do PIB, enquanto as despesas privadas foram de 427,8 bilhões, ou 5,8% do PIB. Os dados são de 2019, os mais atuais para esse tipo de cálculo. Os gastos ditos “das famílias e instituições sem lucro”, refletem, em última instância, as despesas da população com planos de saúde e farmácias: a compra de medicamentos consumiu 122,7 bilhões em 2019.

Já nos países ricos – afiliados à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), no caso –, os governos gastaram 6,5% do PIB com a saúde pública, em 2019, e a despesa relacionada à saúde privada foi de apenas 2,3%. Em alguns países, a despesa com a saúde pública é ainda mais alta, perto de 10% do PIB. É o que acontece nos países mais abastados da Europa, como Alemanha (9,9%), França (9,3%) e Reino Unido (8%). Mesmo na América Latina, em países como a Colômbia e o Chile, a saúde pública, comparada à brasileira, recebe duas vezes mais recursos: 6,0% e 5,7%.

O Conta-Satélite de Saúde é uma valiosa fonte de informações úteis para os defensores do SUS (Sistema Único de Saúde). Sistematiza dados sobre consumo e comércio exterior de bens e serviços de saúde, assim como sobre valor adicionado e postos de trabalho em atividades de saúde. Inúmeros estudos têm denunciado os despropósitos da saúde pública brasileira. Daniel M. F. Pereira, autor de um dos trabalhos mais recentes, comentou os atuais desafios do SUS dizendo que, pelos dados que analisou, em 2020, a saúde suplementar (planos de saúde) arrecadou R$ 220 bilhões e atendeu 47 milhões de usuários. Enquanto isso o sistema público atendeu 210 milhões de brasileiros com um orçamento de R$ 330 bilhões.

“O sistema suplementar tem três vezes mais recursos que o sistema público”, sintetizou Daniel, lembrando que podia ser pior: o orçamento só havia chegado a esse valor por dotação extraordinária de R$ 50 bilhões por conta da pandemia. Essa análise foi lançada em fevereiro no livro Contas de Saúde na Perspectiva da Contabilidade Internacional: Conta SHA para o Brasil, 2015-2019. Foi uma parceria entre o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o ministério da Saúde e a Fiocruz. Daniel é diretor do Departamento de Economia da Saúde, Investimento e Desenvolvimento do ministério. Para ele, o livro possibilita uma análise detalhada dos sistemas de saúde no Brasil, com foco no aperfeiçoamento do SUS.

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