Tradwifes e os que preferem o passado à esperança

Retorno ao lar, valores tradicionais e submissão feminina. Sucesso nas redes de nicho da geração Z dá pista para entender os anseios de parte dos jovens. Sem esperanças no futuro, apegar-se ao passado seria uma busca por conforto moral e emocional?

Ilustração: Clement Nocos/Broadbent Institute.
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Um novo paradoxo define a juventude de hoje. A geração Z, nascida em meio à era digital, navega entre dois mundos: o caos do presente e a nostalgia de um passado idealizado.

Embora carregue a fama de progressista e disruptiva, essa geração também é a protagonista de uma ascensão curiosa — e controversa — do conservadorismo.

O conservadorismo entre os jovens vai além de política ou religião. Ele se infiltra na estética, nas redes sociais, nos discursos sobre moralidade e até nos relacionamentos. Para alguns, é um resgate de valores perdidos. Para outros, uma tentativa de escapar de um futuro marcado por crises econômicas e climáticas, onde a esperança se tornou um bem escasso.

Tradwifes e o ideal da mulher tradicional

Uma das expressões mais evidentes desse novo conservadorismo é o movimento das tradwifes — mulheres que optam por deixar o mercado de trabalho para se dedicarem exclusivamente ao lar e à família. Nas redes sociais, vídeos de influenciadoras como Luiza Maciel ganham milhares de visualizações ao mostrar uma rotina de organização doméstica, culinária e cuidado com os filhos.

Influenciadora Luiza Maciel mostra cuidados com a casa Foto: Reprodução/Instagram

A hashtag #tradwife, popular no TikTok e Instagram, é uma celebração da nostalgia. Ao som de músicas antigas, como trilhas dos anos 1940, essas mulheres romantizam um estilo de vida que remonta a tempos onde o papel feminino estava restrito ao espaço doméstico.

Mas o movimento não é isento de críticas. Especialistas alertam sobre os riscos de dependência financeira e a romantização de um modelo de vida que, para muitas, representou submissão. Entretanto, para as adeptas, como Luiza Maciel, a escolha é uma resposta à pressão contemporânea de “ter tudo” — carreira, liberdade, sucesso — enquanto se sentem sobrecarregadas e desconectadas.

Esse movimento de retorno ao lar reflete algo mais profundo: uma geração que, em meio a tantas opções, busca uma sensação de pertencimento em valores antigos.

Sabrina Carpenter e o embate cultural

Se de um lado o conservadorismo exalta modelos tradicionais, do outro ele encontra na cultura pop alvos de crítica constante. Sabrina Carpenter, em sua mais recente turnê, exemplifica essa batalha de valores. Inspirada na estética dos anos 1950 e 1960, Carpenter transforma seu palco em uma sitcom vintage, usando pijamas e camisolas que remetem à intimidade de um lar.

Mas é a música “Juno” que tem incendiado a internet. Durante sua performance, Carpenter faz alusões a posições sexuais, explorando temas de desejo e humor. O conservadorismo online reagiu de forma feroz, acusando a cantora de imoralidade e falta de responsabilidade, especialmente considerando a sua fama entre jovens.

Por outro lado, os defensores de Carpenter argumentam que a cantora não tem a obrigação de viver sob os padrões de moralidade impostos por parte de seu público. Para eles, a cantora celebra a autenticidade e a liberdade de expressão em um espaço que é, essencialmente, seu.

Essa polarização reflete a divisão da geração Z, onde a liberdade de ser ainda é constantemente confrontada pelo saudosismo de valores mais rígidos.

Manu Cit: Conservadorismo em palavras

Entre as figuras que simbolizam a onda conservadora entre jovens, a influencer Manu Cit, que soma mais de três milhões de seguidores nas redes sociais, se destaca. Ela não critica o movimento; ao contrário, faz parte dele.

Influencer Manu Cit. Foto: Reprodução

A tiktoker se tornou uma figura representativa de um movimento silencioso que está ganhando força entre os jovens: a promoção de valores conservadores disfarçados de práticas de autocuidado e planejamento de vida. Embora ela não faça declarações explícitas sobre conservadorismo em seus vídeos, sua rotina cuidadosamente documentada reflete princípios alinhados a uma visão tradicionalista, sobretudo no que diz respeito a relacionamentos e moralidade.

Seus discursos, alinhados com ideias conservadoras, fazem sucesso entre adolescentes que buscam estabilidade moral e emocional em tempos turbulentos. A tiktoker representa um segmento da Geração Z que vê no passado uma promessa de ordem — mesmo que essa promessa seja idealizada.

Crise climática e econômica: O futuro como ameaça

Por trás dessa atração pelo conservadorismo está a falta de perspectivas de um futuro melhor. A crise climática, com suas previsões catastróficas, e a crise econômica, que mina as oportunidades de ascensão social, criam uma sensação de desesperança.

O impacto ambiental, cada vez mais evidente, alimenta o medo de que o planeta não suporte as próximas gerações. Paralelamente, a economia globalizada apresenta um mercado de trabalho saturado e salários estagnados, impossibilitando sonhos básicos como a compra de uma casa ou a independência financeira.

Nesse contexto, o passado é romantizado como um tempo de estabilidade e simplicidade. Para a Geração Z, buscar no conservadorismo uma âncora emocional é uma forma de lidar com o colapso iminente.

TikTok e a nostalgia como tendência

As redes sociais são o grande palco dessa nostalgia. No TikTok, trends como a que utiliza “Como Nossos Pais”, de Elis Regina, transformam a canção — originalmente uma crítica ao conformismo — em uma celebração de valores conservadores.

Além disso, vídeos que mostram jovens adotando estéticas vintage e exaltando rotinas tradicionais viralizam facilmente. Esses conteúdos resgatam uma sensação de controle em meio à imprevisibilidade da modernidade.

No entanto, essa romantização nem sempre considera as limitações do passado. Como apontam especialistas, é essencial questionar o que está sendo idealizado e por quê.

Personalidade tradwife no TikTok: @esteecwilliams, @gwenthemilkmaid e @mckennamotley

Uma geração que se sente perdida

Além das crises externas, a Geração Z enfrenta desafios internos. Dados indicam que esta é a geração que menos lê e menos pratica sexo. Apenas 14% dos jovens consomem jornais regularmente, e as interações íntimas diminuíram significativamente. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Karolinska, na Suécia, revelou que, entre jovens de 18 a 24 anos, 31% dos homens e 19% das mulheres não tiveram relações sexuais nos últimos 12 meses. Em 2002, a abstinência masculina era de 18,9%, enquanto a feminina aumentou de 15,1% para 19,15% em 2018. Diversos fatores explicam essa mudança.

Imagem: BEI EDUCAÇÃO

Esses números refletem uma desconexão crescente. A leitura, que exige atenção e imersão, foi substituída pelo consumo rápido de informações fragmentadas. Da mesma forma, a queda na atividade sexual pode estar relacionada a ansiedades e à pressão por perfeição que muitos jovens enfrentam.

Esse distanciamento das experiências humanas mais profundas contribui para a adoção de padrões conservadores. Valores que prometem segurança e clareza em um mundo complexo se tornam atraentes, mesmo que reforcem estruturas rígidas.

Conservadorismo e redes sociais: O novo campo de batalha

Durante a pandemia, influenciadores conservadores ganharam espaço nas redes sociais, traduzindo valores tradicionais em conteúdos acessíveis e atrativos para a Geração Z. A popularidade desse tipo de discurso cresceu especialmente entre jovens que buscavam respostas e estabilidade em tempos de incerteza.

Manu Cit exemplifica essa tendência. Por meio de seus vídeos, ela compartilha uma rotina pautada em princípios que enfatizam disciplina, autocuidado e fé cristã. Embora não se posicione diretamente como porta-voz do conservadorismo, Manu promove uma visão de vida em que relacionamentos e escolhas pessoais devem alinhar-se a valores morais e espirituais, como o compromisso cristão em um namoro.

Sua abordagem sutil ressoa com jovens que, diante de um cenário de mudanças sociais e dúvidas existenciais, encontram segurança em discursos que exaltam estruturas mais tradicionais. Isso tem gerado discussões sobre o papel das redes sociais na disseminação de ideologias conservadoras entre a juventude.

O risco de romantizar o passado

A idealização do passado, apesar de reconfortante, pode ser perigosa. Décadas anteriores foram marcadas por desigualdades, opressões e limitações que não devem ser ignoradas.

O conservadorismo, quando levado ao extremo, sufoca a criatividade e inibe a mudança. Ele cria barreiras para a inovação e para a busca de soluções que o presente exige, especialmente em questões urgentes como a crise climática.

O desafio da Geração Z

O conservadorismo que ressoa na Geração Z não é uma simples moda passageira; é um grito por estabilidade em um mundo em colapso. Ele expõe medos profundos e a busca desesperada por raízes em um tempo em que tudo parece mutável e efêmero. Mas é também uma armadilha perigosa, pois o passado, embora sedutor, pode ser um abrigo ilusório, desprovido das complexidades que moldam o presente.

O verdadeiro poder dessa geração, no entanto, não reside em sua nostalgia, mas em sua capacidade de reimaginar o mundo. Como Sabrina Carpenter, que usa a estética do passado como uma tela para explorar novos territórios criativos, ou Manu Cit, que transforma valores tradicionais em estratégias contemporâneas para lidar com a pressão da modernidade, a geração Z tem o potencial de reformular o significado de tradição e progresso.

Essa é a missão de sua era: equilibrar o desejo por ordem e conexão com a coragem de abraçar o desconhecido. Não se trata de sacrificar liberdade pelo conforto, mas de aprender a encontrar segurança dentro da transformação. Afinal, o futuro não será escrito com as mesmas fórmulas do passado, mas com a coragem de sonhar além do que já foi.

Se a nostalgia é uma bússola emocional, o futuro precisa ser um mapa que desafie os limites. E cabe à Geração Z — com suas contradições, dores e esperanças — transformar o caos em um novo tipo de ordem, onde a liberdade e a estabilidade coexistam. Porque, no fim, só quem ousa construir além das ruínas pode verdadeiramente mudar o mundo.

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