Um Tarcísio sem rumo e prumo

Atuação do governador frente ao tarifaço de Trump foi desastrosa. Revelou-se alguém errático, que precisa pagar pedágio ao padrinho Bolsonaro e se projetar como presidenciável. Falhou em ambos objetivos e ainda desagradou as elites paulistas

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Poucas vezes o silêncio dos chefes de Poderes foi tão ensurdecedor e incômodo quanto nesta semana. A demora de quase 24 horas para que Davi Alcolumbre e Hugo Motta se posicionassem sobre o tarifaço de 50% anunciado por Donald Trump contra o Brasil constrange não apenas pela lentidão, mas também pela tibieza. Ainda assim, chama atenção pela esperteza política.

Lembra o provocador de boteco: aquele que instiga os presentes até a briga começar, para então se esconder marotamente debaixo da mesa, esperando o desfecho da confusão — e só então se levantar perguntando: “Quem vencemos?”

Tarcísio em modo Travolta

No entanto, pior que a postura escorregadia dos chefes das Casas Legislativas foi a performance do governador de São Paulo e pré-candidato à Presidência, Tarcísio de Freitas. Evocando o famoso meme de John Travolta, o governador se mostrou completamente perdido, numa sequência de ações politicamente desastrosas, para dizer o mínimo.

Primeiro, demorou cinco horas para publicar uma nota escrita que, em vez de condenar a agressão de Trump ao Brasil, e em especial às empresas e empregos paulistas, optou por criticar o presidente Lula e o Supremo Tribunal Federal. Uma postura equivalente à de quem, diante de um caso de violência, defende o agressor e culpa a vítima dizendo: “também, você deu mole, né?”. Convém lembrar ao governador que, neste caso, a vítima é o Brasil, suas instituições, seus empresários e seu povo.

Quem já presenciou esse tipo de atitude sabe: a tentativa de justificar o agressor é uma forma secundária, mas não menos grave, de violência simbólica e psicológica. Tarcísio foi além: seu argumento é falso. Não houve “mole”. Ao contrário do que sugere, os Estados Unidos acumulam há mais de 15 anos um superávit expressivo com o Brasil. Somos, portanto, a parte lesada, não privilegiada. A subserviência foi tamanha, que só faltou voltar a botar o boné do MAGA na cabeça.

Diante da repercussão negativa de sua nota, Tarcísio tentou se corrigir na manhã seguinte, com declarações desconexas e constrangedoras. Pediu “diplomacia ao STF” — um absurdo institucional — e sugeriu que o governo brasileiro iniciasse negociações, ignorando as mais de 15 reuniões já lideradas pelo vice-presidente Geraldo Alckmin e pelo Itamaraty com representantes norte-americanos. Ou seja, às mentiras de Trump, o governador achou por bem somar as suas. A desorientação foi tamanha que voltou a botar o capacete de obra na cabeça, como faz quando a coisa aperta.

Porém, sobre a violação da soberania brasileira ou os ataques ao STF, nenhuma palavra de solidariedade foi ouvida da parte de quem sonha em comandar a nação.

Bastidores, atropelos e tensão com Bolsonaro

Em seguida, Tarcísio correu, ou melhor, voou para Brasília no meio do expediente. Não se sabe bem se em voo comercial ou em aeronave oficial. O motivo? Almoçar com Bolsonaro, embora os reais propósitos do encontro permaneçam nebulosos.

A partir daí, começou sua “operação política”, digna de Didi Mocó. Primeiro, o governador falou com ministros do Supremo para pedir que autorizassem Bolsonaro a viajar aos Estados Unidos para negociar com Trump, embora sua assessoria tentasse covardemente negar o sucedido. A ideia estapafúrdica de solicitar que um réu deixe o país causou espanto na Corte, e revolta no clã Bolsonaro.

Não satisfeito, diante da esperada negativa do STF, Tarcísio decidiu ele mesmo iniciar tratativas com o governo americano, reunindo-se com o encarregado da embaixada dos EUA em Brasília. Talvez quisesse ensinar Alckmin e o Itamaraty a como negociar com Trump. Resta saber o que teria “oferecido” ao representante diplomático. Algumas especulações, se me permite o leitor: solicitar o indulto para Bolsonaro? Prometer liberação irrestrita às big techs? Ou a saída do Brasil dos BRICS? Todas elas?

O que se sabe, por ora, é que esse movimento acendeu ainda mais a ira dos filhos de Bolsonaro, como deixou claro Flávio na sexta-feira e Eduardo, nesta segunda-feira, ambos em entrevistas, para a GloboNews e Folha de São Paulo, respectivamente.

Unanimidade

Na manhã de sábado, visivelmente desconfortável e constrangido, um governador hesitante tentou corrigir seu discurso e justificar a movimentação precipitada ao falar brevemente com jornalistas. Uma tentativa tardia de correção de rota, quando a insatisfação com sua atuação nos dias anteriores já era unânime: STF, Congresso, Itamaraty, mercado financeiro, indústria, agro, veículos de imprensa e sociedade civil.

Alegou que era hora de “andarmos de mãos dadas” e justificou sua visita extemporânea à embaixada dos Estados Unidos ao intuito de “fortalecer a tomada de decisões” e “contribuir com informações” sobre a economia paulista. Achou por bem falar diretamente com o encarregado de negócios da embaixada, antes mesmo de procurar o vice-presidente da República e ministro da Indústria e Comércio, que não apenas lidera há meses, junto ao Itamaraty, as tratativas com o governo norte-americano, como conhece a economia paulista e seus empresários, agricultores e financistas, um pouquinho melhor que o atual governador.

Aliás, por conhecer bem os representantes do PIB paulista, Alckmin sabe que eles até podem ser resilientes aos discursos que relativizam o golpismo, ou manter silêncio diante de narrativas antivacina e da truculência policial. Mas também sabe — como todo paulistano sabe, e o governador acaba de descobrir — que fazer politicagem eleitoreira e proselitismo golpista às custas dos lucros da elite econômica é um verdadeiro sacrilégio. Agora, oficialmente nomeado coordenador do comitê interministerial que enfrentará o tarifaço, o vice-presidente terá a oportunidade de ensinar ao governador como as coisas realmente se fazem

Ainda assim, Tarcísio encontrou espaço para pagar mais um pedágio a Jair, afirmando que o tema da anistia seria uma “questão de ponto de vista”. Por fim, sobre o pedido ao STF para liberar o passaporte de Bolsonaro — para que o ex-presidente viajasse aos EUA e negociasse com Trump —, classificado como “esdrúxulo” por ministros da Corte, preferiu negar o contato, alegando que não havia “peticionado” nenhum pedido formal no Tribunal.

O que, afinal, explica a conduta do governador? Tudo aponta para um cálculo político mesquinho, que combina a necessidade de pagar pedágios ao padrinho Bolsonaro com a ambição de protagonizar a corrida presidencial. Até aqui, fracassou em ambos os objetivos. Teria sido mais prudente seguir o exemplo de Alcolumbre e Hugo Motta, permanecendo na moita. Sua atuação precipitada e desastrosa revelou um político errático, imprudente e incapaz de transmitir a confiança necessária para liderar o país. E, de quebra, colocou em xeque até mesmo sua capacidade de governar São Paulo.

Bolsonarismo imoderado… e pedagiado

Para quem ainda alimentava esperanças em torno de um “bolsonarismo moderado”, o alerta é claro: trata-se de um oxímoro insustentável. Ou se é moderado, ou se é bolsonarista. Tarcísio mostrou que não dá para ser os dois. E, definitivamente, não se pode brincar com temas tão sérios quanto a soberania nacional e a democracia brasileira.

Enquanto isso, Lula colhe o presente que o presidente norte-americano inadvertidamente lhe ofereceu: ganha tempo para recuperar a aprovação de seu governo e ainda reforça sua estratégia eleitoral. Se na semana passada Hugo Motta foi premiado com o troféu de cabo eleitoral do Planalto — ao presentear o presidente com o discurso de defensor dos pobres contra os super-ricos —, nesta semana o título é disputado por Tarcísio e Trump. O primeiro, por ajudar a reaproximar o centrão de Lula; o segundo, por lhe entregar de bandeja a narrativa da soberania, do patriotismo e da união nacional.

Já o governador de São Paulo, além de desagradar o PIB paulista, continua pagando pedágios políticos a Bolsonaro, enquanto amplia a cobrança de pedágios nas rodovias estaduais — uma combinação que vem gerando insatisfação tanto entre líderes do centrão paulista quanto na classe média paulista. Para as camadas populares, sua política de segurança pública que aposta na truculência policial – com as câmeras que só não funcionam quando se matam pobres, pretos e periféricos –não é capaz de deter a depredação de ônibus no estado, dificultando a volta em segurança para casa dos trabalhadores paulistas.

Assim, leva o título de cabo eleitoral da semana, não só de Lula como de Alckmin. A lambança foi tamanha que o governador poderia estar sendo a ponte para reaproximar o PIB paulista de seu governador mais longevo e querido, o Geraldinho. A comparação entre o atual e o anterior ocupante dos Bandeirantes é inevitável. O governador foi com muita sede ao pote e seus equívocos podem lhe custar não só a almejada corrida ao Planalto, mas a até então segura reeleição em São Paulo. Tamanho mérito vem levando os paulistas a uma mesma indagação: Quo vadis, Tarcísio?




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