Trump na ONU: Um pateta em Nova York
Entre fake news e fantasias de “pacificador”, o presidente dos EUA busca se legitimar como o Grande Líder da ultradireita global. Seu projeto: lutar contra um “monstro de duas caudas” imaginário e articular a demolição do sistema multilateral
Publicado 23/09/2025 às 17:50 - Atualizado 23/09/2025 às 17:59

O possível encontro entre o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e o estadunidense Donald Trump, anunciado pelo mandatário norte-americano em seu discurso na Assembleia Geral da ONU, acabou colocando em segundo plano no noticiário nacional a fala do republicano, que não foi somente repleta de fake news, como de hábito, mas consolidou a posição do governo daquele país como uma espécie de pária internacional e farol da extrema direita ao sul e ao norte do planeta.
Logo no início de seu discurso, Trump reclamou de problemas no teleprompter e da escada rolante que teria parado de funcionar enquanto ele e a primeira-dama estavam nela. Mencionou mais de uma vez tais questões, que pareciam centrais a alguém que se autodenomina líder da “maior democracia do mundo”, como se os incidentes fossem de interesse das dezenas de delegações presentes no local. Uma evidência de que o narcisismo inerente à personalidade do presidente estadunidense já se transformou em um solipsismo que arrasta o governo e a própria imagem do país para uma condição cada vez mais isolada no contexto internacional.
Afinal, como interpretar de outra forma quando, dentro das Nações Unidas, o mandatário faz críticas à instituição não no sentido de reformá-la ou de apontar eventuais erros e omissões em suas iniciativas, mas sim pelo fato de a instituição não reconhecer e exaltar ele, Trump? Em sua fala, afirmou que teria acabado com “sete guerras” sem nenhuma ajuda da ONU. “Acabei com sete guerras, negociei com os líderes de cada um desses países e nunca recebi um telefonema das Nações Unidas se oferecendo para ajudar a finalizar o acordo”, pontuou.
Como mostra o Politifact, a conta feita pelo republicano nem de longe é fiel aos fatos e envolve acordos que amenizaram conflitos entre Camboja e Tailândia, Israel e Irã, e Índia e Paquistão, ainda que seu papel nas negociações seja bastante duvidoso, assim como a própria confiabilidade dos pactos. Os EUA estiveram ainda envolvidos em um acordo de paz temporário entre a República Democrática do Congo e Ruanda, enquanto no conflito entre Egito e Etiópia, não há solução em pauta. No caso de Kosovo e Sérvia, não há evidências de que uma guerra estivesse para explodir. Fora isso, líderes da Armênia e do Azerbaijão se juntaram a Trump na Casa Branca em 8 de agosto para assinar uma declaração de paz conjunta, mas ainda não é um acordo de paz definitivo.
Trump citou ainda o fato de apoiadores terem elogiado seu papel nestes casos, dando-lhe apelidos como “presidente da paz” ou “pacificador-chefe” e sustentando que ele deveria receber o Prêmio Nobel da Paz. Disse isso para ressaltar que “não ligava para prêmios”, contradizendo o anseio evidente no seu discurso.
Sabotagem do multilateralismo
Não deixa de ser curioso que o presidente dos Estados Unidos use a tribuna da ONU para cobrar uma instituição que ele, pessoalmente, sabota. Ao falar de seu sucesso como pretenso “pacificador”, não pode obviamente falar nem do conflito entre Rússia e Ucrânia, que prometeu resolver no primeiro dia de seu mandato, e muito menos do genocídio praticado em Gaza, onde seu país seria o único com poder de fato para interromper a ofensiva militar israelense de forma imediata. A esse respeito, recebeu um recado direto do presidente Lula,, o primeiro a discursar na Assembleia Geral: “O massacre não aconteceria sem a cumplicidade dos que poderiam evitá-lo”.
Mas o papel do governo dos EUA não se limita ao apoio a Israel como também se estende a sabotar possíveis negociações ou discussões que fujam da sua alçada. Em junho, o país chegou a ameaçar outras nações que participassem de uma conferência das Nações Unidas sobre uma possível solução de dois Estados entre Israel e os palestinos. “Estamos pedindo aos governos que não participem da conferência, que consideramos contraproducente aos esforços contínuos para salvar vidas e acabar com a guerra em Gaza e libertar reféns”, dizia o telegrama enviado pela representação diplomática estadunidense e obtido pela Reuters.
É neste ponto que o discurso de Trump na Assembleia Geral se encontra com sua prática habitual de rejeitar o multilateralismo e apostar nos EUA como os “donos da bola” no campo diplomático e econômico. Um comportamento reforçado em seu segundo mandato, com desfiliação do país de organismos internacionais e/ou desfinanciamento de instituições ligadas ao sistema ONU que promovem diálogos e tentativas de resolução de conflitos no âmbito global, além de fornecer ajuda humanitária em boa parte do mundo.
Aqui, um adendo. O presidente estadunidense se aproveita de um sistema-mundo já fragilizado em termos de governança e cooperação internacional e, no vácuo de propostas mais efetivas para a reformulação de uma estrutura hoje incapaz de frear guerras, genocídios ou a crise climática, busca reverter o declínio da importância de seu país em um cenário no qual blocos regionais têm se formado e minado interesses norte-americanos. Não pretende uma reformulação, mas sim uma demolição.
Farol da extrema direita
Para Trump, vale menos a relação entre as nações do que entre lideranças. Não à toa, no mesmo dia em que discursou na Assembleia Geral, ele recebe o presidente da Argentina, Javier Milei, um de seus únicos aliados na América do Sul, para negociar um pacote de ajuda econômica que dê sobrevida à desastrosa gestão do libertário argentino e minimize o impacto da crise nas eleições de meio de mandato.
Também por isso, os diversos recados dados a países europeus em um de seus temas prediletos, a migração. Constituindo o imigrante como alvo preferencial de sua retórica, que precisa da criação de inimigos imaginários para justificar o discurso de ódio e mobilizar seus apoiadores, afirmou que a “agenda globalista de migração” estava “financiando um ataque aos seus países”, se referindo aos líderes europeus.
“Sou o presidente dos Estados Unidos, mas me preocupo com a Europa. Amo a Europa, amo o povo europeu. E detesto vê-la sendo devastada pela energia e pela imigração, esse monstro de duas caudas que destrói tudo em seu caminho”, disse. “É hora de acabar com o experimento fracassado de fronteiras abertas. Vocês precisam acabar com isso agora. Posso dizer que sou muito bom nisso. Seus países estão indo para o inferno.”
O apelo de Trump é tardio, já que os países da Europa reforçaram as fronteiras e estão dificultando o acesso ao asilo para cidadãos de outros países nos últimos anos. Mas seu discurso, que atribui falsamente diversos crimes aos migrantes, ecoa figura políticas do continente como o britânico Tommy Robinson, defensor da teoria conspiratória da “Grande Substituição”, segundo a qual imigrantes, especialmente de origem muçulmana, estariam “substituindo” a população nativa europeia. Ele reuniu mais de cem mil britânicos em um protesto realizado em Londres, em 14 de setembro, e o potencial mobilizador do tema por parte da extrema direita local certamente não passou despercebido pelo presidente dos EUA.
Mudanças climáticas
Quase um quarto do longo discurso do republicano, de quase 54 minutos, bem acima dos protocolares 15 minutos, foi destinado a questionar o consenso científico sobre as mudanças climáticas. Ele relembrou e celebrou a saída dos EUA do acordo climático de Paris e exaltou o que chamou de “carvão limpo e bonito”. Disse ainda que “os Estados Unidos foram explorados por grande parte do mundo, mas isso não acontece mais”.
Ao dizer que as mudanças climáticas são “a maior fraude já perpetrada contra o mundo”, tentou usar o senso comum para explicar sua tese. “Costumava ser o resfriamento global. Se você olhar para trás, anos atrás, nas décadas de 1920 e 1930, eles diziam: ‘O resfriamento global vai matar o mundo’”, afirmou. “Depois, disseram: ‘O aquecimento global vai matar o mundo’. Mas aí começou a esfriar. … [É] a maior farsa já perpetrada contra o mundo.”
E seguiu: “A imigração e o alto custo da chamada energia renovável verde estão destruindo grande parte do mundo livre e grande parte do nosso planeta”, defendeu. “Você precisa de fronteiras fortes e fontes de energia tradicionais se quiser ser grande novamente.”
Em sua campanha, Trump pediu US$ 1 bilhão aos executivos do petróleo e, uma vez no governo, tem sido um defensor dos combustíveis fósseis e um pregador contra a energia renovável, honrando seu compromisso com parte dos financiadores de seu retorno à Casa Branca. Sua gestão tem trabalhado para desmantelar regulamentações sobre a questão ambiental, esvaziando a lei climática aprovada no governo do ex-presidente Joe Biden, e reposicionando a Agência de Proteção Ambiental (EPA).
Além disso, associar o uso de energia renovável ao desemprego e à desindustrialização, como faz Trump, é uma mensagem que chega a um setor da sociedade estadunidense que perdeu status econômico e aderiu ao projeto MAGA e também tem sido um ativo político nas mãos da extrema direita europeia. O negacionismo científico, além de fornecer a base de sustentação de um modelo predatório central no capitalismo contemporâneo, oferece uma zona de conforto em que as pessoas podem recusar as diversas mudanças que a emergência climática exige.
Entre elementos de sua personalidade como sua frágil autoestima, a necessidade de atenção e a absoluta falta de empatia, evidenciados em seu discurso, Trump tem um plano: mobilizar sua base internamente, por meio que ele chamou de “monstro de duas caudas”, que simboliza as mudanças climáticas e a imigração, e também ser um guia de extremistas de outras partes do mundo, em especial de países europeus, já que a ascensão deles ao poder facilitaria a estratégia do republicano de manter a hegemonia de seu governo em meio à desejada morte do multilateralismo. As parcas reações e raros aplausos dos delegados presentes na Assembleia Geral da ONU mostram que hoje não é uma realidade palpável. Mas sua fala é um sinal de que ele e a extrema direita vão seguir trabalhando nisso.
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Apenas um adendo: digna de nota foi a reação da imprensa hereditária e colonizada brasileira que nem sequer citou o discurso consistente e competente de Lula, preferindo falar apenas da disposição de conversa de Trump, fazendo malabarismos e contorcionismos para dar àquilo uma aparência de caso pensado, de ação premeditada.
Não entendem a lógica do gangster: este respeita seus iguais. Respeita quem lhe peita e quem lhe traz medo. O aceno de Trump é uma tentativa de diminuir seu fiasco ao não conseguir “dobrar” um paiseco colonial como o Brasil. Simulando empatia por seu líder procura dividir o protagonismo com Lula, que hoje reina sozinho no embróglio em que Trump tentou metê-lo.
Diferente do que a midia fraquinho nacional quer, Lula deve manter distância e nunca ir à Casa Branca. Se o laranjão tá arregando ele que venha ao Brasil pedir o penico .
Um pateta. Fato. Mas um pateta sentado na maior montanha de armas que o mundo conheceu e que tem o poder de destruir o planeta várias vezes.
Um discurso de gangster. Homem de negócio que usa a montanha para impor sua vontade e chama isso negociar. Faz apenas o que aprendeu no pugilato que é o mercado imobiliário do seu país, frquentado e financiado pelas famílias sicilianas sedentas por lavar seu dinheiro sujo.
Daí a insegurança atávica que se desdobra num narcisismo maior que seu desengonçado corpo, já decaído aos 82 anos de excessos.
Ao se referir no discurso (ou seja lá o que aquele amontoado de palavras for), às mentiras e reflexões razas acerca de temas dos quais ele nem imagina o que seja, me fez lembrar Dom Quixote, herói ingênuo imortalizado na pena de Cervantes que o escreveu também num momento desrruptivo para a humanidade, na transição do feudalismo e seu romantismo para o mercantilismo nacionalista baseado já na lógica capitalista que levou de roldão o mundo de Quixote.
Como ele, Trump é um bossal isolado do mundo vivendo numa realidade paralela onde seu gênio comanda a festa e suas vontades tem que ser realizadas…
Mas o desgraçado ainda continua sentado numa montanha de armas que lhe dão legitimidade. Pobres de nos