Tarcísio e seu labirinto 

Indeciso entre a fidelidade total ao bolsonarismo e a busca dos apoios empresarial e do Centrão, governador vive contrapé. E, com Lula fortalecido, pode ver-se obrigado a brigar pela cadeira de governador, cobiçada por adversários e também por aliados próximos

Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
.

Até quatro semanas atrás, o governador de São Paulo Tarcísio de Freitas desfrutava uma posição singular na política brasileira. Dispunha de altos índices de aprovação que lhe garantiriam uma confortável reeleição no estado que governa. Os efeitos do ocaso político de Bolsonaro, por conta da iminente condenação pelo STF, o empurravam para a condição de liderança absoluta da direita. Apto a comandar a frente anti-Lula que arregimentaria o Centrão, a Faria Lima, o agronegócio, a grande imprensa, os religiosos ultraconservadores e os bolsonaristas. Os recalcitrantes desse último grupo seriam convencidos pelas provas de lealdade que seriam prestadas a Bolsonaro, que poderia incluir a acomodação de um membro da família no cargo de vice-presidente. O governo Lula se encontrava acuado pelo Centrão no Congresso, que lhe impedia de avançar em sua agenda econômica e lhe atrapalhava a implementação de políticas progressistas. A apatia da base social de Lula era captada pelos articulistas dos grandes jornais como o sinal de que Lula pereceria junto com Bolsonaro. O primeiro pelo esgotamento e falta de criatividade, o segundo pela condenação decorrente de seus diversos crimes.

Caberia a Tarcísio escolher a trilha em que gostaria de percorrer. O universo conspirava a seu favor.

Em 25/6, o Congresso aprovou a anulação do decreto presidencial que aumentava alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). A reação do governo, capitaneado pelo presidente Lula e pelo ministro Haddad, foi confrontar a decisão dos parlamentares expondo para a população os interesses e consequências dessa iniciativa. Os articulistas dos grandes jornais acusaram o golpe sentido pelos interessados na derrota do aumento do IOF: o governo do PT reeditava a confrontação política de nós contra eles. Ocorre que uma parcela expressiva dos eleitores concordou com a mensagem governista. O governo voltou a ocupar o centro do ringue. O governador Tarcísio ficou prudentemente fora do embate. A escolha por qualquer um dos lados lhe trairia potencial desgaste.

Em 09/07, presidente Trump anunciou uma tarifa adicional aos produtos brasileiros de 50%. Embora 25 países tenham sido objeto de notificação quanto ao aumento de tarifas, a apresentada para o Brasil é a mais alta e a justificativa apresentada difere das demais por conter motivação política explícita. As mensagens do presidente norte-americano investem contra o Supremo Tribunal Federal do Brasil condenado a sua condução no julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e em decisões relativas às grandes plataformas de mídias sociais sediadas nos EUA.

A tentativa de interferir abertamente na vida política de um país aliado é de natureza distinta do que Trump vinha apresentando até o momento para justificar as alterações tarifárias, que seriam: nivelar a balança comercial com cada parceiro internacional, ampliar o acesso a mercados externos, obter melhores acordos comerciais, promover os investimentos norte-americanos em outros países e incentivar a reindustrialização dos EUA.

Os parceiros comerciais dos Estados Unidos, no geral, têm evitado retaliar a incursão tarifária de Trump sobre o mercado global, permitindo que os EUA arrecadassem quase US$ 50 bilhões em receitas alfandegárias extras sem grandes dificuldades. Quatro meses após Trump ter iniciado a sua guerra comercial, apenas China e Canadá ousaram confrontar Washington, que impôs uma tarifa de mínima de 10% sobre todos os produtos, de 50% sobre o aço e o alumínio, e de 25% sobre os automóveis. O Brasil já se candidata a ser o 3º país a encarar o confronto.

A estratégia dos demais países tem sido buscar o adiamento do início das novas tarifas e estabelecer uma negociação em condição subalterna para evitar retaliações que inviabilizem o acesso ao principal mercado do planeta. Para evitar que ocorra o repasse integral para os consumidores americanos da alta tarifária, muitas empresas tenderão a transferir parte do custo-EUA para os outros países, produzindo um transbordamento da inflação americana para todos os seus parceiros comerciais. Trata-se de uma encrenca grande para economia do Brasil e para os demais parceiros comerciais dos EUA.

No ato do tarifaço contra o Brasil, o governador Tarcísio, que já declarara muitas vezes a sua admiração por Trump, elogiou a motivação política indicada na carta publicada pelo presidente norte-americano e buscou articular-se com Bolsonaro para uma resposta coordenada. Confrontada com a reação altiva e calculada do presidente Lula, a atitude do governador de São Paulo soou como subserviente aos interesses pessoais de Bolsonaro e nocivas ao setor empresarial paulista. Isto lhe forçou uma mudança de rota, onde buscou estabelecer uma paradiplomacia e, em articulação com o STF, entregar a Bolsonaro a possibilidade de negociar uma saída para a agressão comercial ao Brasil. Os ministros da suprema corte ficaram indignados com tamanho disparate. Como se tratava de uma solução ineficaz e inaceitável para o executivo e para o judiciário, o governador acabou chamuscado junto às suas bases e ao seu eleitorado.

Dia 19/07, as medidas tomadas contra Bolsonaro pelo STF, que lhe impôs restrições diversas, desencadearam uma retaliação do governo norte-americano contra a maioria de ministros da corte e do procurador geral da república. O governador Tarcísio está mais uma vez instado a se posicionar. O mercado ainda o vê como o mais competitivo dos oposicionistas. Contudo, a materialização da crise comercial com os EUA, em 1º de agosto, deverá ter desdobramentos com desfechos econômicos e políticos incertos. O fato é que dois potenciais contendores aliados do presidente Lula para a disputa pelo palácio Bandeirantes têm ganho visibilidade nas tempestades políticas recentes: o ministro Fernando Haddad e o vice-presidente Geraldo Alkimin. Do lado do governador Tarcísio, três candidatos já se apresentam para tomar o seu lugar na chapa paulista: o presidente do PSD, Gilberto Kassab, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, e o vice-governador, Felício Ramuth. A vida do governador paulista (o carioca, como dizem os seus detratores) já não está tão fácil.

O governador Tarcísio precisará definir o seu futuro muito mais cedo do que pretendia. O fantasma do ex-governador João Doria deve lhe servir de exemplo. Afinal, um político sem vinculação orgânica com um partido e sem base social própria, que ascende muito depressa, pode rapidamente desaparecer da cena política se escolher a trilha errada. No centro de qualquer labirinto, sempre habita um devorador de sonhos.

Sem publicidade ou patrocínio, dependemos de você. Faça parte do nosso grupo de apoiadores e ajude a manter nossa voz livre e plural: apoia.se/outraspalavras

Leia Também:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *