O preço de Flávio e o cálculo do bolsonarismo

Lançamento improvisado de possível candidatura presidencial mostra o isolamento do clã do ex-presidente e força uma barganha com o Centrão. Baixa mobilização de sua base e o cálculo frio do mercado reforçam o desgaste do extremismo

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O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) anunciou, na sexta-feira, sua candidatura à Presidência da República, dizendo ter sido uma escolha do seu pai, que cumpre pena pelo envolvimento na trama golpista na Superintendência da Polícia Federal em Brasília. No meio político, as reações variaram entre a incredulidade com a seriedade da postulação e a rejeição.

O PL confirmou a pretensão presidencial em uma nota pouco entusiasmada. “Confirmado. Flávio me disse que o nosso Capitão ratificou sua candidatura. Bolsonaro falou, está falado. Estamos juntos”, disse o presidente da legenda, Valdemar Costa Neto. Já outro dirigente partidário, Antônio Rueda, presidente do União Brasil, demonstrou contrariedade em postagem publicada em suas redes sociais.

“Como co-presidente da Federação União Progressista, juntamente com Ciro Nogueira, e também como presidente nacional do União Brasil, reafirmo nosso compromisso com o Brasil que precisa avançar. Os últimos acontecimentos apenas reforçam o que sempre defendemos: em 2026, não será a polarização que construirá o futuro, mas a capacidade de unir forças em torno de um projeto sério, responsável e voltado para os reais interesses do povo brasileiro”, afirmou ele, sem mencionar Flávio Bolsonaro.

Um dos principais representantes do chamado Centrão, o União Brasil ainda tem em suas fileiras o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, que aproveitou o anúncio para reafirmar sua pré-candidatura. Contudo, a intenção da legenda, que aguarda a oficialização de sua federação com o PP, é integrar uma chapa que tenha como candidato o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que não sairia para a disputa contra alguém da família Bolsonaro.

Não à toa, Tarcísio, até o meio da tarde desta segunda-feira (9), não havia se pronunciado publicamente sobre a pretensa candidatura do filho de seu ex-chefe, embora Flávio tenha dito que conversou com o mandatário paulista sobre a postulação e que o ex-ministro teria tido uma “reação muito boa”. O senador disse ainda considerar Tarcísio uma peça fundamental nas eleições de 2026, mencionando seu sonho presidencial e a disputa pela reeleição em São Paulo. “São Paulo é o maior colégio eleitoral do Brasil, é o Estado com maior importância em questão de PIB, em geração de empregos, é uma potência. O orçamento de São Paulo só fica abaixo do orçamento da União. E o Tarcísio é um craque. Tarcísio é o camisa 10 dessa seleção, desse time que nós temos”, disse.

Além do governador paulista, quem também se manteve em silêncio até o início desta semana foi o senador e presidente do PP, Ciro Nogueira (PI). Interlocutor próximo do ex-presidente e também um dos incentivadores da candidatura de Tarcísio, mesmo sendo citado na postagem de Rueda, achou por bem não melindrar a família Bolsonaro.

A Faria Lima não viu com otimismo a movimentação do clã do ex-presidente e a Bolsa de Valores teve sua maior queda em quatro anos. Não por algum receio da extrema direita, com quem conviveu durante as eleições de 2018, no governo Bolsonaro e até hoje, mas pelo fato de a eventual candidatura de Flávio barrar o favorito dos endinheirados, Tarcísio.

O Centrão tem um projeto

O ato de lançar o nome de Flávio é uma nítida reação da família, que vê seu capital político em risco. Parte do Centrão não esconde que a prisão do ex-presidente foi bem-vinda e deu uma oportunidade aos partidos de direita de se livrarem do jugo de Bolsonaro e trilharem um caminho que não trouxesse o ônus da rejeição do político, hoje condenado.

Se desde a redemocratização as legendas desse campo já se desfizeram, refizeram e mudaram de nome, seguindo sua lógica fisiologista e adesista, pulando de um barco mais à direita para um mais à esquerda e vice-versa, conforme a conveniência, agora o cenário as coloca como protagonistas. O quadro de um Congresso empoderado em relação aos demais Poderes, em especial perante o Executivo, fez com que os integrantes dessas legendas dominassem o orçamento da União e, agora, mirem no Palácio do Planalto com um candidato moldado a seus próprios interesses.

Se Tarcísio é cria de Bolsonaro e seu estilo não nega, especialmente em temas como a segurança pública, seu compromisso com a elite econômico-financeira é muito mais efetivo e menos sujeito às intempéries do que o de seu ex-chefe, que se fiava em Paulo Guedes para manter os “mercados” calmos. Privatista convicto, uma eventual eleição do governador de São Paulo abriria inúmeros novos negócios para a banca. É nisso que consiste sua suposta “moderação”, além de um perfil menos verborrágico que o de Bolsonaro. Mas existe outro fator: se o ex-presidente formou seu entorno sozinho, primeiro tomando conta de um pequeno partido para construir sua candidatura, e recorrendo aos fisiologistas e entregando as chaves do cofre somente quando percebeu que, sem eles, não governaria, o Tarcísio presidenciável já nasce no seio do Centrão. É a eles, e não ao capitão reformado, que o governador paulista bate continência.

Uma prova evidente disso foi o pito público dado pelo presidente do PSD, Gilberto Kassab, ironicamente um subordinado do governador, que ocupa o cargo de secretário de Governo e Relações Institucionais do governo de São Paulo. Em um evento realizado pelas consultorias Arko Advice e Galapagos Capital em 1º de dezembro, ele foi explícito. “O melhor candidato é o Tarcísio; se ele for candidato, meu partido vai apoiá-lo. Mas ele tem errado. Daqui para trás, ele exagerou um pouco, ele não pode se apresentar como bolsonarista. Ele tem que ser um líder acima de tudo, e ele vai se apresentar”, pontuou. “Não tem nenhum sentido ele se apresentar como um candidato de direita; ele até pode ser de direita, se quiser. Ele tem que ser candidato da centro-direita; senão, pode perder eleição.”

Se o governador paulista entendeu o recado, o clã Bolsonaro também, já que o ex-presidente estava sendo rifado publicamente em um evento da Faria Lima, do qual Tarcísio também participou. Flávio candidato coloca um freio momentâneo nas pretensões do governador paulista e tem como objetivo abrir negociações para que a família do ex-presidente possa assegurar que o legado político-eleitoral não será transferido à revelia.

O “preço” de Flávio Bolsonaro

Em entrevista concedida à TV Record e exibida neste domingo (8), Flávio não escondeu suas intenções, depois de dizer às jornalistas que sua postulação tinha “um preço”. “Meu preço é justiça. E não é só justiça comigo; é justiça com quase 60 milhões de brasileiros que foram sequestrados, estão dentro de um cativeiro, neste momento, junto com o presidente Jair Messias Bolsonaro. Então, óbvio que não tem volta. A minha pré-candidatura à Presidência da República é muito consciente”, afirmou, dizendo, ao mesmo tempo, que seu lançamento como presidenciável “não é balão de ensaio”.

“A única forma disso [desistir da candidatura à Presidência] acontecer é se Bolsonaro estiver livre, nas urnas, caminhando com seus netos, filhos de Eduardo Bolsonaro, pelas ruas de todo o Brasil. Esse é meu preço”, disse ainda. Dito em outras palavras, o candidato a ser ungido pelo ex-presidente teria que ter compromisso com o indulto, caso seja eleito, ou liderar a mobilização parlamentar pela anistia. Não seria apenas isso, obviamente. O cenário ideal para o clã seria ter algum integrante da família na chapa como vice e ter assento para participar das principais decisões. Mesmo assim, não há garantias de que, mais adiante, não haja nova tentativa de escanteamento.

Assim, sem termos que deixem a situação da família menos desconfortável, e se prosseguir o isolamento ostensivo dos Bolsonaro, pode ser que eles sejam obrigados a lançar Flávio ao Planalto. É uma forma ainda de manter sua base mobilizada e engajada, algo fundamental para as eleições no âmbito legislativo, onde talvez esteja a principal meta dos extremistas: conseguir ao menos metade dos dois terços do Senado em jogo no próximo pleito.

O engajamento bolsonarista dá sinais de cansaço, e a manifestação quase invisível realizada na Avenida Paulista neste domingo foi uma mostra disso. Embora tenha sido convocado por duas figuras que não são de proa no campo — Padre Kelmon e o vice-prefeito de São Paulo, coronel Mello Araújo —, o ato pró-anistia, de acordo com a metodologia do Monitor do Debate Político do Cebrap, em parceria com a ONG More in Common, reuniu somente 1,4 mil pessoas. Para efeito de comparação, a mobilização contra o feminicídio, preparada há poucos dias, conseguiu levar, segundo a mesma métrica, 9,2 mil pessoas, mais de seis vezes o público presente à manifestação extremista.

A semana que se inicia será decisiva, inclusive para integrantes do Centrão que já estão tendo sua lealdade testada e podem se tornar alvo do bolsonarismo em 2026. Mesmo com todo o cenário adverso, a força eleitoral do campo extremista continua sendo relevante, em especial por conta do antipetismo/antiesquerdismo ser um componente cultivado diariamente nas redes sociais e na maior parte da mídia tradicional. Mas a fragmentação da direita e uma possível troca de acusações e traições pode prejudicar o desempenho eleitoral do segmento.

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