Jair já se foi. Agora só resta o bolsonarismo

Às vésperas do julgamento de Bolsonaro, a briga de quem o sucederá. De Michelle, Eduardo e Tarcísio de Freitas aos mais “centristas” Zema e Caiado, quem transita mais entre evangélicos, militares e o “olavismo”? E o que nomes como Nikolas Ferreira e Malafaia podem influir

Foto: Adriano Machado/Reuters

O bolsonarismo vive… sem Bolsonaro

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Tanto Nikolas quanto Eduardo Bolsonaro querem ver Jair Bolsonaro preso, o quanto antes. Sim, parece duro. Mas faz sentido. Explico.

Hoje, existe uma disputa muito forte na direita sobre quem será o sucessor de Bolsonaro. E a realidade é simples: Bolsonaro deve acabar preso ou inelegível. Cometeu muitos crimes, e todos sabem disso, inclusive os seus.

Os nomes que circulam vão desde os óbvios, como Michelle, Eduardo e Tarcísio, parte do núcleo duro do bolsonarismo, até opções mais “centristas”, como Zema e Caiado. Outros menos prováveis, mas que não deveriam surpreender, entram na lista: Silas Malafaia e Nikolas Ferreira. No caso de Nikolas, claro, dependeria de uma mudança na lei, já que ele tem apenas 29 anos e a idade mínima para disputar a presidência é 35.

Michelle: a primeira-dama em busca do protagonismo

Michelle tem apoio forte do PL de Valdemar e do núcleo evangélico, um dos mais importantes no bolsonarismo. Mas dentro da família, nem tanto. Atritos com os filhos são reais. Afinal, ela é a terceira esposa de Jair, mãe “apenas” da filha mais nova. Todos os outros filhos homens vieram de outras duas mães. Um retrato disfuncional daquele “cidadão de bem” de comercial de margarina. Apesar de tudo, seu evangelismo trouxe uma desenvoltura que poucas mulheres, mas sempre mantendo um ar santificado, que contribuiu muito para um eleitor conservador.

Tarcísio: o bom gestor da Faria Lima

Tarcísio tem a simpatia do empresariado. Apesar de bolsonarista e militar, já foi chamado de “comunista” por ter servido no governo Dilma. Em SP, tenta vender a imagem de bom gestor, mesmo que os dados nem sempre o corroborem. Dentro do bolsonarismo raiz, é visto com desconfiança. Falta-lhe o sangue olavista. Também não é íntimo dos evangélicos, embora tenha boa conexão com a Igreja Universal em SP, o que agrada seu chefe, Edir Macedo, que também é dono do Republicanos, mas incomoda Silas Malafaia, antigo desafeto.

Eduardo Bolsonaro: o 03 que sonha ser 01

Eduardo Bolsonaro tem buscado ocupar o espaço do pai como a figura pitoresca que agrada o bolsonarismo. Ao contrário de Flávio, o conciliador, e Carlos, o mais desequilibrado dos três (e aqui não analiso Renan), Eduardo sempre teve trânsito entre empresários, evangélicos, militares e conspiracionistas. Era o principal pupilo de Olavo de Carvalho, figura-chave na formação dessa militância alucinada, no sentido literal da palavra, que é capaz de fazer idosos acamparem na chuva ou invadirem prédios públicos em nome do “Brasil”.

A ida aos EUA, o discurso sobre perseguição judicial e a articulação com o governo Trump são movimentos que, apesar de justificados como busca por justiça e sanção ao STF, visam na realidade uma só coisa: projetar Eduardo como herdeiro do bolsonarismo.

O sucesso das medidas de Eduardo demonstraram que, mesmo com métodos questionáveis – e porque não dizer, beirando a traição –, obtiveram algo que a direita bolsonarista a muito não conseguia: alçar novamente Bolsonaro como vítima.

E em política isso é muito relevante. Afinal, como já diz o provérbio, que conta a história do imperador César, ao se separar de sua esposa Pompeia: “À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”. E Bolsonaro criou, ao menos entre seus apoiadores, a mensagem de perseguição – mesmo que não seja real –, a ponto de até Trump tomar partido. Algo surreal e inédito.

Se Bolsonaro for preso, Eduardo vira mártir por associação. Se não for, segue como o filho mais fiel. Em ambos os cenários, ele ganha.

Nikolas Ferreira – O Jovem

Mas o nome que mais incomoda a família Bolsonaro atende por Nikolas Ferreira.

Ele talvez não seja o mais conhecido nos rincões do Brasil. Mas entre jovens e adultos conectados, é o nome da vez. Um fenômeno. Para o bem ou para o mal.

Nikolas é mais articulado que todos os filhos de Jair. Transita bem no olavismo conspiratório e, melhor ainda, entre os evangélicos. Esses dois grupos têm seu ápice quando o tema é vacina, LGBT, minorias. E Nikolas surfa bem nessas pautas.

O militarismo não é o mais forte de Nikolas. Mas cabe lembrar que um dos seus primeiros vídeos viralizados, quando nem vereador ele era, foi defendendo a ditadura militar e criticando professores de história – algo batido e banal mas que por algum motivo (no caso falta de educação básica), acaba atraindo muitos jovens.

No último ato na Paulista, Nikolas discursou como “gente grande”. Talvez só Silas Malafaia, mestre da retórica pela sua experiência como pastor, tenha o mesmo poder de convencimento. Só que Nikolas tem uma vantagem: é jovem. Com apenas 29 anos, fala melhor que muito cacique político por aí.

Isso gerou um ruído forte no Bolsonarismo nos últimos dias, a ponto de o próprio Eduardo Bolsonaro criticar abertamente Nikolas no tema, que evitou criar novos conflitos. Essa crítica está longe de ser justa, afinal Nikolas sempre defendeu Bolsonaro. Mas o ponto ali não era ser justo, e sim o barulho que Nikolas consegue fazer por si mesmo, sem necessitar dos bolsonaros.

A esquerda está prestando atenção?

É aqui que a esquerda precisa ligar o alerta. Nikolas sabe que não pode ficar preso ao bolsonarismo se quiser ir além. Ele viu o que aconteceu com Joice Hasselmann, Sara Winter, Major Olímpio, Zambelli. Todos descartados assim que deixaram de ser úteis.

Nikolas dialoga com quem está em dúvida ou nem acompanha política de perto e nisso tem sucesso. Faça o teste: veja entre seus amigos quem já curtiu algo de Nikolas e nunca curtiu algo do Bolsonaro. Ele rompe bolhas. Os filhos de Jair, não.

Mas Nikolas tem fraquezas. Não tem o carisma de Jair ou de Lula. E sempre tropeça no discurso com povão. Seu apoio à escala 6×1 foi um exemplo.

Além disso, sua imaturidade emocional ainda aparece. Quem o viu quase chorando na Câmara ou perdendo o controle em embates com Erika Hilton, de longe mais preparada, percebe isso.

E os “nomes de fora”?

Zema, Caiado e outros flertam com a ideia de ser o “nome da direita”. Mas dificilmente o bolsonarismo aceita um nome que não venha do núcleo duro. Provavelmente, todos acabam se rendendo a quem estiver mais forte, no segundo turno ou até antes.

Sem Lula, a esquerda tem chance?

Resta saber de Lula. Porque, até o momento, não há ninguém na esquerda capaz de competir com o bolsonarismo. Sem Lula, o risco é sermos governados por anos por uma mistura de olavismo, evangelismo e bolsonarismo. Um caminho que, dado o conservadorismo brasileiro, pode nos levar a um verdadeiro Evangelistão conspiratório. Olavo nunca foi tão feliz.

Que o acaso tenha misericórdia dessa nação.

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