O necessário resgate do Eros na escola

Educação convencional aspira ao controle por meio de protocolos e cartilhas. Deixa escapar o “radar sensível”: a ativação do desejo coletivo, o futuro aberto e o saber-fazer. O mundo é instável. E o pânico da incerteza só atrofia o aprendizado

Imagem: Brain Stauffer/ProPublica
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Por Amador Fernández-Savater, no CTXT | Tradução: Rôney Rodrigues

Tenho tido o privilégio de trabalhar em institutos públicos como “professor visitante” na disciplina de Filosofia há vários anos. Por que digo privilégio? Porque me parece que a escola hoje é um observatório excepcional para olhar e pensar a sociedade em que vivemos. Um microcosmo onde as tendências e os problemas que moldam o mundo compartilhado se reúnem; e onde também, talvez por razões de escala, às vezes se pode intervir, agir e tentar mudar alguma coisa.

Um dos problemas que encontro nas centros públicos onde trabalho, onipresente nas conversas e preocupações da comunidade escolar, é a questão dos protocolos. A multiplicação dos protocolos escolares, expressão de uma tendência geral à tecnificação da existência. Gostaria de falar sobre isso aqui, de abordar o geral a partir do particular, de abrir uma discussão que me parece urgente.

Os protocolos são caminhos a seguir. Protocolos são aplicados, por exemplo, para lidar com eventos imprevistos ou interrupções no bom funcionamento da escola: bullying, gangues, vícios. Como é sabido, o mal-estar entre os jovens de hoje tem intensidades e modos de expressão (automutilação, suicídio) que ultrapassaram os limiares da visibilidade e fizeram soar todos os alarmes. O número de protocolos abertos nas escolas por questões de segurança hoje é altíssimo. Mas o que se pretende ser um modo de “ativação da atenção” (observação e monitoramento) corre o risco de ser um modo de desativá-la. O que quero dizer?

Um novo fetiche

O protocolo pode ser um quadro de referência, um campo de orientações possíveis, um repertório de respostas possíveis. Cristalizar um saber sobre o passado para que seja útil para o futuro. O problema é que, em meio à pressão pelo desempenho, à precariedade e à falta de tempo, ao transbordamento cotidiano e à individualização da vida escolar, o protocolo é elevado a fetiche, impondo-se de forma obrigatória.

O que é um fetiche? Um objeto que se torna sujeito, convertendo sujeitos em objetos. A crítica do fetichismo é uma perspectiva clássica do pensamento crítico: as mercadorias se tornam fetiches no capitalismo segundo Marx, as máquinas se tornam fetiches no sistema industrial segundo Simone Weil, as imagens são fetichizadas na sociedade do espetáculo segundo Guy Debord. As coisas ganham vida própria (elas decidem, agem, comandam), enquanto os seres humanos se tornam coisas (força de trabalho, engrenagens, espectadores).

Nossa cultura tecnológica fetichiza protocolos. Ela pressupõe que tudo tem uma solução e que sempre há um jeito de alcançá-la. E qual é o problema dessa protocolização generalizada?

Em primeiro lugar, a protocolização dessingulariza o que é apresentado. O protocolo não trata de casos singulares, mas se aplica a diferentes exemplos na mesma série (assédio, etc.). Mas o que acontece na vida escolar e na vida em geral é muitas vezes da ordem dos acontecimentos. Cada mal-estar é singular, algo único que demanda uma escuta e uma resposta específica, particular, própria. O protocolo homogeneíza e torna equivalentes o que são situações distintas.

Em segundo lugar, a protocolização passiva. Apresenta um caminho a seguir, uma série de etapas, uma organização do tempo em tais fases ou sequências, bloqueando assim a capacidade de ação e criação da comunidade escolar. O que percebemos nas palavras ou no comportamento desse menino, dessa menina, dessa criança? O que vamos fazer a respeito? Em qual tempo? O protocolização impede que o problema em questão se torne uma área de pesquisa e construção autônoma.

Terceiro, os protocolos funcionam no dia seguinte. Ou seja, tentam evitar uma escalada ou um desfecho fatal, mas não perguntam sobre as causas, as condições, os contextos do que está acontecendo. Penso agora especialmente sobre protocolos de segurança. Eles não trabalham com “prevenção”, mas com regulação e conjuração. Gerenciam problemas, mas não transformam suas causas. Bloqueiam o pensamento. Do cuidado passamos ao controle.

Por último, mas não menos importante, a protocolização confunde as responsabilidades. Como um professor me confidenciou certa vez em um momento privado: “Estou começando a me importar mais em não perder meu cabelo do que com o que está acontecendo com o menino”. A responsabilidade como assinatura com consequências legais substitui a responsabilidade de pensar e apoiar a pessoa sob sua responsabilidade. Do relacionamento passamos para a individualização, da responsabilidade para o medo.

Um Eros escolar

Há um problema fundamental com essa protocolização da vida escolar. É a atrofia do “radar sensível” que pode permitir que professores, docentes ou qualquer membro da comunidade escolar absorver o que acontece com os seus próprios sentidos, inventar e criar respostas únicas com a sua própria imaginação, no diálogo e na conversa com os outros. O arquivo de protocolos substitui a memória sensível, encarnada no corpo, das histórias de um lugar.

Esse radar é a capacidade de sentir o que está acontecendo mesmo que não haja informação codificada que nos permita deduzir que é isso ou aquilo. Uma pessoa que sofre de desejos suicidas sempre expressa ou verbaliza explicitamente sua intenção? Pode não estar claro nem para ele, mas alguém próximo pode sentir que algo está acontecendo e precisa de atenção. O radar sensível é essa escuta do corpo capaz de captar (e interpretar) o que não está explícito, o que não está codificado, o que passa despercebido.

No final das contas, estamos falando de Eros, de um Eros escolar. Existe escola sem amor? Existe algum tipo de transmissão e aprendizagem minimamente relevante que não envolva a ativação do desejo? Platão formulou isso muito claramente há dois mil e quinhentos anos: o que um professor ensina antes de tudo não é conhecimento, mas amor pelo objeto do conhecimento. E isso acontece por causa da qualidade da presença do professor. O que hoje chamamos de “déficit de atenção” é um déficit de desejo e tem a ver com a escola, não com um mau funcionamento na cabeça das crianças.

Mas este Eros escolar não se limita à sala de aula. Não está relacionado apenas a questões estritas de aprendizagem, mas também a vínculos, cuidados e apoio. É uma forma de ouvir, de estar disponível para os outros, de estar presente sem sobrecarregar outras presenças, de reconhecer os outros e fazê-los sentir que são importantes. Na sala de aula, mas também nas tutorias, nos corredores, no portão da escola. Eros como receptividade: sensibilidade, capacidade de ouvir e acolher.

O maior risco dessa tecnificação geral é suplantar – algo impossível, no limite – esse radar sensível, esse Eros escolar. Quando ele é atrofiado, nada é mais assustador do que a incerteza e as contingências. Não sabemos mais escutar o que não está classificado a priori. Não se sabe mais como agir sem um manual de instruções em mãos. Não se sabe mais como pensar e agir com os outros. Mas a vida escolar é, acima de tudo, feita de contingências. Quem vive lá todos os dias e se mantém desperto sabe bem disso.

Formas e formatos

Tudo isso significa que não devemos planejar nada, que o saber do passado não tem serventia, que trata-se de sempre improvisar? Acredito que não, que essa é uma daqueles alternativas-armadilhas que nos são apresentadas o tempo todo.

Os humanos não têm instintos absolutamente confiáveis e garantidos, mas temos a capacidade de nos dar formas. Formas para a vida e para a vida em comum. Formas que são feitas e desfeitas o tempo todo. Formas capazes de “dar passagem” ao que pede passagem. Deveríamos pensar mais em termos de formas, de criação de formas, do que de instituições, de modelos ou ideais de instituições.

Podemos então distinguir entre formas e formatos. O protocolo é um formato, prêt à porter, pronto para ser executado. Um programa, um script, um automatismo. Ele é baixado e aplicado, sem mais reflexão, sem mais questionamentos, sem mais reconfiguração. A forma é plástica, reformável, transformável, deformável. A singularidade se encaixa nisso. A humanidade sempre soube inventar formas (rituais, cerimônias, dispositivos) onde a diferença não se opõe à repetição, onde o mesmo é sempre novo.

O protocolo é uma forma congelada, parada, morta. Tornou-se muito rígido. Registra o passado e o projeta no futuro, mas apenas como um passado ampliado. Como se o cálculo do que foi pudesse servir para prever tudo o que será. Como se a vida não fosse movimento, diferença, novidade. A forma, porém, contém sedimentos e latências do passado, mas sempre aberta ao futuro, ao que está por vir. É preciso atualizá-lo sempre, na descontinuidade, no salto, na ruptura e na perda.

A instabilidade é o problema do formato. Isso busca neutralizar qualquer perturbação para restaurar a ordem, voltar ao normal e retomar o controle. O inesperado é tomado como inimigo. Por sua vez, a forma não aspira à estabilidade, não teme a instabilidade, pelo contrário, a disrupção permite que ela se recrie. O que “não funciona” na escola não é o que precisa ser “corrigido” e “endireitado”, mas sim o sintoma que poderia ser interrogado em profundidade para transformá-lo.

Diante da ideia de que tudo tem solução e sempre há um jeito de alcançá-la, a forma é uma tentativa, um ensaio, uma maneira de continuar com o problema. Há coisas na vida que não têm solução e só podemos andar em círculos. O amor, por exemplo, não tem fórmula ou formato e só podemos inventar uma e outra vez formas precárias de amor. O impossível não é algo que devemos desistir, mas algo que nos desafia a inventar respostas repetidas vezes, sempre provisórias e revisáveis.

Recuperando a presença

A protocolização da vida escolar é apenas uma expressão particular da protocolização geral da vida. Em todo lugar vemos a mesma fetichização do protocolo, do procedimento garantido que irá “resolver” todos os problemas para nós, poupando-nos o trabalho de ouvir, pensar e inventar todas as vezes. Um behaviorismo generalizado: se você fizer x, então você obterá y. Protocolos contra a violência de todos os tipos, para a gestão de desastres, se quisermos ter sucesso na vida. Mesmo em espaços radicais, como os centros sociais, o fetiche do protocolo substitui hoje o esforço de pensamento e invenção em torno dos mil problemas que viver juntos acarreta.

A cultura tecnológica que prevalece em todos os lugares opera de acordo com o seguinte princípio: tudo deve funcionar, todos os comportamentos podem (e devem) ser reduzidos a funções simples, os defeitos são ruídos a serem eliminados. É a ideia de um mundo completamente transparente, sem mistérios, governável, redutível a dados e previsível, onde toda perturbação deve ser neutralizada, corrigida, resolvida. O próprio Trump venceu a eleição prometendo seguir o protocolo perfeito: “I’ll fix it” tem sido seu slogan de campanha.

O protocolo é o amor por linha reta, mas o humano é justamente aquilo que sempre se distorce. O fracasso de todas as lógicas que pretendem ser absolutas e definitivas. A eficácia dos protocolos é a eficácia das coisas, mas nós não somos coisas, objetos de cálculo, mas um labirinto sem mapa. Uma bagunça, uma confusão, um emaranhado. Planejo x e sai y. Eu digo A e você entende B. Em vez de aspirar ao controle total, através do conhecimento que domina ou força, poderíamos aspirar ao saber-fazer com esse desvio, essa torção que somos. Recuperar a presença e a atenção.

Estar atento, estar presente, não significa estar fixo ou concentrado em algo, mas sim estar aberto e disponível ao ambiente, ao encontro, ao acontecimento. Pegar leve com a produtividade, evitar a burocracia, desacelerar o tempo, para que possamos cuidar do que é comum. Mitigar o pânico da incerteza, nos reunir e conversar, falar e pensar sobre o que (nos) acontece, sobre o que é cada vez mais diferente. Sobre o que não sabemos e o que nos desafia. A pergunta “o que está acontecendo?” interrompe os automatismos.

Sem essa interrupção, sem essa disponibilidade, sem tecer cumplicidades, só a protocolização da existência pode triunfar. Delegação em vez de atenção, obediência em vez de desejo, resposta imediata em vez de processo, ausência em vez de presença. Um mundo completamente desabitado e automatizado. Nossa ausência de tudo o que nos requer é a pior das catástrofes, aquela que prepara todas as outras.

* Este texto é baseado em muitas conversas, dentro e fora do ambiente escolar: com Lucía Curras, Juan Carlos Hervás, Cristina Gutiérrez Andérez, Javier Macias, Silvia Duschatzky, o cartel Love&Hate (Mercedes de Francisco, Estela Canuto, Mila Ruiz, Cinthia Gaona ) ou a oficina “Eros e Thanatos na Escola” organizada pelo Museu Reina Sofía.

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