“Que Gaza vire poeira!”
Primeiro: bombardear, matar e expulsar. Agora, a missão é “limpar” o território. Escavadeiras operam sem cessar: tudo deve ser demolido. Explosivos arrasam quarteirões, após discursos de ódio. Palestinos não podem ter onde ir nem voltar
Publicado 11/06/2025 às 19:28 - Atualizado 11/06/2025 às 20:03

Por Meron Rapoport e Oren Ziv, na +972 Magazine | Tradução: Rôney Rodrigues
No início de abril, apenas algumas semanas após retomarem seu assalto a Gaza, as forças israelenses anunciaram que haviam assumido o controle de Rafah, a cidade mais ao sul da Faixa, para criar o “Eixo Morag”, um novo corredor militar que divide ainda mais o território. Ao longo da guerra, segundo o Escritório de Mídia do Governo de Gaza, o exército destruiu mais de cinquenta mil residências em Rafah: 90% de seus bairros habitacionais. Agora, o exército arrasou as estruturas remanescentes de Rafah para transformar toda a cidade em uma zona de contenção e cortar a única passagem fronteiriça de Gaza com o Egito.
Y., um soldado que recentemente retornou de seu serviço como reservista em Rafah, descreveu os métodos de demolição do exército. “Consegui quatro ou cinco escavadeiras [de outra unidade] que demoliam sessenta casas por dia. Uma casa de um ou dois andares é derrubada em uma hora; uma de três ou quatro andares leva um pouco mais”, disse. “A missão oficial era abrir uma rota logística para manobras, mas, na prática, as escavadeiras só destruíam casas. A parte sudeste de Rafah está completamente arrasada. O horizonte está plano. Não há cidade”.
O relato de Y. coincide com os de outros dez soldados que, desde 7 de outubro de 2023, serviram em diferentes momentos na Faixa de Gaza e no sul do Líbano. Também corresponde a vídeos publicados por outros soldados, declarações oficiais e extraoficiais de militares de alta patente, análises de imagens de satélite e relatórios de organizações internacionais.
Juntas, essas fontes traçam um panorama claro: a destruição sistemática de edifícios residenciais e estruturas públicas tornou-se uma parte central das operações do exército israelense e, em muitos casos, o objetivo principal.
Parte dessa devastação resulta de bombardeios aéreos, combates terrestres e artefatos explosivos improvisados colocados por militantes palestinos dentro de edifícios em Gaza. No entanto, embora seja difícil obter números precisos, a maior parte da destruição em Gaza e no sul do Líbano não ocorreu por ataques aéreos ou durante combates, mas sim pelo uso de escavadeiras ou explosivos israelenses: atos premeditados e intencionais.
De acordo com a investigação realizada pelo +972 Magazine e Local Call, isso ocorreu devido a uma decisão consciente e estratégica de “nivelar a área” para garantir que “as pessoas não possam retornar a esses espaços”, como afirmou Yotam, que atuou como subcomandante de companhia em uma brigada blindada em Gaza.
A destruição “não operacional”, sem justificativa militar direta, começou nos primeiros meses da guerra: já em janeiro de 2024, o veículo de investigação israelense The Hottest Place in Hell informou que o exército realizou a “destruição sistemática e completa de todos os edifícios próximos à cerca, em um raio de um quilômetro dentro da Faixa, sem que fossem identificados como infraestruturas terroristas pelos serviços de inteligência ou soldados em campo”, com o objetivo de criar uma “zona de contenção segura”.
O relatório citava soldados que afirmavam que, naquele momento, em áreas próximas à cerca fronteiriça – como Beit Hanoun e Beit Lahia, e o bairro de Shuja’iyya, no norte da Faixa, além de Khirbet Khuza’a, nos arredores de Khan Younis –, entre 75% e 100% dos edifícios haviam sido destruídos quase indiscriminadamente. Mas o que começou nas periferias de Gaza logo se tornou um método amplamente disseminado por toda a Faixa, vinculado ao plano mais amplo de Israel de transformar grande parte de Gaza em um lugar inabitável para os palestinos.
Essas ações constituem violações claras das leis de guerra, segundo Michael Sfard, advogado israelense e especialista em direitos humanos. “A destruição de bens [individuais] não exigida imperativamente pelas necessidades da guerra constitui um crime de guerra”, explicou, “e também há um crime de guerra específico e mais grave: a destruição [gratuita e] extensiva de bens não justificada por necessidades militares”. Entre especialistas jurídicos, ativistas de direitos humanos e acadêmicos, há um debate importante sobre a necessidade de estabelecer um crime de lesa-humanidade por ‘domicídio’: a destruição de uma zona utilizada como moradia”.
“Nenhum lugar para voltar”
Desde que Israel violou o cessar-fogo em março, aproximadamente 2.800 palestinos morreram em Gaza, totalizando quase 53 mil mortos e 120 mil feridos ao longo da guerra; conforme relatado anteriormente pelo +972 Magazine, os ataques aéreos causaram a grande maioria das vítimas civis. No entanto, é a destruição sistemática do espaço urbano de Gaza que está pavimentando o caminho para a limpeza étnica da Faixa, chamada no discurso político israelense de “implementação do Plano Trump”.
O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu apoiou abertamente essa abordagem no final de março, pouco depois de Israel retomar a guerra. “O Hamas deixará as armas. Seus líderes poderão partir. Garantiremos a segurança geral da Faixa de Gaza e permitiremos a implementação do Plano Trump de migração voluntária”, declarou Netanyahu. “Este é o plano. Não o escondemos e estamos dispostos a discutir a qualquer momento”.
Nos últimos dias, Netanyahu tornou mais explícita esta ligação entre a destruição de edifícios civis e os deslocamentos forçados. “Estamos destruindo cada vez mais casas: eles não têm nenhum lugar para voltar”, disse, aparentemente, em reunião do Comitê de Relações Exteriores e Segurança. “O único resultado possível será o desejo dos gazenses de emigrar da Faixa”.
Em dezembro de 2024, a ONU estimava que 69% dos edifícios da Faixa de Gaza – incluindo 245 mil residências – tinham sido danificados, e mais de 60 mil edifícios haviam sido totalmente destruídos. No final de fevereiro, esse número subiu para 70 mil, segundo Adi Ben Nun, especialista em SIG (Sistema de Informação Geográfica) da Universidade Hebraica de Jerusalém, que realizou análise por satélite. Em março, pelo menos outras duas mil estruturas foram destruídas, mais de mil só em Rafah.
Atualmente, segundo análise visual do pesquisador Ariel Caine, mais de 73% dos edifícios de Rafah e arredores foram completamente destruídos, e menos de 4% não apresentam danos visíveis. A área continha aproximadamente 28.332 edifícios, abrangendo desde o corredor Philadelphi até o eixo Morag.
Alguns dos edifícios de Gaza completamente arrasados por escavadeiras ou explosivos em demolições planejadas já haviam sido danificados anteriormente, seja por ataques aéreos ou durante combates terrestres. No entanto, um indicador do grande número de estruturas destruídas sem necessidade operacional vem dos dados da ONU: entre setembro e dezembro de 2024 – período sem combates intensos em Gaza – mais de 3 mil edifícios adicionais foram danificados em Rafah e cerca de 3.100 novos edifícios no norte da Faixa.
A principal arma do arsenal de destruição do exército é o trator blindado Caterpillar D9, usado há tempos para cometer violações de direitos humanos nos territórios palestinos ocupados. Mas soldados também descreveram outro método preferido para demolir quarteirões inteiros: encher contêineres ou veículos militares sucateados com material explosivo e detoná-los remotamente.
“No fim, o D9 [trator blindado] definiu o rosto da guerra”, tuitou o jornalista israelense de direita Yinon Magal no início de fevereiro. “Foi o que fez os gazenses voltarem para o sul, depois que [vieram para o norte durante o cessar-fogo e] perceberam que não tinham um lugar para voltar… E isso não foi uma diretiva do chefe do Estado-Maior: foi uma política ‘de campo’ vinda dos comandantes de divisão, comandantes de brigada, comandantes de batalhão e até das equipes de engenharia militar que mudaram a realidade”.
Um ex-alto funcionário de segurança do exército israelense, que manteve contato com muitos comandantes, confirmou que alguns comandantes em campo assumiram a tarefa de ordenar a destruição do maior número possível de edifícios em Gaza, mesmo sem diretivas formais do alto comando. “Recebi relatos de oficiais em campo sobre medidas desnecessárias do ponto de vista operacional: demolição de casas, expulsão de dezenas a centenas de milhares de residentes, destruição sistemática de Beit Hanoun e Beit Lahia. Disseram-me que as unidades do D9 operavam sem controle”, declarou. “Não sei qual porcentagem era destruição não operacional, mas era muito alta”.
Os comandantes em Gaza têm ampla margem de decisão quanto à demolição de edifícios, admitiu uma fonte militar oficial, embora tenha negado a existência de uma diretiva de ‘destruir por destruir’ em Gaza. “Um comandante pode demolir um edifício que possa representar uma ameaça”, disse, observando que é possível que comandantes de patente inferior tenham sido responsáveis pela destruição mais generalizada.
Enquanto isso, vários reservistas testemunharam que o método de destruição sistemática e deliberada de infraestrutura civil empregado pelo exército também foi usado no sul do Líbano durante a invasão terrestre de outubro e novembro de 2024. Segundo um reservista, os preparativos para a invasão incluíam treinamento em demolição, onde o objetivo explicitamente declarado era destruir aldeias xiitas, quase todas definidas como redutos do Hezbollah, para impedir o retorno dos residentes.
“O fato de os soldados levarem tempo para decidir em qual parede colocar os explosivos, depois saírem do edifício e filmarem a explosão mostra que não havia justificativa [operacional] para isso”, explicou Muhammad Shehada, pesquisador visitante no Conselho Europeu de Relações Exteriores e natural de Gaza. Um amigo seu, que possui passaporte estrangeiro e entrou na Faixa de Gaza durante o cessar-fogo, descreveu-lhe o quão metódica foi a destruição. “Ele disse que era visível que [os soldados] demoliam uma casa, limpavam os escombros e passavam para a próxima”.
Antes da guerra, o próprio Shehadeh vivia em Tel Al-Hawa, um bairro de Gaza conhecido por seus arranha-céus e lar de funcionários e acadêmicos, não longe do corredor de Netzarim. “Quando os residentes de Gaza ouvem que o exército vai abrir um corredor, sabem que não restará um único edifício”, disse. “Nós sabíamos que Tel Al-Hawa desapareceria”.
“A mensagem é clara: simplesmente vamos destruir”
Quando o cessar-fogo entrou em vigor no final de janeiro, milhares de palestinos se apressaram a voltar para Yabalia, no norte de Gaza, apenas para descobrir que o campo de refugiados como o conheciam não existia mais – bairros inteiros haviam sido reduzidos a escombros. Seus relatos da destruição coincidem com os testemunhos de soldados que serviram em Jabalia desde outubro de 2024, quando o exército israelense voltou a entrar no campo, até o cessar-fogo.
Avraham Zarviv, um operador de D9 que ficou conhecido como o “Nivelador de Yabalia” pelos vídeos de destruição que postou nas redes sociais, explicou seus métodos em entrevista ao Canal 14.
“Nunca tinha visto um trator na vida, só em imagens”, disse Zarviv, que na vida civil é juiz de um tribunal rabínico. Alguns meses após o início da guerra, a Brigada Givati, em que servia, decidiu criar uma unidade de engenharia especializada em operações de demolição. “Subimos em tratores, D9, escavadeiras… aprendemos o ofício, nos profissionalizamos muito. Você não sabe como é a sensação de derrubar um prédio – de sete, seis, cinco andares -, um após o outro”.
Entre outubro de 2024 e janeiro de 2025, explicou Zarviv, ele destruía em média “cinquenta edifícios (não residências, mas edifícios…)” por semana. “Em Rafah eles não têm para onde ir, em Yabalia não têm para onde voltar”. Zarviv retornou recentemente a Rafah para prestar serviço. Antes do Sêder da Páscoa judaica, em abril deste ano, ele postou um vídeo de Rafah onde aparecia com o pano de fundo de uma rua onde ainda restavam alguns edifícios em pé. Zarviv não especificou no vídeo o que exatamente fazia em Rafah, mas disse que havia voltado “para lutar até a vitória, até o assentamento… Estamos aqui para sempre”.
Enquanto alguns operadores de D9, como Zarviv, propagandeiam orgulhosamente seus crimes de guerra, outros soldados não falam publicamente sobre a destruição, segundo Y. “Há apatia: as pessoas estão em seu quarto ou quinto deslocamento, se acostumaram”. Mas independentemente de seu nível de zelo, afirmou Y., os soldados entenderam como as escavadeiras deveriam ser usadas. “Não havia uma ordem formal [para dizimar Rafah], mas a mensagem é clara: simplesmente vamos destruí-la”.
A aniquilação total de Rafah pelo exército ocorreu apesar de, como observou Y., “não haver encontros [com combatentes do Hamas], apenas nos deparamos com paramédicos”, em referência ao incidente em que soldados israelenses mataram quinze paramédicos e bombeiros no bairro de Tel Al-Sultan da cidade.
Assim como Y., os demais soldados entrevistados pelo +972 e Local Call disseram que não viram nenhuma ordem escrita do Estado-Maior do exército para realizar as demolições, e que normalmente essas ordens vinham da hierarquia de brigada ou divisão.
O ex-alto funcionário de segurança disse que entrou em contato com o Estado-Maior após tomar conhecimento da destruição sistemática que estava sendo realizada no norte da Faixa, e está “convencido de que isso não partiu do chefe do Estado-Maior [Herzi Halevi], mas que ele perdeu o controle sobre isso”. A destruição não vinculada a objetivos militares é um crime de guerra. Isso veio de baixo [de oficiais de nível médio, incluindo chefes de brigadas e batalhões]. Vingança não é um objetivo militar [oficial], mas foi permitida”.
“Quando você entra em uma casa, você a explode”
H. foi reservista em Gaza duas vezes, a primeira no início de 2024, e a segunda entre maio e agosto como chefe da sala de operações de um batalhão destacado no corredor de Netzarim. “Durante meu primeiro serviço na reserva, estive em Khirbet Khuza’a [uma vila perto de Khan Younis]. Destruímos tudo, mas havia uma lógica: ampliar a linha de contato [zona de segurança] porque estava perto da fronteira”, disse.
“[Na segunda vez,] estávamos em uma área ao longo do corredor de Netzarim, próximo ao mar. Não havia justificativa operacional para demolir edifícios. Eles não representavam nenhuma ameaça para Israel. Tinha se tornado rotina: o exército se acostumou com a ideia de que quando você entra em uma casa, você a explode”.
“Não foi uma iniciativa local, mas partiu do chefe do batalhão”, continuou H. “Os alvos de demolição [edifícios marcados para destruição] eram enviados para a brigada. Suponho que também para a divisão. O chefe do batalhão marcava os edifícios com um X e verificava quantos explosivos estavam disponíveis. Enviavam um comandante de companhia para verificar que não havia prisioneiros de guerra nem desaparecidos [reféns] dentro. Nos casos em que ainda havia palestinos nas casas, diziam-lhes para sair, mas eram casos excepcionais”.
Segundo H, a destruição era algo cotidiano. “Alguns dias demolíamos de oito a dez edifícios, outros dias nenhum. Mas no geral, nos noventa dias em que estivemos lá, meu batalhão destruiu entre trezentos e quatrocentos edifícios. Nós [nos afastávamos] trezentos metros [do edifício] e os explodíamos”.
Quando H. chegou ao corredor de Netzarim em maio de 2024, ele tinha apenas algumas dezenas de metros de largura ao norte e ao sul. Quando seu serviço terminou, três meses depois, as demolições haviam ampliado o corredor para sete quilômetros de cada lado. “Tomamos três quilômetros de Zaytoun [ao norte de Netzarim] e também de Al-Bureij e Nuseirat [ao sul]. Não sobrou nada, nem uma única parede com mais de um metro de altura”, disse. “A escala e a intensidade da destruição são tremendamente enormes: é indescritível”.
Yotam, vice-comandante de companhia, alistou-se na reserva em 7 de outubro e serviu 207 dias em Gaza, participando assim da primeira incursão terrestre na cidade de Gaza e ao longo do corredor de Netzarim. Posteriormente, foi dispensado do serviço após assinar uma carta que pedia aos soldados que deixassem de servir até que os reféns fossem devolvidos.
“Acordávamos, e ao batalhão era designada uma companhia de engenharia para o dia junto com uma quantidade específica de explosivos”, explicou Yotam ao descrever como começavam as missões de demolição. “Isso significava demolir entre um e cinco edifícios [por dia]”.
Como vice-comandante da companhia, Yotam foi encarregado de liderar as missões. “Fui ao comandante do batalhão, que me disse: ‘Encontre algo relevante no terreno e demola’. Eu disse: ‘Não vou cumprir uma missão assim’. Então fui ao comandante da companhia de engenharia, abrimos um mapa e selecionamos cinco edifícios. Se não fizéssemos isso, eles escolheriam edifícios aleatoriamente; de qualquer forma, queriam demolir todo o bairro. O sentimento geral era: ‘Hoje temos uma companhia de engenharia, vamos destruir algo'”.
Assim como outros soldados que falaram com +972 e Local Call, Yotam afirmou que o principal objetivo militar na segunda fase da guerra em março e abril de 2024 era a destruição em si. Ele acrescentou que um comandante de divisão disse que era uma “alavanca de pressão sobre o Hamas” para chegar a um acordo sobre os reféns, mas na prática “não é uma missão operacional. Não tem um propósito concreto. Não há protocolos estabelecidos”.
Yotam disse que, na área de Netzarim, as unidades em campo tinham considerável liberdade para decidir o que destruir. “A mentalidade operacional era que se tratava de um território que as FDI controlavam, que não devolveriam tão cedo, e ninguém se importava com as vidas dos palestinos que estavam lá. É uma área que não voltará a ser um bairro palestino”.
“Vi com meus próprios olhos centenas de edifícios arrasados. Bairros inteiros ao norte do hospital turco [no centro da Faixa de Gaza] foram destruídos. Não se pode permanecer indiferente diante de tal magnitude de destruição”.
“Um espetáculo toda noite”
Vários soldados entrevistados descreveram os rituais cerimoniais que acompanhavam as demolições em Gaza. Um cabo reservista da Brigada 55, que serviu perto de Khan Younis, falou sobre sua experiência nas missões: “Passávamos pelas casas, confirmávamos que não havia informações relevantes nem militantes presentes, e então a unidade de engenharia entrava em cada edifício com cargas de dez quilos, que fixavam nas colunas de sustentação”, disse. “Era como um espetáculo toda noite: um oficial superior, geralmente um comandante de companhia ou um oficial de alta patente, entrava em contato por rádio com a unidade de desativação de bombas e o corpo de engenharia, fazia um discurso sobre por que estávamos ali, fazia uma contagem regressiva e, então, explodia. Olhávamos para trás e não restava nada em pé”.
Yotam também falou sobre esses rituais durante seu serviço na reserva em Gaza. “Quando explodiam uma fileira de edifícios, o comandante do batalhão pegava o rádio, dizia algo heróico sobre alguém que havia morrido e sobre continuar a missão, e então lançavam toda uma fileira de edifícios pelos ares”.
Outra prática comum era a queima de casas que as forças israelenses haviam usado como instalações militares temporárias para marcar o fim de uma missão, como +972 documentou anteriormente. “Era rotineiro: faziam isso o tempo todo”, disse Yotam. “Mais tarde pararam com isso e só queimavam casas que haviam sido usadas como centros de comando”.
Os soldados também entenderam o significado mais amplo dessas demolições ritualizadas. Na falta de um objetivo operacional, cumpriam um objetivo político e ideológico: tornar Gaza um lugar inabitável para as gerações futuras.
“No final, não estamos lutando contra um exército, estamos lutando contra uma ideia”, disse o comandante do Batalhão 74 ao jornal israelense Makor Rishon em dezembro de 2024. “Se eu matar os combatentes, a ideia pode continuar existindo. Mas quero tornar a ideia inviável. Quando olharem para Shuja’iyya e virem que não há nada lá – apenas areia –, é disso que se trata. Não acredito que eles possam voltar aqui em pelo menos cem anos”.
“Ninguém sabe melhor do que nós que os gazenses não têm para onde voltar”, explicou um comandante cujo batalhão participou da destruição de cerca de mil edifícios em dois meses em 2025. Um soldado que serviu no mesmo batalhão acrescentou: “A ideia era destruir tudo. Criar faixas de destruição”.
“Uma rua inteira é derrubada com uma única explosão”
Em abril de 2025, o jornalista israelense Yaniv Kubovich adentrou o “Eixo Morag” – a faixa de terreno que o exército desocupou entre Khan Yunis e Rafah – e relatou ter visto os restos de um antigo veículo blindado de transporte de tropas (APC, na sigla em inglês) próximo a um dos edifícios destruídos.
Os soldados explicaram que este era outro método utilizado para demolir edifícios, causando grandes danos ao entorno. “As FDI carregam [o APC] com explosivos e o enviam de forma autônoma para uma rua ou edifício que as forças aéreas teriam bombardeado anteriormente. Mas após um ano e meio de guerra, o APC explosivo tornou-se a alternativa mais barata”.
Segundo Kubovich, os restos desses APCs explosivos agora podem ser vistos por toda a Faixa, e seu uso parece ter se expandido significativamente desde as primeiras fases da guerra.
A., que serviu em várias ocasiões em Gaza, disse ao +972 e Local Call que esse método não se limita ao uso de APCs antigos. “Pegam dois contêineres gigantes, usam dezenas, senão centenas, de litros de material explosivo e, com um D9 ou Bobcat [pequena escavadeira], controlados remotamente, os posicionam em um ponto predeterminado e os detonam. Uma rua inteira é derrubada com uma única explosão”.
“Uma vez entramos em um local que havia sido um centro educacional para jovens”, continuou A. “Ficamos lá uma noite e depois o explodiram. Estávamos a um quilômetro e meio [da explosão] e ainda sentimos a onda de choque passar sobre nós, era como uma forte rajada de vento. Pensei que o edifício havia desabado sobre mim”.
A. disse que às vezes esse método era usado para objetivos relativamente operacionais: para explodir uma área onde se suspeitava haver um artefato explosivo, por exemplo, ou para abrir caminho para as tropas.
No entanto, Yotam o descreveu como outra ferramenta usada principalmente para demolir edifícios. “A missão é definida quando você recebe uma quantidade designada [de explosivos], então é: ‘Muito bem, vamos lá'”, disse. “Parte da missão ideológica consiste em arrasar edifícios ou inutilizar uma área”. Y., que recentemente serviu em Rafah, também afirmou que “todas as noites eles detonam um ou dois [desses veículos blindados de transporte de tropas]. A força é insana: arrasa tudo ao redor”.
Enquanto as forças israelenses arrasam Rafah, dezenas de milhares de palestinos forçados a evacuá-la em abril podem ouvir de longe a destruição de seus lares. O Dr. Ahmed al-Sufi, prefeito de Rafah, declarou que quando retornou à cidade em janeiro, no início do cessar-fogo, ficou pasmo ao ver a magnitude da destruição. Agora, deslocado novamente para fora de Rafah, ele ouve os bombardeios aéreos e as incessantes explosões terrestres, e teme que a situação tenha piorado muito. “Ninguém sabe como a cidade está agora, mas acreditamos que estará completamente destruída”, afirma. “Para os residentes, será muito difícil retornar”.
“O exército israelense utiliza diversos métodos para destruir a cidade, seja através de incessantes bombardeios aéreos ou explodindo edifícios usando armadilhas explosivas”, explicou Mohammed Al-Mughair, diretor de suprimentos da Defesa Civil em Gaza. “Há também robôs-armadilha que são enviados para casas e bairros inteiros e detonados em seu interior. Havia várias áreas que ainda tinham edifícios intactos e habitáveis [durante o cessar-fogo], mas com esse bombardeio incessante, não sabemos o que aconteceu lá, especialmente nas áreas ao redor do chamado corredor Morag”.
“Nosso objetivo era destruir as aldeias xiitas”
Esta política de destruição sistemática – uma tática para impedir que civis retornem a seus lares – também foi aplicada durante a invasão terrestre israelense ao sul do Líbano que durou dois meses. Uma análise de imagens de satélite realizada no final de novembro de 2024, pouco após o cessar-fogo entre Israel e Hezbollah, revelou que 6,6% de todos os edifícios nos distritos ao sul do rio Litani haviam sido completamente ou majoritariamente destruídos.
G., reservista do Batalhão de Engenharia 7064, participou de um treinamento no verão de 2024 antes da invasão planejada. Ele contou que no briefing foi explicitamente dito que o objetivo do batalhão era destruir aldeias xiitas. “No treinamento de demolição pré-invasão [terrestre], um comandante do batalhão nos explicou que nosso objetivo ao entrar no Líbano seria destruir vilas xiitas. Ele não disse ‘terroristas’, ‘inimigos’ ou ‘ameaças’. Não usou nenhum termo militar, apenas ‘vilas xiitas’. Isso é destruição sem propósito militar e com um único objetivo político”.
“O objetivo era impedir o retorno dos residentes”, continuou G. “Isso foi dito explicitamente. A ideia era que não houvesse possibilidade de reconstrução após a guerra. Em retrospectiva, vimos que destruíram escolas, mesquitas e instalações de tratamento de água”. Ele se recusou a se apresentar para continuar na reserva, mas não foi punido.
Durante o treinamento de G., não foi fornecida nenhuma distância específica da fronteira como limite para a destruição, mas “a Brigada 769, da qual dependíamos, estabeleceu um raio de três quilômetros. Pelo que vi [do lado israelense da fronteira], eles tiveram sucesso”. Em entrevista ao Srugim, o comandante da Brigada 769 confirmou essas declarações: “Onde houver terror, suspeita de terror ou mesmo um cheiro de terror, eu destruo, demolo e elimino”.
L., um reservista que serviu tanto em Gaza quanto no fronte oriental do Líbano, disse que o exército enviou “um grande número de forças técnicas de combate, tanto regulares quanto da reserva”. Sua unidade no Líbano “enfrentou pouca ou nenhuma resistência, muito menos do que o esperado”, e um dos objetivos era “destruir toda a infraestrutura das aldeias, porque quase todas as aldeias eram definidas como redutos do Hezbollah”.
“Eles começaram a destruir as aldeias de forma bastante exaustiva e intensa: quase todas as casas, não apenas as identificadas como residências de comandantes do Hezbollah. Minas, explosivos, retroescavadeiras, D9… [usaram] todas as técnicas para demolir edifícios. Também destruíram infraestruturas elétricas, hídricas e de comunicações para torná-las inoperantes no curto prazo, e mesmo que [os residentes] retornassem, levaria muito tempo para reconstruí-las”.
Segundo L., as casas poupadas eram frequentemente as de famílias cristãs. “Percebi que edifícios com cruzes em seu interior muitas vezes permaneciam de pé”, explicou.
G., como mencionado, recusou-se a entrar no Líbano para não participar da destruição de aldeias, mas do lado israelense da fronteira viu e ouviu o que seu batalhão fazia lá. “Parte da destruição ocorreu quando tudo já havia sido capturado e não havia mais resistência… No WhatsApp do batalhão, vi evidências de destruição intencional. Alguns soldados do batalhão filmaram a si mesmos explodindo edifícios. Meu batalhão em particular só entrou depois que não havia mais Hezbollah, nem armas, nem edifícios sendo usados para qualquer propósito militar secundário [contra Israel]: nada que [seja permitido atacar] de acordo com as leis da guerra”.
Esta lógica de destruição em massa também foi aplicada na Cisjordânia, embora em menor escala. De fato, uma fonte militar disse ao +972 e Local Call que a natureza da destruição em Gaza deriva das táticas que o exército desenvolveu na Operação Escudo Defensivo na Cisjordânia durante a Segunda Intifada: “expor o terreno” em linguagem militar.
Segundo um relatório da OCHA (Escritório das Nações Unidas para a Coordinação de Assuntos Humanitários) de março de 2025, desde o início de 2024, Israel demoliu 463 edifícios na Cisjordânia como parte de atividade militar, deslocando cerca de 40 mil palestinos dos campos de Jenin, Nur Shams e Tulkarm no âmbito da “Operação Muro de Ferro”. No campo de refugiados de Jenin, como o +972 relatou anteriormente, o exército detonou quarteirões inteiros de moradias e arrasou ruas como parte de uma campanha de reengenharia do campo para reprimir a resistência palestina e minar o direito de retorno. O exército anunciou recentemente planos para demolir mais 116 residências nos campos de refugiados de Tulkarm e Nur Shams.
Segundo números fornecidos por soldados que serviram em Gaza, um único batalhão na Faixa poderia destruir esse número de edifícios em uma semana. Mas a ideia subjacente é a mesma. A destruição não é mais simplesmente consequência da atividade militar de Israel, ou parte de uma estratégia militar mais ampla: parece ser o objetivo em si mesmo.
O porta-voz das FDI respondeu ao nosso pedido de comentários com a seguinte declaração: “As FDI não têm uma política de destruição de edifícios como tal, e qualquer demolição de uma estrutura deve cumprir as condições estabelecidas pelo direito internacional. As alegações relativas a declarações de soldados sobre demolições não relacionadas a fins operacionais carecem de detalhes suficientes e não estão em conformidade com as políticas e ordens das FDI. Incidentes excepcionais são examinados pelos mecanismos de revisão e investigação das FDI”.
“As FDI operam em todas as frentes com o objetivo de frustrar o terrorismo em uma realidade complexa de segurança, onde organizações terroristas estabelecem deliberadamente infraestruturas terroristas dentro de populações e estruturas civis. As alegações do artigo refletem um mal-entendido das táticas militares do Hamas na Faixa de Gaza e até que ponto essas táticas envolvem edifícios civis”.
Também na Cisjordânia (Judeia e Samaria), organizações terroristas operam e exploram a população civil como escudos humanos, colocando-a em perigo. Eles colocam explosivos e escondem armas na área. Como parte da campanha contra o terrorismo no norte da Samaria, às vezes são abertas fissuras nas estradas da região, o que exige a demolição de edifícios de acordo com a lei. A decisão foi tomada por razões operacionais e após examinar alternativas.
“As FDI continuarão agindo de acordo com a lei [israelense] e o direito internacional, continuarão neutralizando redutos terroristas e tomarão todas as precauções possíveis para minimizar danos a civis.”
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