Pela revolta da terra e dos corpos
Pensador que cunhou o conceito de Capitaloceno aponta: colapso climático é obra da cisão entre humanos e natureza – feita pelo sistema para colonizar, oprimir e lucrar. A saída: aliança ampla do biotariado. O que significa e por que é necessária?
Publicado 10/06/2025 às 20:52 - Atualizado 10/06/2025 às 21:02

Jason Moore em entrevista a Adhik Arriluceam, no Publico | Tradução: Rôney Rodrigues
Primeiro veio o Pleistoceno, uma época caracterizada por suas glaciações. Em seguida, veio o Holoceno, um período mais quente, no qual vivemos agora. A espécie humana desenvolveu a agricultura e diferentes civilizações, causando um impacto sobre a terra – e a Terra. Por isso, alguns geólogos propuseram falar de uma nova época: o Antropoceno. O termo é muito debatido na comunidade científica e inspirou o campo das Humanidades, especialmente as chamadas humanidades ecológicas, que analisam a crise climática e ecosocial a partir de abordagens históricas, estéticas, econômicas, literárias, filosóficas e muito mais.
Esse termo, que revolucionou o pensamento, recebeu uma resposta marcante do historiador e economista político Jason Moore (EUA, 1971), vinculado à Binghamton University de Nova York. Em vez disso, o pesquisador cunhou o termo Capitaloceno, pois não foi toda a humanidade que contribuiu igualmente para o colapso ecológico, mas sim as elites capitalistas que impulsionaram o processo. Ele abordou isso em Capitalismo na trama da vida, um ensaio que se tornou referência para muitos pensadores. Moore visitou a Espanha há alguns dias para lançar seu novo livro, A grande implosão (Traficantes de Sonhos, 2025). Ele reflete sobre os responsáveis pela emergência ambiental, seu papel na formação das desigualdades e os limites da social-democracia para enfrentá-la.
Sua tese principal com o conceito de Capitaloceno busca descentralizar a atenção nos seres humanos no que diz respeito à crise climática. Quem ou o que deve prestar contas?
Sabemos quem são os responsáveis pela crise climática. Eles têm nomes, endereços e contas bancárias. Com o relatório Carbon Majors (publicado em 2014 pelo Climate Change Accountability Institute), aprendemos que 150 corporações são responsáveis por 70% das emissões de gases de efeito estufa. Nunca antes tínhamos causado tanto impacto no planeta. E, no entanto, muitos ambientalistas locais se recusam a nomear os responsáveis. Recusar-se a mencionar o sistema e quem o financia é uma forma de negar um fator fundamental do cenário em que vivemos.
Quem os ambientalistas identificam como os responsáveis?
Eles declaram que o responsável pelo colapso climático é o ser humano. E aqui está a questão: separam humano e natureza. Essa forma de pensar não é inocente. É uma visão de mundo baseada no “conflito eterno”, que é a visão das classes dominantes. Ao longo dos séculos, as classes dominantes usaram a natureza para justificar seus projetos. Por isso considero que “natureza” é a palavra mais perigosa. É um elemento-chave do vocabulário conceitual do imperialismo. Inicialmente, era usada para se referir aos habitantes de um lugar, mas, nas conquistas das Américas, passou a incluir os povos indígenas como parte do território conquistado, ou seja, para excluí-los da sociedade.
As relações de exploração e dominação produzem abstrações sociais, como a divisão homem-mulher ou civilizado-selvagem, que são formas de alienação. Como funciona a divisão humano-natureza?
Desde o início do capitalismo, que eu situo no século XVI, houve primeiro um projeto de cristianização e depois um projeto civilizatório. Hoje os chamamos de projetos de desenvolvimento. Por trás desses conceitos está a ideia de que se está civilizando quem é selvagem, ou seja, quem está, como diria John Locke, em estado de natureza. Essa noção é obviamente uma forma de dominação sobre os povos indígenas. Na verdade, ela envolve a invenção do conceito de indígena, que não faz parte da sociedade e da humanidade, mas sim da natureza.
“Mulher” também é um conceito natural. Especificamente, a ideia de que o trabalho das mulheres é uma categoria natural significa que elas não merecem remuneração por seu trabalho. Isso foi fundamental no processo de proletarização e na consequente criação da classe trabalhadora.
Se pausarmos um momento a leitura desta entrevista e refletirmos sobre como vários grupos étnicos e raciais, as mulheres ou o coletivo LGTBIQ+ foram historicamente caracterizados, logo perceberemos que tudo gira em torno da percepção de natureza e do natural. Ainda vemos isso no panorama político. Por exemplo, Josep Borrell, o ex-alto representante da União para Assuntos Exteriores e Política de Segurança, se referia à Europa como “o jardim” e ao resto do mundo como “a selva”. Essa é a noção clássica de lei natural.
Em seus textos, você comenta que as mudanças climáticas ao longo da história levaram a mudanças na organização das sociedades. De que forma a atual crise climática desencadeia uma reestruturação social?
A crise climática tem duas implicações. A primeira é que suprime a produtividade da agricultura, pois a terra perdeu muita fertilidade desde o século XIX. A segunda é que provoca uma desaceleração progressiva da produtividade do trabalho. Ainda veremos o que acontecerá com isso. Mas, desde os anos 1970, vemos a taxa de lucro cair. Naquela época, nos prometeram que o futuro seria de prosperidade global. Em vez disso, recebemos a exploração global, com bilhões de pessoas obrigadas a viver em cidades e buscar trabalhos não manuais, além de pessoas expulsas de suas casas porque as condições climáticas são insustentáveis.
A mudança climática não é apenas um produto do capitalismo, mas também está aumentando suas contradições. Muitas vezes isso é mal interpretado, e quero deixar claro: a emergência ambiental não causa nada diretamente, mas intensifica todas as formas de conflito; os principais problemas sociais, a migração, a ascensão da ultradireita populista… A crise climática tende a desestabilizar tudo.
Qual é o papel do colapso climático na ascensão da ultradireita populista em todo o mundo?
Para começar, as dinâmicas competitivas do capitalismo chegaram ao fim. As 50 maiores corporações do mundo detêm cerca de 30% das capitalizações de mercado. Isso é uma centralização do capital sem precedentes, o que nos fez viver em um capitalismo zumbi, já que ele perdeu seu caráter competitivo. E essa centralização está relacionada ao fato de que, após 50 anos de neoliberalismo, a centro-esquerda e a centro-direita se alinham a esse capital centralizado. Uma das coisas em que concordam é em prejudicar os trabalhadores, mas isso não traz benefício algum. É uma das profundas contradições do presente. A ultradireita populista é uma resposta a essa centralização de poder.
Outro elemento-chave é como esse extremo centro nos prepara para sociedades pós-capitalistas baseadas no chamado “estado de segurança nacional”, caracterizado pela interferência das forças militares em assuntos políticos e econômicos. Pois no coração do extremo centro está a ideia de que a democracia é ruim. Já vimos isso na pandemia, quando as classes profissionais ficaram em casa pedindo Uber Eats enquanto a classe trabalhadora foi completamente devastada.
Os partidos verdes estão preparados para responder a esse problema e, em geral, para enfrentar a crise climática?
Eu diria que, objetivamente, os partidos verdes estão situados na direita política. Há contradições entre eles, mas isso fica claro no caso do Partido Verde da Alemanha. Eles são a favor das armas e da guerra e contra a classe trabalhadora. Isso me preocupa, porque se há uma ameaça existencial hoje, é a guerra.
Também fala do “apartheid” climático, do patriarcado climático e da divisão de classes climática como os três pilares do capitalismo.
Eles formam uma trindade capitalogênica. A classe trabalhadora moderna entende seus interesses, e isso deixa aos capitalistas uma tarefa importante: dividir o mundo. Os métodos habituais são três: nação, raça e gênero, e todos são naturalizados. A natureza é um instrumento de dominação porque divide pessoas que recebem o mesmo salário. É o que vemos com políticas anti-imigração, políticas de gênero de direita ou argumentos nacionalistas. O apartheid climático e o patriarcado climático não são resultado da crise climática, mas sim produzidos pelas dinâmicas de classe do capitalismo.
Diante dessa divisão, como podemos nos unir, não apenas o proletariado, mas todas as forças humanas e extra-humanas que formamos o biotariado?
Todos somos forças da natureza. A divisão entre humano e natureza é uma formulação ideológica burguesa. Já ouvi marxistas ortodoxos dizerem: “Moore é tolo. Ele quer criar alianças com os animais”. Bem, é claro que o ser humano é um animal específico com suas particularidades, mas por trás da distinção humano-natureza está a ideia de que algumas vidas são descartáveis e outras não. E temos uma história do capitalismo que categorizou a natureza para redefinir o que é humano, mas também o subumano. Essa noção está, por exemplo, na retórica de Israel em seu genocídio contra a Palestina.
Marx explicou que o capitalismo degrada e se apropria da terra, assim como degrada e se apropria do trabalhador, de modo que o proletariado também faz parte do biotariado. Marx acrescentou que as criaturas também devem ser livres. Ou nos levantamos juntos ou fracassamos. Uma ferida em um é uma ferida em todos. Eu desconfiaria de criar uma imagem da natureza como algo sobrenatural e místico. Em vez disso, defendo entender a natureza como o trabalho de todas as espécies. Sob essa perspectiva, devemos buscar a cooperação em massa. Cooperação significa democracia e tende a ser um trabalho produtivo.
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