Fome em Gaza: arma, sentença e silêncio
Israel quer mais do que destruir corpos. Plano é dizimar também laços sociais, resistências e as gerações futuras. O colapso é físico e moral. É inaceitável que países dos Brics forneçam insumos para a máquina de guerra. Boicote significa coragem, denúncia e solidariedade
Publicado 25/07/2025 às 17:39

Enquanto o mundo debate Tarifaços, cessar-fogos e negociações de trégua, em Gaza o tempo não é mais contado em horas ou dias. Ele é medido em gramas. Gramas de farinha, de arroz, de dignidade. A crise humanitária que assola o território palestino ultrapassou os limites da sobrevivência e transformou-se em um experimento cruel de extermínio por inanição. Segundo a Organização Mundial da Saúde, ao menos 113 pessoas morreram oficialmente por causas associadas à fome desde o início de 2025, sendo 21 crianças com menos de cinco anos. Mas os números reais devem ser muito maiores, escondidos entre os escombros de hospitais destruídos, nos abrigos superlotados e nas vielas onde corpos esqueléticos são recolhidos em silêncio.
Os sintomas da barbárie estão por toda parte. Hospitais que ainda funcionam relatam um aumento acelerado de casos de caquexia, estado extremo de desnutrição em que o corpo, privado de proteínas e calorias por tempo prolongado, consome a si mesmo. Crianças chegam aos centros de saúde em colapso, com olhos fundos, costelas salientes e músculos atrofiados. Mães tentam amamentar sem leite. Idosos já não conseguem mais se levantar. E, em meio ao cerco, até mesmo a ajuda humanitária se tornou uma armadilha: mais de mil civis foram mortos nos últimos meses ao tentar alcançar comboios de alimentos, vítimas de bombardeios, tiros ou tumultos nas zonas militarizadas de distribuição.
De acordo com o Sistema de Classificação Integrada da Fome da ONU, toda a população de Gaza vive hoje sob insegurança alimentar aguda. Cerca de 244 mil pessoas enfrentam um quadro descrito como catastrófico. Isso quer dizer que há gente morrendo, neste exato momento, por não ter o que comer lá em Gaza. E isso não se deve a colapsos ambientais ou desastres naturais. Trata-se de uma fome fabricada, planejada, executada como parte de uma estratégia militar e neofascista de esgotamento total. Como alertou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, essa catástrofe humanitária é totalmente evitável e pode ser interrompida com decisões políticas imediatas.
No norte de Gaza, onde a destruição é total e a reconstrução inexistente, o cenário lembra os mais sombrios campos da história. Mas agora os muros são invisíveis, feitos de drones, checkpoints e fronteiras bloqueadas por interesses geopolíticos, alianças militares e políticas. A ajuda internacional segue condicionada à “segurança de Israel”, como se segurança pudesse ser construída sobre cadáveres famintos.
A fome, aqui, não é um efeito colateral da guerra. É uma arma deliberada. Um método para destruir não apenas corpos, mas um povo, laços sociais, resistências, gerações futuras. O colapso físico das crianças se soma ao colapso moral da comunidade internacional. A devastação não é apenas material, é ética. E cada grama de alimento que não chega é também uma escolha. Uma decisão de quem lucra, de quem se omite, de quem se cala.
Neste cenário, os países do Brics não podem lavar as mãos. O Brasil, ao exportar combustível para Israel, contribui diretamente com a logística que mantém tanques, aviões e sistemas de guerra em operação. A China, ao fornecer minerais raros e tecnologias que abastecem a indústria militar israelense, também se torna parte dessa engrenagem de morte. Se há seriedade no discurso de um mundo multipolar, é preciso demonstrá-la com ações concretas. Suspender imediatamente todo fornecimento de insumos estratégicos para o esforço de guerra israelense é o mínimo ético que se espera de nações que dizem defender a paz e a justiça internacional.
O que está acontecendo em Gaza não é apenas um conflito. É um genocídio por inanição. Uma tragédia anunciada e transmitida em tempo real, sob o olhar cúmplice de governos, empresas e instituições. O silêncio já não é apenas conivente. É cúmplice. E romper esse ciclo de morte exige mais do que lamentos. Exige ruptura. Coragem. Boicote. Denúncia. Deixar de praticar neofascismo de forma velada. Pressão internacional. E, acima de tudo, solidariedade.
Porque cada vida perdida pela fome em Gaza pesa sobre nós. E a história não perdoará quem escolheu o lucro, o medo ou a neutralidade diante da fome como arma.
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