Crônica: Twitter e a abolição do argumento

Tuítes são versículos da Era Digital: alimentam inconsistências e terceirizam a reflexão, desde que se encaixem à narrativa. Vontade vira verdade numa síntese que nega o outro. Um oceano de opiniões com um palmo de profundidade…

Imagem: Joseph Melhuish/The New York Times

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“O tolo não se interessa em aprender, mas só em dar as suas opiniões”
Provérbios 18:2.

Um oceano de opinião com um palmo de profundidade. Uma das características da contemporaneidade que está intimamente ligada ao dilúvio das ideias e debates, é a superficialidade. O sujeito contemporâneo encontra-se sobrecarregado, sendo estimulado a dar a sua opinião sobre os mais variados assuntos. É preciso se posicionar, afinal, o perigo do outro se aproxima, e rápido.

Ao procurarmos estabelecer diálogo em busca de uma espécie de sincretismo comum, observa-se que, o que torna a tarefa de exposição dos argumentos um empreendimento árido, e até mesmo, pretensioso, é a tentativa de racionalizar o que concerne ao sentimento, sobretudo, por estar calcado na exploração do medo. Embora o medo seja uma reação espontânea, os processos desencadeados obedecem à lógica da construção do mecanismo de defesa a partir da identificação do inimigo e a busca por sua exclusão. Sendo assim, não estacionam nas emoções primárias do sistema límbico. O próximo passo é dar uma cara racional ao que provém do sentimento, construindo a opinião a partir de um ponto de chegada, não de saída, de modo corolário, fabricam o seu ministério da verdade, como em 1984, distopia futurista de George Orwell. É o exato oposto do método científico, que não possui compromisso com o resultado, mas com o processo. Evidencia-se então, que a dificuldade de interlocução se dá, não pela oposição e contrariedade das ideias, mas acima de tudo, pelo canal comunicativo. Se trata de uma linguagem codificada.

Estabelecer um horizonte comum pressupõe desenvolvimento argumentativo de determinada ideia. Mas quando deparamos com um sistema de pensamento que não se baseia no argumento, nossa própria via de diálogo esvai. Ao instituírem a vontade enquanto verdade, invariavelmente, são deslocados para a posição de superficialidade argumentativa, uma vez que as bases de seus pensamentos e convicções são inconsistentes, não faz o menor sentido buscar o aprofundamento.

“Quando um tolo fala, ele causa a sua desgraça, pois acaba caindo na armadilha das suas próprias palavras”. Provérbios 18:7.

Por assim dizer, o aprofundamento representa o esfacelamento do argumento. Os argumentos não possuem estrutura para resistirem ao aprofundamento. Por isso, o fenômeno do inquilinismo cognitivo se torna tão evidente, de modo que o sujeito busca, exclusivamente, as motivações para o agir hipnotizado. Terceiriza o pensamento ao que melhor se adequa à narrativa. Não à toa, deparamos com uma jornalista que lamenta o fato do MST ser o maior produtor de arroz orgânico do Brasil.

Nesse sentido, não é que se estabelece o niilismo, mais do que isso, a própria fronteira entre verdade e mentira é abolida. Já não importa se o argumento caminha de mãos dadas com a verdade, o que se busca, é uma conta de chegada. Isto é, a tarefa a ser empreendida é a de municiar-me das ferramentas que proporcionem a negação do outro. Semelhante ao mecanismo biológico que ataca qualquer alteridade, unânimes, procura-se avançar contra o inimigo comum.

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