SP: Como a Sabesp agrava a crise hídrica

Enquanto lucra mais com o consumo elevado, a companhia ignora políticas permanentes de uso racional e combate às perdas. Agora que reservatórios chegaram a níveis críticos, reduz fornecimento, penaliza população e mostra como lógica privatista afronta o interesse público

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Desde agosto deste ano a Sabesp opera sob um regime de emergência no abastecimento de água da Região Metropolitana de São Paulo, com medidas que incluem a redução da pressão na rede no período noturno, causando interrupção temporária em alguns bairros. Além disso, também têm sido promovidos apelos para o uso consciente da água diante da queda nos níveis dos reservatórios do Sistema Integrado Metropolitano (SIM).

A crise ganhou ainda outro contorno a partir desta segunda-feira (22), quando o tempo de redução da pressão da água aumentou, passando de oito para dez horas na Grande São Paulo. Foi determinado ainda o gerenciamento de pressão no período diurno atendendo a uma recomendação da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp). O objetivo é fazer com que o consumo de água seja reduzido.

Pode-se considerar que é muito pouco, e muito tarde. É inegável que as obras de infraestrutura executadas a “toque de caixa” para enfrentar a crise de 2024/2015 foram importantes como estratégias de fortalecimento dos sistemas produtores de água, como a Interligação Jaguari-Atibainha, que ligou o Sistema Cantareira e o Sistema Paraíba do Sul, possibilitando a transferência de água de uma bacia para a outra. Houve também a Interligação Rio Grande-Taiaçupeba, conectando o Alto Tietê ao Sistema Rio Grande, também teve a obra para captação do Rio São Lourenço (uma Parceria Público-Privada – PPP).

Contudo, outras medidas poderiam ter sido adotadas anteriormente, menos relacionadas a obras em si, até por conta de importantes impactos ambientais para sua realização (vide a proposta de transposição do Rio Itapanhaú, em Bertioga) e mais direcionadas para o incentivo ao uso racional da água.

Uma das principais razões para que estas iniciativas não tenham ido adiante deriva do objetivo da Sabesp de garantir receita a todo custo, o que é um desincentivo a programas de redução do consumo, já que, quanto mais as pessoas consumirem, maior é o faturamento e geração de lucro para a empresa. Uma lógica privatista que contraria o interesse público.

O que fazer diante da crise

Diversas medidas poderiam ser implementadas pela Sabesp, visando não somente situações de emergência, mas tendo um caráter permanente.

Ainda que uma parte da população tenha seu consumo de água restringido em função do controle da pressão nas redes, há espaço para uma redução sob a perspectiva de um desperdício menor pelo consumidor, por meio de campanhas efetivas de consumo racional da água.

No mesmo sentido, a implementação de uma política de bônus para usuários que reduzam o consumo, com desconto nas contas de água, também teria um impacto relevante. Este mecanismo já foi utilizado durante a crise hídrica de 2013/15, com um sistema de faixas de bonificação. À época, quem tivesse o consumo mensal reduzido em 20% ou mais da média apurada entre fevereiro de 2013 e janeiro de 2014 recebia um desconto de 30%; já entre 15% e 20%, o desconto era de 20%, e entre 10% e 15% a redução alcançava 10% na tarifa cobrada ao usuário.

Por outro lado, os grandes consumidores poderiam ter suas contas majoradas caso haja aumento de consumo. Em paralelo, seria necessário apresentar um plano de contingência definindo prioridade de atendimento para consumo humano e dessedentação animal, estabelecendo ainda acordos com grandes indústrias da Região Metropolitana de São Paulo, como ArcelorMittal, Petrobras, Braskem, entre outras que mantêm reservatórios próprios para apoiar o abastecimento das populações. No cenário atual, a Sabesp também tem por dever Intensificar o combate às perdas de água, incluindo vazamentos subterrâneos, ligações clandestinas e problemas de medição. Aproximadamente 32% de toda a água tratada pela Sabesp é desperdiçada, segundo dados da Arsesp de 2023, números semelhantes aos que eram apresentados pela companhia entre 2014 e 2015, respectivamente, 31,4% e 30,5%. Ou seja, desde a última grande crise hídrica, pouco foi feito para alterar o cenário de desperdício.

Direito humano essencial

Como parte da população mais afetada pela redução da pressão da água, as periferias poderiam contar com um programa de distribuição de caixa d’água, discutido com a comunidade para saber os locais corretos e como instalar. Muitas habitações não têm condições de suportar as caixas em suas estruturas, assim, reservatórios coletivos seriam uma alternativa interessante para ser trabalhada junto aos moradores.

Na crise de 2013/2015, o Coletivo e Luta pela Água – movimento popular criado para enfrentar a crise – defendeu uma proposta de construção de grandes reservatórios de água em próprios públicos (escolas, hospitais etc) e privados (estacionamentos de shopping centers, por exemplo) que seriam abastecidos por água de chuva e poderiam ser usados para fins de limpeza urbana.

A ampliação de ações e programas de água de reuso também são importantes, como o projeto Aquapolo Ambiental (ETE ABC → Polo Petroquímico), onde a água tratada na Estação de Tratamento de Esgotos ABC será enviada (via adutora) para uso das indústrias do complexo petroquímico no Grande ABC.

Por fim, é necessário que todas as ações sejam comunicadas à população de forma que todos possam compreender e acompanhar. Nessa linha, fortalecer os instrumentos de controle e participação social é fundamental, afinal, estamos tratando de um direito fundamental que é o acesso à água.

Todas as iniciativas listadas acima, se já tivessem sido implementadas, evitariam ou reduziriam o impacto de períodos de seca prolongada, que devem se tornar mais recorrentes em função das mudanças climáticas. Um direito humano essencial não pode ser visto somente pela ótica de interesses econômicos.

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