Quanto pior, pior mesmo!

Parte da oposição parece desejar “sangrar” Bolsonaro, com vista às eleições de 2022 – mesmo que custe o sofrimento de milhões. Mas sair da crise requer afastar oportunismos políticos – e apostar na mobilização popular e na volta urgente dos R$ 600

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Uma das inúmeras perguntas que seguem sem resposta no que diz respeito à avaliação do desastre perpetrado diariamente por Jair Bolsonaro e seu governo refere-se ao Auxílio Emergencial. A maneira como a sua equipe vem tratando do tema, desde abril do ano passado, reflete uma forma particular de encarar o fenômeno social em nosso país. Na verdade, trata-se da transformação dos preceitos do liberalismo assassino e irresponsável em políticas públicas que provocam o atual genocídio que vivemos em nosso cotidiano. Afinal, por que tamanha resistência em reconhecer a necessidade de tal benefício e a disposição de concedê-lo de forma adequada, para além das disputas de natureza ideológica?

É importante recordar que no início da pandemia, à época em que Bolsonaro tratava o fenômeno como uma “gripezinha” e como “vírus chinês”, a maioria do Congresso Nacional sensibilizou-se com as propostas da oposição e aprovou um benefício mensal de R$ 600 durante 5 meses. O governo foi derrotado em sua intenção de apresentar uma prestação única e de apenas R$ 100. O valor aprovado converteu-se na primeira medida para permitir que a maioria da população conseguisse atravessar os primeiros momentos de dificuldades derivadas do isolamento social necessário e da recessão que se aprofundava a cada dia. Mas o feiticeiro Paulo Guedes conseguiu convencer o chefe a reduzir esse valor pela metade quando da sua renovação. Assim, a partir de setembro o montante passou a ser de R$ 300 mensais, com data para terminar em 31 de dezembro. Na verdade, esse raciocínio se baseava em “estudos sérios” realizados pela sua equipe, onde estaria “cientificamente” comprovado que a hipótese de uma segunda onda de covid não passava de fantasia dos catastrofistas de plantão. Bingo!

Pois assim foi feito. Entramos em 2021 sem que nenhum auxílio fosse dirigido às famílias mais necessitadas, ao mesmo tempo em que os números de novos casos e mortes cresciam de forma assustadora. Apenas em março o governo se sentiu pressionado a dar algum tipo de satisfação a esse respeito. Os índices de popularidade do presidente iniciaram uma queda acentuada e as pesquisas indicavam que um dos fatores para tanto residia justamente na ausência de qualquer suporte destinado à maioria da população. Dessa forma, em 18 de março passado, o governo enviou ao Congresso Nacional a MP 1.039 tratando do assunto. Ocorre que a proposta ali presente era um verdadeiro tapa na cara dos milhões e milhões que seguem mergulhando a cada dia na rota da pobreza extrema, da miséria e da fome.

Pandemia exige vacina, isolamento e auxílio a R$ 600

A proposta de Bolsonaro & Guedes não recupera o primeiro trimestre perdido para quem dependia do auxílio. Além disso, estabelece o valor em ridículos R$ 150 mensais. Os seus tecnocratas fechados nos gabinetes da Esplanada brasiliense não têm mesmo a mais leve noção do que se passa no cotidiano da maioria da população. Para além da insensibilidade em ignorar a ausência de recursos dirigidos entre janeiro e março, a proposta nem busca atualizar os valores monetários equivalentes ao poder de compra dos R$ 600 há 12 meses. As perdas para o consumo da população da base da pirâmide foram superiores a 7% no período. Isso deveria levar a um benefício mensal de pelo menos R$ 642.

Em março, a cesta básica somente poderia ser comprada por valores superiores a R$ 500 em 12 das 17 capitais levantadas pelo DIEESE. Em São Paulo, por exemplo, ela atingia R$ 626. E a proposta de Bolsonaro & Guedes, que está em vigor desde a publicação da MP 1.039, oferece apenas um Auxílio Emergencial equivalente a menos de 25% desse valor. Uma loucura! Não bastando o escândalo da proposição, chama a atenção a recusa sistemática do presidente da Câmara dos Deputados em colocar a MP em votação pelo plenário. Lá se vão 40 dias que a matéria se esconde em alguma das gavetas do deputado Arthur Lira, que recebeu todo o apoio do Palácio do Planalto para alcançar o posto, que se caracteriza também como sendo o terceiro na linha sucessória da Presidência da República.

Muito provavelmente a leitura do parlamentar do Progressistas de Alagoas esbarra na avaliação de que seus colegas poderão, mais uma vez, derrotar a intenção austericida do governo e elevar o valor da prestação, tal como ocorreu em abril do ano passado. Com essa dúvida, ele tem sido orientado pelo Planalto a não se arriscar e mantém, de forma obediente, o texto longe da necessária submissão à apreciação dos demais 512 pares.

Aprofundamento da miséria e o risco do golpe

O problema é que essa recusa do deputado parece favorecer justamente os interesses de aprofundamento da crise econômica e social. Nada acontece por acaso. Bolsonaro deve ter se dado conta que o tempo está passando rápido demais para suas ambições de reeleição em outubro do ano que vem. O desastre representado por seu governo, as mortes chegando ao patamar de 400 mil e as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) anulando os processos envolvendo Lula redefinem o xadrez da disputa ainda longínqua. Não é segredo para ninguém que todas as pesquisas de opinião simulando as eleições para os tempos atuais apresentam a derrota de Bolsonaro.

Diante desse quadro, uma das alternativas que se colocam perante o capitão para continuar no poder reside na tentação autoritária e em seu chamamento quase cotidiano às Forças Armadas para “colocar ordem na bagunça nacional”. À medida que começa a ficar clara a dificuldade em um embate eleitoral, Bolsonaro passa a reforçar as hipóteses do autogolpe ou do fechamento do regime. Daí ressurgem as especulações genéricas contra a urna eletrônica e as sistemáticas acusações, sempre sem nenhuma prova, de fraudes nas apurações. Se não dá para vencer nas eleições, articula-se outra via para evitar que o desejo da maioria se manifeste pelo caminho institucional.

Assim, deve ser afastada qualquer interpretação de setores da oposição de não se esforçar para obter a majoração do Auxílio Emergencial. Há uma equívoco nessa leitura, com o argumento de que um benefício maior talvez possa servir para o presidente recuperar sua popularidade. No momento em que vivemos e diante da crueldade a que está submetida a maioria de nosso povo, creio que não cabe sequer cogitar a hipótese do “quanto pior, melhor”. É verdade que as pesquisas de opinião costumam refletir essa melhora da popularidade dos Chefes de Executivo em contextos de concessão de maiores benefícios à população. Mas não podemos ter a menor vacilação: a tarefa é elevar o valor para R$ 600 e disputar no seio da sociedade o protagonismo da autoria da proposta.

Deixar a corda esticar e a miséria se converter em riscos de convulsão social descontrolada é um grave erro estratégico. Essa passividade frente ao tema do auxílio emergencial apenas joga água no moinho de quem precisa de argumentos para justificar sua pretensão de se aventurar na trajetória do golpe para impor a ordem.

A crise atual é das mais graves de nossa História. Não cabe tergiversar com qualquer hipótese irresponsável na condução da luta política. Apostar no quanto pior poderá nos relevar mais tarde que, infelizmente, o muito ruim pode piorar. Como na imagem do alçapão no fundo do poço, o quanto pior, pode ser ainda muito pior.

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