Pochmann: a nova agenda global de investimentos

Diante da emergência climática, que ameaça a própria dinâmica do capitalismo, as altas finanças ensaiam uma nova estratégia. O Brasil pode tirar proveito dela, como insinuou Lula na COP-27 – mas isso exigirá um grande rearranjo político interno

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Duas condicionantes essenciais explicam as grandes transformações estruturais pelas quais o Brasil passou nos últimos 200 anos. Enquanto a primeira responde pela construção de uma maioria política de forças internas que impulsionam a mudança estratégica na trajetória pregressa, a segunda condicionante decorre da capacidade de engatar as decisões nacionais ao movimento geral em curso no mundo.

Em grande medida, essas duas condicionantes estiveram presentes na Independência nacional (1822), na consolidação do modo de produção e distribuição capitalista (1888) e na passagem do agrarismo à sociedade urbana e industrial (1930), quando houve inflexão na trajetória histórica pregressa. Na crise do antigo sistema colonial europeu, por exemplo, a dominância lusitana deu lugar à emergência dos proprietários rurais e escravistas locais que, liderados por D. Pedro I, romperam com a metrópole e se interconectaram com o imperialismo inglês em formação.

De certa forma, parcelas dos proprietários de terra voltaram a se insurgir contra o atraso econômico, político e social representado pelas forças políticas incrustadas no império. Concomitantemente com o abandono do antigo escravismo africano pela difusão capitalista do trabalho livre, capturada inicialmente por imigrantes europeus, a instalação da República foi acompanhada pela aproximação maior com a liderança nascente dos Estados Unidos.

Pela Revolução de 1930, a formação de nova maioria política interna transcorreu simultaneamente à cisão do conglomerado de interesses pertencentes ao velho agrarismo. No balanço das ondas da Segunda Guerra Mundial, o projeto de industrialização nacional se firmou, influenciado pelo conturbado cenário externo demarcado pela Guerra Fria (1947-1991).

Essa brevíssima menção ao passado histórico brasileiro serve de apoio à sustentação da tese a respeito da mudança atual de época em que o Brasil está inserido (Novos Horizontes do Brasil na 4ª transformação estrutural, ed. Unicamp, 2022). Em plena redefinição da convergência entre as distintas forças políticas nacionais, observa-se o surgimento de uma nova agenda para o investimento de capital no mundo.

Diante da emergência climática que ameaça crescentemente a espécie humana na terra e eleva os riscos do próprio funcionamento do capitalismo, percebe-se a sinalização de remodelização das altas finanças (hedge funds dos bancos e grandes fundos de investimento) emitida em países do norte global. Com isso, começa a ocorrer o deslocamento dos investimentos em atividades de alta emissão de carbono (carvão, petróleo, gás e carvão e outros) para aquelas mais comprometidas com a sustentabilidade da Agenda 2030 da ONU, revelando por parte das grandes corporações transnacionais as perspectivas a longo prazo de renovação do sistema produtivo convencional.

A atualidade da conversão do dinheiro especulativo em “investimento verde” constitui a chave pela qual o Brasil pode assumir centralidade na captação externa de recursos voltados ao movimento de transição ecológica. No mesmo sentido da redução considerável da pegada de carbono se destacam as inovações tecnológicas associadas à produção agropecuária, cuja oportunidade de atrair a ciência e a pesquisa brasileiras favoreceria a reciclagem, a redução do uso de água e as emissões de gases de efeito estufa.

É neste inédito contexto internacional de reorientação da agenda de investimento que o presidente Lula aponta para o reposicionamento do Brasil. A recente presença marcante do Brasil na COP 27, bem como na configuração da aliança com Congo e Indonésia na formação da chamada “OPEP do Carbono Florestal” abrem importante espaço para um grande ciclo de investimentos verdes no país.

Nesse sentido, a consolidação de maioria política no interior das forças nacionais durante o período pós-eleitoral se torna fundamental, viabilizando o enfrentamento da trajetória pregressa do subdesenvolvimento e da dependência externa.

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