Greve nas federais: uma carta ao presidente

Lula forjou sua trajetória na luta por melhores condições de trabalho de sua categoria. Uma docente federal apela à sensibilidade do presidente e alerta: professores estão exaustos. É hora de se sentar à mesa com eles e ouvir suas demandas

Créditos: Sinduece
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Querido Lula, Presidente do Brasil: 

Certamente o Senhor está informado sobre o andamento da greve dos servidores da educação federal. Mas talvez não esteja tão bem informado, como seria necessário, para que tomasse decisões mais acertadas, como, por exemplo, sentar-se à Mesa de Negociações, para ouvir os trabalhadores da educação e suas reivindicações e propostas.

Sua ausência nesse processo tem sido sentida, de forma profunda, pois os representantes do governo indicados para essa Mesa não têm a sua sensibilidade, sua experiência e sabedoria. Não passaram, ao longo da vida, pelos episódios tão diversos e desafiadores como os que o Senhor enfrentou na condição de trabalhador e de Presidente do país.

O Senhor sabe, talvez como ninguém, o que significa a educação para o processo de desenvolvimento da juventude do Brasil, como requisito indispensável à construção de uma sociedade mais igualitária e emancipada da pobreza e da violência na cidade e no campo.

Por outro lado, talvez não conheça de fato o trabalho dos profissionais da educação que se desdobra em jornadas ininterruptas e complexas de estudo, pesquisa, ensino e extensão. Para alcançar a habilitação no nível de doutorado, são necessários em torno de dez anos de estudo, desde a graduação, passando pelo mestrado. Somente depois de uma década de formação, um professor é reconhecido como competente e habilitado para formar profissionais dos diferentes setores da produção material e imaterial.

Após jornadas muito árduas e desgastantes, pois não é tarefa simples promover o desenvolvimento cognitivo, crítico e afetivo de pessoas, como o Senhor mesmo sabe e experimentou em sua vida, os docentes e técnicos dos Institutos e das Universidades Federais têm enfrentado as adversidades que incluem, principalmente, na história recente do Brasil, a desvalorização social, a perseguição política e o descrédito por parte de um segmento da sociedade que tem se dedicado a disseminar a cultura da desinformação, da mentira e da ignorância.

Certamente o Senhor reconhece o valor do trabalho dos técnicos e professores, que não poderá ser substituído pela Inteligência Artificial apresentada como um meio de reduzir ainda mais as condições de trabalho e de remuneração de profissionais de diferentes áreas. O Senhor sabe que o Capital é antropofágico. Como muitas pessoas no Brasil, enfrentou de modo destemido a sua voracidade.

Pois bem, querido Presidente, do mesmo modo, docentes e técnicos dos Institutos e Universidades Federais têm sido consumidos por essa forma imposta pelo Capital, qual seja, substituir trabalho vivo pelo trabalho objetificado. Têm sido, de modo geral, desvalorizados e descartados, como se fossem apenas máquinas que podem ser substituídas, após seu pleno desgaste. Professores e técnicos são humanos e sofrem quadros de esgotamento físico e psíquico, ficando inclusive, muitas vezes, sem condições de retornar ao trabalho, em consequência de patologias graves. 

E por que chegam a esse estado insatisfatório de saúde física e mental? Talvez possa imaginar, Presidente, mas não saberá o que quer dizer trabalhar, na atualidade, em condições precárias, com salários defasados, tendo que sustentar filhos e, por vezes, os pais idosos, sem poder garantir boa alimentação, habitação, vestuário adequado, condições de saúde e sobrevivência dignas. E sabe por que, Presidente Lula? Porque ao contrário do Legislativo, que legisla em favor dos seus próprios interesses, em grande medida, contrários aos interesses do País; do Judiciário que julga, predominantemente, em favor dos interesses dos poderosos donos do Capital, deixando em segundo plano os trabalhadores; nós, servidores públicos federais, sem reconhecimento explícito do Executivo, precisamos realizar greves para dizer que existimos e que somos os profissionais responsáveis pela formação de todos os demais profissionais da sociedade. No entanto, apesar de nossa importância estar comprovada na história do país, também estão registrados na história do Brasil o descaso e a indiferença em relação às nossas necessidades, por parte dos governantes nas instâncias federal, estadual e municipal.

Talvez nem se lembre, Presidente Lula, de que os aposentados, as aposentadas do serviço público federal nem têm direito a um auxílio-alimentação, nem têm direito à redução do imposto de renda, e ainda são obrigados a contribuir com a Previdência, após ter pago por mais de 30 anos a contribuição previdenciária.

Talvez nem se tenha dado conta, Presidente, que sem os professores e técnicos dos Institutos e Universidades Federais não poderá realizar seu sonho de implantar mais 100 Institutos Federais de Educação, nem poderá realizar o sonho de alfabetização de todas as crianças e a escolarização de todos os jovens em idade adequada e o sonho de formação de todos os cientistas de que o país necessita para garantir a saúde pública de elevada qualidade para todas as pessoas que habitam o Brasil, desde os povos originários até os dirigentes do país, como o senhor, Presidente.

As reivindicações feitas pelos técnicos e docentes não são, nem de longe, um assalto ao Tesouro Nacional, considerando nas mãos de quem o Senhor o deixou estar, apesar de ter tido a oportunidade de fazer a mudança, que teria sido estratégica, para alavancar os investimentos em infraestrutura e políticas públicas, como a reforma agrária, inclusive. 

Não podemos mais admitir o desprezo e a falta de respeito, por parte dos representantes do governo em relação às nossas propostas como se fôssemos um segmento sem nenhuma importância para o País, sendo atropelados por interlocutores que não representam a maioria dos servidores públicos das Universidades e dos Institutos Federais. 

Talvez o Senhor, Presidente Lula, saiba que os servidores públicos federais, em todas as áreas de atuação, garantem a execução das políticas públicas, sem as quais o governo e o país não podem avançar na realização dos grandes objetivos de desenvolvimento nacional. Certamente o Senhor também sabe que sem o nosso trabalho, que nenhuma corporação privada pode substituir, jamais poderemos avançar e materializar o sonho de um Brasil justo, democrático e igualitário. 

Por essa razão, sabendo e reconhecendo a sua competência, responsabilidade e senso de justiça, solicitamos, mais uma vez, que venha ao nosso encontro para um diálogo necessário e urgente. Acreditamos que a sua sensibilidade e o seu senso de justiça são indispensáveis neste momento delicado da atual conjuntura do país. Nós, servidores públicos da educação federal, ainda acreditamos que o Brasil merece ser governado pelo senhor, à luz de outros princípios e outras práticas diferentes daquelas impostas pelo Capital, uma vez que a este tem sido atribuída mais importância do que aos seres humanos que habitam o território nacional.

 São Luís (MA), 2 de junho de 2024

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