E se o desmonte de Bolsonaro servir à direita?

Capital político do ex-presidente desmorona. Poder econômico quer acelerar o processo, para projetar um candidato antiLula mais competitivo sem perder o voto bolsonarista. Vazamento dos diálogos entre pai e filho pode estar relacionado a esta transição

Foto: Ton Molina/STF
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O ex-presidente Jair Bolsonaro entrou no inferno astral que antecede à sua iminente condenação pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ninguém duvida de que ele será condenado. Também não resta dúvida de que as penas lhe serão pesadas. As provas de seus crimes são fartas, os detalhes de suas ações criminosas são conhecidos e há um prestimoso delator. O processo legal segue rumo à sanção inevitável.

A atenção de todos está voltada para o destino da direita brasileira e seus efeitos sobre as eleições de 2026, após o aprisionamento do ex-presidente. Os governadores que almejam tomar o lugar de Bolsonaro na liderança do inflamado direitismo do país têm sido contidos pelas dúvidas dos presidentes de seus partidos ou pelo medo de se lançarem em um combate com as suas tropas em desalinho, como é o caso do governador de São Paulo.  

O vazamento dos diálogos do ex-presidente com seu autoexilado e desastrado filho, Eduardo Bolsonaro, e com o principal líder extremista religioso, Silas Malafaia, tem rendido inúmeros memes e já garantiu um permanente lugar no anedotário político nacional. No entanto, trata-se de uma ação impertinente para o processo legal em curso.

O vazamento se assemelha às ações lavajatistas por ser fruto da articulação sorrateira de agentes públicos com a grande imprensa. É ainda semelhante o esforço de diluir, no ácido das conversas vazadas, a combalida reputação dos envolvidos junto aos seus apoiadores. Contudo, há uma diferença fundamental em relação ao lavajatismo: nem a Corte Suprema nem o Ministério Público têm interesse nessa operação. Afinal, a antecipação dessas provas às vésperas do veredito atrapalha o processo legal e dá argumento aos que estão sendo investigados ou julgados para se apresentarem como vítimas de lawfare, sendo provável que clamem ainda mais pela retaliação norte-americana contra o Brasil.

Na fábrica de vaidades de Brasília – como em qualquer capital dos países ocidentais – ninguém se surpreende com a solicitude de alguns agentes públicos em produzir furos na imprensa por meio de vazamentos de ações que estão sob sigilo, apesar dessas práticas serem objeto de pesadas sanções administrativas quando descobertas. Contudo, há um certo espanto sobre a serventia de um vazamento às vésperas de um desfecho jurídico que, certamente, seria seguido de remoção do sigilo.

Os adversários históricos de Bolsonaro nada tinham a ganhar com o vazamento da semana. A suspensão do sigilo, que ocorrerá em breve, asseguraria que, nem os memes, nem os abadás do carnaval do ano que vem perdessem a sua inspiração nos afetos violentos que permeiam as relações Bolsonaro pai – Malafaia – Bolsonaro 03.

Aqueles que anseiam por um candidato competitivo antiLula para o ano que vem são os mais interessados no vazamento. Querem erodir o que resta do capital político de Bolsonaro e suprimir o seu ímpeto de lançar um familiar na chapa com Tarcísio de Freitas ou Ratinho Jr. Querem evitar que Lula continue se exercitando em um ringue, onde ninguém de peso aparece para desafiá-lo.

A pesquisa da Genial/Quest, divulgada em 21 de agosto de 2025, ajuda a entender essa ansiedade. Nela, foi observada a consolidação dos polos com baixa variabilidade na intenção de voto: o presidente Lula variou de 43% a 48% de intenções de voto em um eventual segundo turno, enquanto as opções à direita vão de 30 a 35%. Os resultados sugerem que, neste momento, Lula parece enfrentar a si mesmo: Lula x antiLula. Até mesmo o desconhecido governador de Minas Gerais, Romeu Zema, quando apresentado como alternativa contra o presidente Lula, obtém a formidável marca de 30%. Esse é o piso histórico de votos da direita brasileira que os alinhados do mercado querem fazer subir rapidamente. Para tanto, precisam se livrar da influência de Bolsonaro, sem tê-lo como concorrente.

É pouco provável que o vazamento faça mais estrago do que as estripulias de lesa-pátria que Eduardo Bolsonaro anda fazendo nos EUA.

O capital político do ex-presidente Bolsonaro e de seus filhos tem demonstrado considerável resiliência. Resistiu ao flagrante da venda de joias do patrimônio público, a descoberta das rachadinhas do filho 01 e da espetacular evolução patrimonial da família, à gestão criminosa da pandemia de covid-19, ao abuso de poder durante as eleições de 2022, e à frustrada tentativa de golpe de 2023. São tantas as mazelas que ele sequer virá a ser processado e julgado por todas elas. Logo, o vazamento, a esta altura do campeonato, não ajudará nem os direitistas ansiosos com as eleições de 2026.

O vazamento reforça a impressão de preservação de o partidarismo em algumas instituições da República. O melhor que pode acontecer à democracia brasileira é a efetivação de uma merecida condenação no estrito rito do processo legal.

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