Brasil e EUA: da parceria à sabotagem

Por décadas, Washington viu Brasília como aliada contra Moscou. Tendência virou quando avanço brasileiro ameaçou hegemonia geopolítica de Tio Sam na América Latina. Nos 2000, quando começávamos a deslanchar, veio o grande golpe

.

O movimento de agigantamento do Brasil no início do século XXI se tornou incompatível com a simultânea trajetória inversa dos Estados Unidos no cenário mundial. Enquanto a economia brasileira saltou da 12a posição, em 2002, para o posto da 6a mais importante do mundo, em 2011, os EUA diminuíram em 37% a sua participação relativa na manufatura global, sendo substituídos pela ascensão chinesa.

Além disso, o Brasil começava a se reposicionar no interior das cadeias globais de valor com a constituição de grandes corporações empresariais de porte transnacional de capital estatal e privado nacional. O incômodo com o sucesso do protagonismo nacional, inclusive com o apoio ao deslocamento do foco político e econômico para o âmbito das relações Sul-Sul, despertou entendimentos e ações contrárias por parte da potência hegemônica decadente.

Não fosse isso, a economia brasileira poderia estar atualmente entre as quatro mais importantes do planeta, participando efetivamente do Conselho de Segurança das Nações Unidas e liderando a campanha cooperativa contra a fome e a pandemia viral que drasticamente afeta o mundo. Bem diferente, certamente, do curso da decadência política e econômica que já a rebaixou a posição do país para a 12a colocação no ranking das principais economias do planeta em 2020.

Para tanto, o golpe institucional de 2016 que retirou o PT do governo federal se mostrou fundamental. Assim, a exitosa operação do deslocamento externo brasileiro exercido participativamente na reconfiguração de outra nova centralidade econômica entre os países do hemisfério Sul-Sul, especialmente em sintonia com a reemergência da Eurásia, foi drasticamente interrompida.

A partir de então, a sujeição dos governos Temer e Bolsonaro aos antigos interesses externos foi rapidamente restabelecida, comprometendo a soberania e retirando o país da rota da ciência e tecnologia, dos investimentos produtivos e do crescimento econômico. Em 2020, os efeitos assumidos pela condição de pária internacional podiam ser comprovados internamente pelo fato da economia brasileira ainda se encontrar 7% abaixo do que havia sido em 2014, acrescido da fuga do capital externo, fechamento das empresas estrangeiras e abandono de grandes corporações transnacionais que ainda se mantinham instaladas no país.

A intransigência do Deep State estadunidense em relação ao protagonismo brasileiro não é recente, mas se agravou desde os anos de 1970, com o fim do arranjo econômico-político-militar do segundo após guerra mundial que passou a constranger a sua posição hegemônica mundial. Tanto assim que o Brasil, para assumir a condição de sexta maior indústria do bloco capitalista, precisou, durante a ditadura civil-militar, assumir posições de certo autonomismo externo em parceria com Alemanha e Japão, especialmente na execução do IIo Plano Nacional de Desenvolvimento do governo Geisel (1974-1979).

Apesar do golpe de 1964, em pleno acirramento da Guerra Fria (1947-1991), ter sido forte e intensamente apoiado pelos EUA, a marcha da grandiosidade econômica nacional seguia incomodando o governo do Tio Sam. Tanto assim, que o Brasil, outrora visto como chave do futuro, conforme confidenciado pelo presidente Richard Nixon (1969-1974) no decurso da hegemonia estadunidense praticamente inquestionável, mudou, radicalmente de posição, quando se sentiu ameaçado .

O exemplo disso pode ser encontrado na tortuosa da política externa – reconhecida por “pau de dois bicos” – quando conduzida pelo secretário de Estado Henry Kissinger (1973-1977), um dos principais estrategistas estadunidenses. Consta que diante do expansionismo brasileiro na época, teria se manifestado contrariamente ao possível surgimento de um novo Japão na região Sul do Equador.

Após a frutífera aliança entre os presidentes do Brasil, Getúlio Vargas (1930-1945), e dos EUA, Franklin Roosevelt (1933-1945), que viabilizou o ineditismo do new deal em cada uma das duas nações, conforme registrado no encontro dos dois governantes em 1936 no Rio de Janeiro, a autonomia na convergência dos dois países jamais foi a mesma. O Brasil foi excluído do Plano Marshall comandado pelos EUA (1948-1951), bem como não mais contou com acordos externos de transferência tecnológica para o fortalecimento do seu parque produtivo.

Diante disso, a possibilidade que teve para completar o ciclo da industrialização nacional ocorreu nos governos JK (1956-61) e Geisel com acordos externos para a internalização do progresso técnico associado à segunda Revolução Industrial e Tecnológica. Somente através de parcerias empresariais com a Europa e Japão, o Brasil alcançou a década de 1970, junto com a Coreia do Sul, ambos de passado colonial, como os únicos países de industrialização estabelecida no capitalismo monopolista.

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