Um Manifesto das Periferias pela Justiça Climática

Depois de levarem debate climático às franjas da cidade, movimentos, ativistas e trabalhadores de São Paulo lançam documento com vistas à COP 30. Eis a proposta de quem sofre os impactos do racismo ambiental e do desplanejamento urbano

Contexto socioambiental das periferias – O clima tá tenso

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A Frente Periférica por Direitos reúne militantes, ativistas, trabalhadores por conta que empreendem nas quebradas, além de coletivos e movimentos engajados nas lutas sociais dos mais variados segmentos, dos territórios periféricos. Em setembro de 2024, lançamos nosso “Manifesto das periferias”, que inaugurou nosso movimento e apresentou 98 propostas de políticas públicas voltadas a esses territórios, assinado por candidatos a prefeito e vereador compromissados com sua implementação.

Ao longo de 2025, promovemos rodas de conversa e seminários em todas as regiões da cidade de São Paulo, em um processo de diálogo e de construção coletiva da Carta Compromisso: Periferias pelo Clima – O clima tá tenso! Esse processo envolveu, aproximadamente, 1.050 lideranças comunitárias, pesquisadores, ambientalistas, trabalhadores por conta, cooperativas, mídias comunitárias, organizações da sociedade civil, sindicatos, grupos pastorais, parlamentares e suas assessorias. De maneira dinâmica e participativa, essa consulta popular teve como objetivo sistematizar o contexto socioambiental das periferias, suas precariedades, mas, sobretudo, suas potências e soluções.

As periferias de São Paulo, historicamente, sofreram os impactos ambientais decorrentes da falta de planejamento urbano. A expansão acelerada da cidade não foi neutra: priorizou grandes interesses econômicos, como os do mercado imobiliário, cuja sua lógica da exclusão relegou a população periférica a áreas degradadas e de risco. Em vez de pensar uma cidade resiliente diante dos eventos climáticos extremos que já se anunciavam, o poder público reproduziu um modelo excludente de urbanização, naturalizando a desigualdade socioespacial.

Ao longo dos anos, essas comunidades vivenciaram tragédias causadas por chuvas intensas, enchentes e deslizamentos de encostas. Se antes esses desastres já comprometiam as condições de vida das pessoas, por fazê-las perder seus pertences e até suas moradias, atualmente impactam também a saúde física e mental das pessoas, seja pelo alastramento de doenças contagiosas, seja por traumas emocionais das perdas, chegando até mesmo a provocar mortes.

Este “desplanejamento”, ou planejamento urbano caótico promovido pelo poder público durante décadas, não apenas não resolveu os problemas estruturais das periferias como agravou as vulnerabilidades socioambientais. A exclusão social tem em sua raiz marcadores de raça, classe, gênero e território. A política da morte ou necropolítica¹ são elementos centrais deste “falso planejamento urbano”.

Segundo dados do Mapa das Desigualdades de 2022, a população periférica é constituída majoritariamente por pessoas negras (pretas ou pardas), o que evidencia um quadro estrutural de racismo ambiental. As mães solos, pessoas trans, com deficiência, pessoas em situação de calçada (PopRua) são evidentemente muito mais expostas a condições muito mais degradantes geradas pela injustiça climática. Além disso, preconceitos contra as identidades culturais, linguísticas e territoriais reforçam barreiras simbólicas que invisibilizam as dores dos sujeitos periféricos.

Esse quadro de marginalização social acentua a vulnerabilidade diante de enchentes, deslizamentos, ilhas de calor e outras expressões da crise climática urbana, configurando um ciclo de exclusão em que ser negro, migrante – em especial nordestino –, imigrante, refugiado nas periferias, significa carregar múltiplos estigmas que intensificam a injustiça climática e socioambiental.

As decisões políticas que vêm favorecendo os processos de gentrificação² evidenciam que a especulação imobiliária e os detentores do poder atuam para aprofundar a exclusão da população empobrecida. Deixar as comunidades periféricas nestas condições não é obra do acaso.

A lógica de transformar o modo de viver em mercadoria, em que o direito à moradia, ao lazer, ao esporte, à saúde, à educação e o acesso à natureza é mercantilizado, impõe a exclusão dos sujeitos periféricos. O capitalismo, em sua essência, convive com as desigualdades, com a miséria extrema e a exclusão social. Num contexto de emergência climática, a exploração predatória de bens naturais e a concentração de riquezas se acentuam, enquanto o negacionismo climático impulsiona a lógica de exclusão social gerada pelo capitalismo, revelando que excluir os sujeitos periféricos é uma decisão política.

Realizamos, no dia 26 de outubro de 2025, o lançamento oficial da carta compromisso – Periferias Pelo Clima, a qual esperamos que apoie a formulação de políticas públicas e projetos socioambientais que intervenham nos impactos da emergência climática. Se a exclusão dos sujeitos periféricos é uma decisão política, este instrumento surge como inspiração e também cobrança por medidas mais efetivas no combate às desigualdades socioambientais e na contenção dos danos causados pela emergência climática, especialmente nos territórios periféricos, que são os que mais sofrem.


Um papo reto – o clima tá tenso

O silêncio muitas vezes domina o nosso cotidiano. Muitas vezes, de cabeça baixa, percorremos o trajeto de ida e vinda do trabalho. Enchente após enchente, engolimos seco a dor de perder tudo. Mandam o lixo da cidade pra cá, nos tratam como lixo. Trazem indústrias poluentes pra cá, desrespeitando nossa saúde. Precarizam nosso transporte, transformando o direito de ir e vir numa guerra diária. O clima tá tenso e é hora do papo reto!

Mortes nas quebradas por questões ambientais já acontecem. Leptospirose, desinteria, pneumonia se tornaram frequentes, e a nossa saúde mental afunda. Não pode ser diferente pra quem convive com esgoto a céu aberto, poluição do ar e da água. Soma-se a isso o problema crônico da gestão de resíduos: incineradores que envenenam o ar com gases tóxicos, aterros que contaminam o solo e os lençóis freáticos, sem qualquer planejamento de compensação ambiental ou cuidado com as populações vizinhas. Essa política do descaso transforma nossos territórios em zonas de sacrifício, onde a vida da população vale menos do que o lucro das empresas e a omissão do poder público.

Este país também é nosso! É do povo negro, indígena e periférico e queremos ser ouvidos. Nossos ancestrais tinham outra relação com a natureza antes da escravidão que nos massacrou. Estamos nos reconectando com nossas raízes, daí a necessidade de regenerar nossa relação ancestral e nossa relação ecológica.

Os poderosos estarão na COP 30 decidindo o futuro da humanidade, enquanto nós, as vítimas e sobreviventes da emergência climática, ficaremos fora dos salões principais. Não há discussão política legítima sobre emergência climática que não envolva a nós, sujeitos periféricos. Enquanto as elites debatem a “crise climática” em salas refrigeradas, nossas quebradas estão soterradas, no calor extremo ou debaixo d’água.

Quem perde tudo nas enchentes? Quem sofre com esgoto a céu aberto, com calor insuportável e transporte precário?

Somos nós, que respiramos o ar pobre dos lixões. Nós, que somos expostos aos gases tóxicos das indústrias, dos incineradores e fábricas poluidoras. Somos nós que convivemos com ratos, a podridão do esgoto e suas doenças. Somos nós que enfrentamos filas e descaso nos serviços de saúde pública. Somos nós que recebemos toneladas e toneladas do lixo das áreas nobres da cidade e dos grandes geradores.

Na COP 30, precisamos afirmar que as quebradas não são apenas territórios de dor, mas de potência cultural, de trabalho coletivo e de sabedoria popular. Aqui se cria, se recicla, se planta, se canta e se luta. Aqui nasce o futuro que não aceita injustiça. As vozes aqui representadas são as vozes das batalhas de rima, dos slans, do Hip Hop e dos saraus. São as vozes dos catadores, das senhoras da reciclagem e das crianças que cuidam das hortas. São as vozes dos podcasts periféricos, das rádios e TVs comunitárias. São as vozes das mulheres, jovens, negros, negras e do povo LGBTQIAPN+. São também as vozes das espiritualidades que celebram a cultura de paz, não a “paz branca” que imobiliza e manda nos calar, mas uma paz insurgente, feita de luta, dignidade e resistência e que não se calam diante das injustiças.

O mundo precisa conhecer a cara da quebrada: do pastor de igreja ao MC de batalha, do padre das pastorais aos botecos de vila, as nossas belezas culturais. Quantos nas quebradas não se envolvem nas cooperativas de reciclagem? Quantos não se encantam com a compostagem doméstica? Quantos encontram, num simples passeio no parque, um acesso gratuito ao contato com a natureza e os animais? Quantos não cuidam uns dos outros nos desastres ambientais? Quantos acolhem aqueles que perdem tudo, aqueles que estão doentes e debilitados? Quantos já não foram num plantio popular? Quantos não estudaram os princípios da Ecologia Integral e se engajam nos trabalhos pastorais? Nossas professoras, mesmo precarizadas, ensinam sobre os ODS. Nossas crianças crescem com uma mentalidade ambientalmente mais avançada. Nossas quebradas são potência, mas também são resistência!

Vamos ocupar a COP, porque os poderosos têm que nos ouvir. Nem que tenhamos que gritar. O clima tá tenso, somos vítimas de catástrofes socioambientais e precisamos agir contra isso. Chegou a hora do papo reto!

De quebrada pra quebrada o papo é reto!


A realidade das quebradas, denúncias, suas potenciais e propostas de solução

As lutas sociais da Frente Periférica por Direitos não estão dissociadas das lutas históricas pela transformação social. É neste sentido que reafirmamos nossas bandeiras de luta: moradia, saneamento, saúde, educação, transporte, cultura, segurança alimentar, combate à opressão são lutas transversais que reconhecem a crise climática também como fruto das desigualdades estruturais que marcam a classe trabalhadora.

Nas quebradas, a realidade fala mais alto do que qualquer diagnóstico técnico. São territórios onde o barulho das enchentes se mistura ao das sirenes, onde o calor extremo e o esgoto a céu aberto fazem parte do cotidiano. Mas também são espaços de potência, onde a juventude cria, denuncia e propõe soluções. As quebradas não esperam o poder público agir: constroem hortas comunitárias em terrenos abandonados, formam coletivos de mulheres para o cuidado ambiental, organizam campanhas de limpeza, plantio e reaproveitamento de resíduos, e fazem da arte uma ferramenta política de denúncia e mobilização.

A denúncia que vem das periferias é contundente: a crise climática tem cor, gênero e território. As políticas ambientais que ignoram essa realidade reproduzem o racismo ambiental e aprofundam as desigualdades. É necessário ouvir os coletivos de base, os movimentos de moradia, as juventudes periféricas e os povos tradicionais urbanos, que já elaboram suas próprias agendas climáticas a partir das vivências cotidianas.

As propostas de solução nascem das bordas: programas de reflorestamento comunitário, fortalecimento das cooperativas de reciclagem, ampliação das redes de captação de água de chuva, incentivos à agroecologia urbana, criação de zonas de respiro ambiental nas áreas densamente ocupadas e planos de adaptação local liderados pela própria comunidade. O poder público deve reconhecer e financiar essas iniciativas, garantindo suporte técnico, infraestrutura e formação cidadã.

Reconhecer a realidade das quebradas é reconhecer que nelas pulsa a vanguarda da luta por justiça ambiental e social. É ali que se tece, com solidariedade e consciência, o projeto de um outro futuro possível — um futuro em que o direito à cidade, ao ar puro e à dignidade seja universal, e onde a periferia deixe de ser vista como problema para ser reconhecida como solução.


Reconhecimento do racismo ambiental

Nas periferias, a cor e o CEP seguem ditando quem mais sofre com enchentes, deslizamentos, ilhas de calor, ar contaminado e falta d’água. Loteamentos sem infraestrutura, moradias em áreas de risco, córregos canalizados e assoreados, ausência de áreas verdes e a proximidade de aterros, indústrias poluentes e vias de tráfego pesado formam um mapa do sofrimento que coincide com o mapa da população negra e pobre. Essa desigualdade não é “acidente urbano”: é fruto histórico de políticas de urbanização excludentes, remoções forçadas e investimentos que privilegiam o centro e sacrificam as bordas.

O conceito de racismo ambiental revela que os impactos da degradação ambiental e da crise climática não são distribuídos de forma igualitária: recaem, sobretudo, sobre populações negras, indígenas e periféricas. Essa realidade se expressa no abandono das políticas públicas, na ausência de saneamento básico, na precariedade da coleta de lixo e na exposição cotidiana a riscos ambientais que colocam vidas em permanente vulnerabilidade. Reconhecer o racismo ambiental é compreender que as injustiças ambientais são também injustiças raciais e territoriais.

Apesar disso, as periferias constroem saídas: mutirões de limpeza de córregos, hortas e viveiros comunitários, brigadas solidárias em temporais, redes de vizinhança e comunicação popular. As cooperativas de reciclagem e os catadores de lixo fazem a diferença na gestão de resíduos. No campo da educação, os educadores sociais, coletivos de cultura e professores atuam incansavelmente na divulgação das ODS, sempre alertando sobre as condições de racismo ambiental vivida nas periferias.

Essas ações comunitárias revelam uma pedagogia da resistência ambiental, em que o saber popular se torna instrumento de transformação. A luta pelo direito ao território, à moradia digna e ao saneamento básico se entrelaça à luta antirracista e feminista, pois são as mulheres negras, em especial, que assumem a linha de frente na defesa da vida e do meio ambiente nas comunidades. É a partir dessas práticas locais que surgem soluções sustentáveis e inovadoras, capazes de inspirar políticas públicas inclusivas e participativas.

É necessário reconhecer oficialmente o racismo ambiental na elaboração das políticas públicas e no arcabouço legal em todos os âmbitos. É necessário que a prefeitura implemente planos de bairro capazes de incidir em metas vinculantes de redução de risco por local, tratando em caráter de urgência bairros com incidência de áreas de alto risco ambiental. Além disso, mensurar detalhadamente o investimento prioritário em drenagem das águas pluviais e infraestrutura verde-azul. A infraestrutura urbana deve adotar práticas avançadas de cidades-esponja3, equilibrando áreas verdes, água e habitação; reconhecer o racismo ambiental é também fortalecer nossa cultura ancestral de respeito à natureza do povo negro e indígena. A tecnologia de compostagem orgânica sempre esteve presente na cultura indígena, bem como propagado nas religiões de matriz afro. Este caráter simbólico fortalece as identidades das populações periféricas e suas práticas ancestrais de respeito à natureza.

Assim, o reconhecimento do racismo ambiental não deve se limitar ao discurso, mas se traduzir em políticas concretas, com orçamento participativo, reparação histórica e protagonismo das comunidades afetadas. Somente com justiça ambiental e racial será possível construir cidades mais humanas, resilientes e solidárias, onde o direito à vida e à natureza seja garantido a todas e todos.


Justiça climática e social

Quem menos emite é quem mais paga a conta. Nas quebradas, as concessionárias de água e energia elétrica praticam preços abusivos, aproveitando situações de falta de instrução. A conta de luz é mais cara proporcionalmente, o transporte é mais demorado e poluente, nos locais mais altos a vazão da água é reduzida, em locais afastados falta energia. Crises respiratórias, propagação de dengue e estresse térmico4 são comuns nos territórios periféricos. A cada chuva forte, famílias perdem móveis, documentos e anos de vida. Sem renda estável e com serviços públicos intermitentes, o risco climático vira risco social permanente.

Falta rede de esgoto nos territórios mais vulneráveis, enchentes são frequentes e nos fazem conviver diariamente com tragédias amplamente anunciadas. Não existe sistema de alerta de catástrofes climáticas, o desassoreamento e a despoluição de rios e córregos são meramente simbólicos, e a infraestrutura de drenagem simplesmente não chega até nós: bueiros entupidos, ausência de jardins de chuva, hortas comunitárias esquecidas, corredores ecológicos e parques urbanos que nunca saem do papel. E onde estão as políticas de educação ambiental que deveriam conscientizar sobre o lixo jogado nos córregos? Elas não existem, porque o poder público virou as costas para o nosso povo.

Esse abandono tem consequências diretas: nossas enchentes não são obra da natureza, são resultado da omissão política! Famílias inteiras perdem tudo, ano após ano. Móveis, eletrodomésticos, roupas, tudo levado pela água suja e contaminada. Não é apenas a perda material — é o adoecimento coletivo: leptospirose, desinteria e doenças graves proliferam com a poluição dos rios. Além do corpo, a mente também adoece. O sofrimento psicológico de ver sua vida sendo destruída repetidamente, enquanto governos cruzam os braços, é violência de Estado contra o povo periférico.

Na esfera ambiental, os ataques são ainda mais cruéis. Situações como a da Petroquímica de Santo André e outras zonas industriais despejam gases tóxicos que envenenam o ar e a saúde da população, em especial, nos territórios periféricos. Projetos absurdos como ampliação de aterros e incineradores têm sido comuns atualmente. Os dutos da Petrobrás carregam volumes absurdos de combustível. Com compensações ambientais insuficientes às comunidades impactadas. Essa lógica de exploração desenfreada, típica do neoextrativismo, transforma nossos territórios em áreas de sacrifício: concentra os lucros nas mãos da indústria e do Capital, enquanto distribui a contaminação, a precariedade e a doença para o povo. Quem lucra é a indústria, quem adoece é a comunidade.

Mas a resposta já pulsa nos territórios: cozinhas solidárias, cooperativas de reciclagem, bancos de alimentos, redes de acolhimento em enchentes, aplicativos de celular, empreendimentos solidários, coletivos de educomunicação e rádios comunitárias que alertam sobre riscos, coletivos de jovens que mapeiam árvores e pontos de calor, escolas que se transformam em centros de abrigo. Essas práticas salvam vidas, reduzem perdas e mostram que justiça climática começa pela organização popular.

Entre as propostas estão: Instituir Orçamento Climático Periférico com metas por bairro; Ampliar a tarifa social ampliada de energia e água com bônus por eficiência; corredores de ônibus elétricos nas rotas mais longas; criação de protocolos de saúde para CAPS e UBSs para situações de onda de calor, de enchente e doenças consequentes de situações climáticas extremas; seguro paramétrico comunitário para eventos extremos; Alocação do programa POT, e outras frentes de trabalho, que oficializem os “empregos verdes” (poda urbana, reflorestamento, educação ambiental, manejo de drenagem, telhados frios); metas de redução de mortalidade causadas por doenças direta ou indiretamente ligadas a questão climática.

Fomentar iniciativas de Economia Solidária, em especial empreendimentos que trabalham com reaproveitamento de resíduos — como práticas de upcycling ou aproveitamento integral de alimentos — é uma estratégia que alia geração de trabalho e renda com sustentabilidade ambiental. Essas iniciativas fortalecem a organização coletiva, estimulam a criatividade produtiva e contribuem para a redução de impactos ambientais, ao transformar materiais e recursos que seriam descartados em novos produtos e oportunidades econômicas. Além disso, reforçam uma lógica de produção baseada na cooperação e na valorização dos saberes populares, rompendo com modelos de consumo e descarte típicos da economia capitalista tradicional.


Participação social nas decisões

Planos sobre clima e cidade costumam nascer longe de quem vive os problemas. Audiências públicas no centro, linguagem técnica inacessível, consultas sem retorno e conselhos capturados afastam a população e transformam participação em ritual vazio. O resultado são obras que não dialogam com a realidade e reforçam desigualdades.

Os espaços de participação social, como conselhos gestores, foram sequestrados por assessorias parlamentares e gabinetes, reduzindo a democracia participativa a um jogo de cartas marcadas. A ausência de participação popular nas decisões sobre o clima é uma das principais causas da ineficácia das políticas públicas.

A solução passa por:

  • Descentralização e Acessibilidade: Realizar audiências públicas e consultas em locais acessíveis nas periferias, em horários compatíveis com a jornada de trabalho da população.
  • Linguagem Simples e Tradução: Garantir que a linguagem técnica seja traduzida para o português simples e que haja materiais de apoio visual e didático.
  • Fortalecimento dos Conselhos: Devolver a autonomia aos conselhos gestores, garantindo a representatividade de movimentos sociais e coletivos periféricos.
  • Orçamento Participativo Climático: Criar mecanismos de orçamento participativo específicos para projetos de adaptação e mitigação climática nas periferias.
  • Educação para a Participação: Promover a formação de lideranças comunitárias e ativistas para que possam incidir de forma qualificada nos espaços de decisão.

A participação social não é um favor, mas um direito e uma necessidade para a construção de políticas climáticas justas e eficazes.


Transição ecológica justa e igualitária

A transição ecológica não pode ser mais um processo que aprofunda as desigualdades. A substituição de combustíveis fósseis por energias renováveis, a eletrificação da frota de veículos e a adoção de tecnologias verdes devem ser acompanhadas de políticas de inclusão social e econômica.

A transição justa deve garantir:

  • Empregos Verdes e Qualificação: Investimento em programas de qualificação profissional para a população periférica, com foco em energias renováveis, construção sustentável, agroecologia e gestão de resíduos.
  • Acesso à Energia Limpa: Incentivo à instalação de painéis solares em moradias populares e equipamentos públicos, com tarifa social e modelos de cooperativas de energia.
  • Mobilidade Sustentável: Expansão de corredores de ônibus elétricos, ciclovias e calçadas acessíveis nas periferias, reduzindo a dependência do transporte individual poluente.
  • Economia Circular e Solidária: Fortalecimento das cooperativas de reciclagem e dos empreendimentos de economia solidária, reconhecendo o papel dos catadores como agentes ambientais.

A transição ecológica só será justa se for construída com e para as periferias, garantindo que os benefícios ambientais e econômicos sejam distribuídos de forma igualitária.


Luta pela vida, pela terra e pela paz

A luta pela vida nas periferias é indissociável da luta pela terra e pela paz. A violência urbana, a especulação imobiliária e a degradação ambiental são faces da mesma moeda.

  • Regularização Fundiária e Moradia Digna: A regularização fundiária é uma medida de justiça social e ambiental, pois garante a segurança da posse e permite o investimento em infraestrutura.
  • Segurança Alimentar e Agroecologia: Apoio à produção de alimentos orgânicos e agroecológicos em hortas comunitárias e urbanas, garantindo o acesso a alimentos saudáveis e a soberania alimentar.
  • Cultura de Paz e Direitos Humanos: Investimento em programas de cultura, esporte e lazer nas periferias, como ferramentas de prevenção à violência e promoção dos direitos humanos.

A paz nas periferias passa pela garantia dos direitos básicos e pela construção de um ambiente saudável e seguro para todos.


Por um novo modelo econômico, mais democrático, sustentável, justo e inclusivo

O modelo econômico atual, baseado na exploração predatória e na concentração de riqueza, é a raiz da crise climática e das desigualdades. É urgente construir um novo modelo que coloque a vida no centro.

  • Economia Solidária e Circular: Incentivo a modelos de produção e consumo baseados na cooperação, na reciclagem e no reaproveitamento de resíduos.
  • Tributação Progressiva: Adoção de impostos sobre grandes fortunas e emissões de carbono, para financiar a transição ecológica e as políticas sociais.
  • Bancos Comunitários e Moedas Sociais: Fortalecimento de iniciativas de finanças solidárias, que promovem a circulação de riqueza nas comunidades.

O futuro que queremos é aquele em que a economia serve à vida, e não o contrário.


Propostas gerais

As propostas da Frente Periférica por Direitos se organizam em eixos temáticos, visando a transformação estrutural das periferias:

Eixo TemáticoPropostas Chave
Infraestrutura e SaneamentoInvestimento maciço em drenagem, infraestrutura verde-azul (cidades-esponja), saneamento básico universal e regularização fundiária.
Energia e MobilidadeTarifa social ampliada, incentivo a energias renováveis (solar), corredores de ônibus elétricos e ciclovias.
Saúde e Bem-EstarProtocolos de saúde para eventos climáticos extremos, combate a doenças vetoriais (dengue), criação de áreas de respiro ambiental.
Economia e TrabalhoFortalecimento da economia solidária, empregos verdes (POT), qualificação profissional para a transição ecológica.
Participação e EducaçãoDescentralização das decisões, orçamento participativo climático, reconhecimento do racismo ambiental e educação ambiental popular.

A luta continua

A Carta Compromisso é um ponto de partida, não de chegada. A luta por justiça climática e social nas periferias é um processo contínuo, que exige mobilização, organização e pressão popular.

Frente Periférica por Direitos São Paulo, outubro de 2025


¹ Necropolítica é um conceito filosófico que faz referência ao uso do poder social e político para decretar como algumas pessoas podem viver e como outras devem morrer; ou seja, na distribuição desigual da oportunidade de viver e morrer no sistema capitalista atual.

² Gentrificação é um processo de transformação urbana que altera o caráter de um bairro, substituindo a população de baixa renda por outra de maior poder aquisitivo. Isso acontece quando uma área antes desvalorizada é valorizada por meio de investimentos em infraestrutura, reformas e revitalização, atraindo novos moradores com maior capital. Consequentemente, o custo de vida, como aluguéis, sobe, forçando a saída dos moradores originais.

3 Uma cidade-esponja é uma cidade projetada para absorver, reter e usar a água da chuva, em vez de simplesmente permitir o escoamento rápido que causa enchentes. Para isso, utiliza “soluções baseadas na natureza” como pavimentos permeáveis, telhados verdes e parques, combinados com infraestrutura de engenharia para armazenar e reutilizar a água coletada, tornando o ambiente urbano mais resiliente às mudanças climáticas. 4

4 Estresse térmico é a condição do corpo quando a temperatura interna aumenta por absorver mais calor do que consegue dissipar, o que pode ser causado por calor extremo, umidade, atividade física e desidratação. Seus sintomas incluem sede, tontura, náuseas e frequência cardíaca elevada, e em casos graves, pode evoluir para exaustão pelo calor, insolação e até problemas cardiovasculares fatais.

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