Por que apostar na Ciência Engajada?

Publicação da Scientiæ Studia discute como tornar a investigação científica socialmente mais responsável. O filósofo Kevin C. Elliot apresenta estratégias para aumentar a relevância social da pesquisa. Confira entrevista com tradutor da obra. Sorteamos um exemplar

Estudantes e professores de universidades e institutos federais fazem protesto contra corte de verba na educação na Av. Paulista. Foto: Cecília Bastos/USP Imagem | Fonte: USP Imagens
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Como a ciência se relaciona com seu contexto social? Como formuladores de políticas públicas e cientistas podem dialogar para atuar de maneira mais efetiva na sociedade? As corporações podem levar adiante pesquisas que não sejam danosas ou enganadoras? Como cientistas podem ajudar nessa questão? Além disso, como cientistas podem enfrentar o sexismo, o racismo e o colonialismo na ciência?

Que práticas acadêmicas precisam ser tomadas para solucionar as perguntas acima e, dessa forma, tornar a ciência socialmente mais responsável? Nos últimos anos, filósofos da ciência têm se preocupado cada vez mais com tais problemáticas. Há todo um campo de estudo chamado filosofia da ciência engajada que estuda cientificamente essas questões.

Em 2023, Kevin C. Elliot, professor na Michigan State University, veio ao Brasil para ministrar uma palestra no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. Na ocasião, Elliot apresentou o conceito e dois exemplos de seus próprios esforços para fazer um trabalho engajado.

Um dos exemplos foi um projeto de pesquisa colaborativo feito para ajudar na promoção da diversidade e inclusão na ciência. Outro exemplo abordou seus estudos sobre o movimento da ciência aberta e seus esforços para aumentar a relevância da ciência aberta para pessoas externas à comunidade científica.

Dessa palestra, originou-se a obra Filosofia da ciência engajada: diversidade, inclusão e ciência aberta. Lançada pela Associação Filosófica Scientiæ Studia, a edição desenvolve os temas proferidos na ocasião mais detalhadamente.

Outras Palavras e Associação Filosófica Scientiæ Studia  sortearão um exemplar de Filosofia da ciência engajada: diversidade, inclusão e ciência aberta, de Kevin C. Elliot, entre quem apoia nosso jornalismo de profundidade e de perspectiva pós-capitalista. O sorteio estará aberto para inscrições até a segunda-feira do dia 7/7, às 14h. Os membros da rede Outros Quinhentos receberão o formulário de participação via e-mail no boletim enviado para quem contribui. Cadastre-se em nosso Apoia.se para ter acesso!

O escrito propõe, portanto, “uma filosofia da ciência que não somente promova a diversidade e a inclusão, mas também amplie a relevância da ciência aberta”. 

Nesse sentido, tem como objetivo “estimular o engajamento dos pesquisadores com os múltiplos públicos e comunidades para tornar o processo científico mais socialmente responsável”.

Confira, logo abaixo, entrevista com o tradutor da edição brasileira, o doutor em filosofia Pedro Bravo. Boa leitura!



Apesar do nome um tanto “auto explicativo”, você pode desenvolver um pouco mais esse conceito de “filosofia da ciência engajada”? Essa área de estudo fica restrita à filosofia ou se espraia a outros campos?

Aqui o termo “engajada” qualifica a filosofia da ciência. Há várias iniciativas recentes, tanto no Brasil quanto internacionalmente, que tentam tornar essa área mais socialmente responsável e mais próxima de outros campos do conhecimento. Em um dos capítulos do livro, Kevin Elliott e Kathryn Plaisance agrupam essas iniciativas sob o rótulo de “filosofia da ciência engajada”, entendendo o engajamento como “conectar-se com alguém ou alguma coisa”. Nas palavras deles: “[…] a filosofia da ciência amplamente engajada envolve a formação de conexões com as pessoas, instituições ou ideias de fora da disciplina” (Elliott, 2024, p. 77). Para analisar essas propostas, eles sugerem um esquema com dois eixos: um horizontal, que mede o grau de interação social, e um vertical, que avalia o grau de integração epistêmica. Isso permite identificar, por exemplo, projetos individuais e interdisciplinares, colaborativos e transdisciplinares, e outras combinações. Com base em diversos exemplos contemporâneos, os autores mostram que todas essas formas podem ter valor, dependendo dos objetivos da pesquisa — e discutem também os riscos e como planejá-las de forma responsável. Embora esse referencial tenha sido pensado para a filosofia da ciência, ele também pode ser útil para analisar práticas científicas engajadas em geral. Curiosamente, alguns cientistas brasileiros que leram a tradução têm usado essa estrutura justamente para refletir sobre o engajamento de suas próprias pesquisas.

Há exemplos práticos dessa forma de fazer ciência? Pode citar alguns? Na obra, também aborda-se o conceito de ciência aberta, do que se trata?

Sim. No próprio livro, Kevin apresenta dois exemplos de suas pesquisas em filosofia da ciência engajada. O primeiro envolve alto grau de interação social e integração epistêmica, abordando questões de diversidade e inclusão na ciência. Ele trabalhou em colaboração com acadêmicos de diversas áreas (psicologia, ciência ambiental e sociologia etc.) para investigar a percepção de cientistas sobre práticas de autoria. Juntos, desenvolveram o conceito de “clima de autoria” para medir essa percepção, com foco em três dimensões: justiça procedural, colaboração e inclusão. Um dos resultados foi que pessoas com menos poder na hierarquia científica (e.g., estudantes de pós-graduação) tendem a perceber o clima de autoria de forma mais negativa do que aquelas em posições mais altas. Dado que a autoria tem impacto direto na progressão da carreira e que a diversidade é fundamental de diversas maneiras para a ciência, ele também discute formas de tornar o clima de autoria mais justo. O segundo exemplo se refere às reflexões filosóficas do Kevin sobre o movimento da ciência aberta. Nesse caso, o engajamento é mais indireto: há menos interação social direta com atores de fora da filosofia e menor integração epistêmica com outras disciplinas. Ainda assim, trata-se de um trabalho relevante para pensar como a ciência pode se tornar mais acessível e socialmente responsável. A ciência aberta, em seu sentido mais restrito, busca garantir o acesso livre a publicações acadêmicas, dados de pesquisa e metodologias, incluindo códigos e algoritmos utilizados nas análises. Mas há também concepções mais amplas, que incluem práticas como o pré-registro de estudos, a abertura do processo de revisão por pares, a participação do público em etapas da pesquisa e até a disponibilização de cadernos de laboratório como forma de compartilhamento de ideias. O Kevin analisa criticamente o conceito de “abertura”, mostrando que ele pode ser interpretado de várias formas. A partir disso, argumenta que o movimento da ciência aberta costuma dar prioridade a aspectos que interessam principalmente aos próprios cientistas — como a transparência de dados e métodos —, enquanto dá menos atenção a iniciativas que poderiam beneficiar públicos não especializados. Além disso, ele chama atenção para os potenciais efeitos negativos da ciência aberta, como a sobrecarga de trabalho ou a ampliação de desigualdades entre pesquisadores com e sem infraestrutura para manter práticas abertas. Sua proposta é que, ao considerar tanto os benefícios quanto os custos dessas práticas, cientistas e formuladores de políticas possam conduzir o movimento de forma mais equilibrada e inclusiva.


SOBRE KEVIN C. ELLIOT

KEVIN C. ELLIOTT é professor na Michigan State University, com cargos no Lyman Briggs College, no Departamento de Pesca e Vida Selvagem e no Departamento de Filosofia. Suas pesquisas são interdisciplinares e abordam questões de filosofia da ciência, ética da investigação e ética ambiental. É o autor de Is a little pollution good for you? Incorporating societal values in environmental research (Oxford University Press, 2011), A tapestry of values: an introduction to values in science (Oxford University Press, 2017) e Values in science (Cambridge University Press, 2022), entre numerosos artigos e capítulos de livros. Participa de comitês e grupos de trabalho de várias organizações científicas mundiais, incluindo a US National Academy of Sciences e a US National Institute of Environmental Health Sciences.

SOBRE PEDRO BRAVO

PEDRO BRAVO é professor adjunto na Universidade Federal do ABC (UFABC) e credenciado no programa de pós-graduação em Filosofia da mesma instituição. É doutor em Filosofia pela USP, além de mestre, bacharel e licenciado em Filosofia pela UNESP – Marília, e bacharel em Relações Internacionais (Uninter – EaD). Realizou graduação-sanduíche e estágio de pesquisa durante o mestrado na Université Lille 3, na França. No doutorado, fez seu doutorado-sanduíche na Michigan State University, nos Estados Unidos. É membro do núcleo de sustentação do GT em Epistemologia Analítica da ANPOF, do Instituto Nacional de Ciência Cidadã (INCC-Ibict) enquanto membro pesquisador e coordenador da linha “arcabouço teórico-conceitual” (em que há colaboradores nacionais e internacionais) e da Associação Filosófica Scientiae Studia. Foi professor na Educação Básica pela prefeitura de Cândido Mota e pelo Centro Paula Souza. Suas áreas de especialização são a Filosofia da Ciência, a Epistemologia e a Ética Ambiental, a partir das quais tem discutido temas como valores na ciência, ciência apoiada pela indústria, agnotologia, princípio da precaução, problema da indução e ciência cidadã. https://bravopedro.com.br/ (Fonte: Currículo Lattes)


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