Para promover uma Comunicação Antirracista
Uma das responsáveis pela elaboração do Plano Nacional de Comunicação pela Igualdade Racial, pesquisadora e jornalista Midiã Noelle lança guia com práticas comunicacionais para a não reprodução do racismo. Leia entrevista com a autora. Sorteamos dois exemplares
Publicado 04/07/2025 às 19:01 - Atualizado 04/07/2025 às 19:11

Para combater a desigualdade é preciso que toda a população esteja envolvida nesse esforço. Conscientização e políticas públicas são absolutamente necessárias para isso. É um desafio constante de desconstrução e construção de sentidos para uma sociedade de novo tipo.
A comunicação, processo essencial para vida em coletivo, é uma das principais vias para essa transformação, especialmente por ser uma ferramenta de nomeação e construção da realidade, de nossas identidades, referências e relação com o outro.
De acordo com o Ministério da Igualdade Social, quase 85% da população preta do Brasil afirma ter sofrido discriminação racial. Tal dado infeliz não deveria fazer sentido diante da realidade de um país composto por uma maioria preta e parda que equivale a 56,1% da população – todavia, faz, e apenas mudanças estruturais podem alterar esse cenário.

Pensando nisso, a jornalista Midiã Noelle lançou o livro Comunicação antirracista – Um guia para se comunicar com todas as pessoas, em todos os lugares.
Outras Palavras sorteará dois exemplares de Comunicação antirracista – Um guia para se comunicar com todas as pessoas, em todos os lugares, de Midiã Noelle, entre quem apoia nosso jornalismo de profundidade e de perspectiva pós-capitalista. O sorteio estará aberto para inscrições até a segunda-feira do dia 14/7, às 14h. Os membros da rede Outros Quinhentos receberão o formulário de participação via e-mail no boletim enviado para quem contribui. Cadastre-se em nosso Apoia.se para ter acesso!
Midiã, baiana e mestra em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia, foi uma das responsáveis pela elaboração do Plano Nacional de Comunicação pela Igualdade Racial do Governo Federal, contratada pela Unesco como consultora e pesquisadora.
Em sua obra, a autora apresenta um guia com ferramentas para aprimorar práticas comunicacionais livres de preconceitos, e que não se alinhem com um jornalismo sem ética, que fira a dignidade de pessoas negras.
O intuito é o de não seguir representando essa população pela ótica da estigmatização e da marginalização, mas sim pela ótica das possibilidades.
Leia, logo abaixo, entrevista com a autora. Boa leitura!
- Quais são os princípios de uma comunicação antirracista?
A comunicação antirracista tem como valor principal o reconhecimento da humanidade. O resgate da perspectiva da humanidade de pessoas negras que foram historicamente violentadas na sua lógica de representação. Ou seja, ela busca justiça racial. Então, para mim, a comunicação antirracista só se efetiva se ela for antiproibicionista, antipunitivista e anticapacitista.
Antiproibicionista e antipunitivista porque a criminalização do uso de substâncias psicoativas, em sua maioria, só é direcionada às pessoas negras. Portanto, o não reconhecimento de que a única via de acompanhamento de punição é na via do encarceramento, aliada à uma comunicação punitivista, impacta a vida dessa população. Ou seja, não podemos naturalizar que os encarceramentos sejam o cotidiano de pessoas negras. Criminalizá-las faz parte da lógica de violência histórico-racial, violência essa que sofremos no nosso país e em países que também passaram por esse processo da diáspora, de sequestro de pessoas negras que foram escravizadas.
Precisa também ser anticapacitista, porque pensar na comunicação em uma lógica que não reconhece as necessidades de pessoas com deficiência, em especial pessoas negras com deficiência, que sofrem ainda mais com estereótipos, estigmas e invisibilidade.
Sendo assim, não se efetiva de fato uma comunicação antirracista sem pensar nessas três lógicas. Claro, sempre pensando também a partir da perspectiva de interseccionalidade entre gênero e raça.
- Seja pela via institucional como também pelas relações cotidianas, quais os caminhos para alcançá-la?
Outras Palavras sorteará dois exemplares de Comunicação antirracista – Um guia para se comunicar com todas as pessoas, em todos os lugares, de Midiã Noelle, entre quem apoia nosso jornalismo de profundidade e de perspectiva pós-capitalista. O sorteio estará aberto para inscrições até a segunda-feira do dia 14/7, às 14h. Os membros da rede Outros Quinhentos receberão o formulário de participação via e-mail no boletim enviado para quem contribui. Cadastre-se em nosso Apoia.se para ter acesso!
No livro eu trago alguns caminhos para podermos atuar no dia a dia no enfrentamento ao racismo. Então, para poder estabelecer nas relações cotidianas umas comunicação antirracista, primeiramente precisamos não se abster. Não se abster diante de situações de violência racial. É preciso se posicionar. Além disso, preparei para os leitores uma lista de atitudes que promovem uma comunicação de racista:
1. Não naturalizar expressões racistas ou desumanizantes
– Evitar termos que associem pessoas negras a animais, como “macaco”.
– Substituir expressões e ditados que carregam racismo estrutural por alternativas respeitosas e inclusivas.
2. Não criminalizar pessoas negras na linguagem e nas narrativas
– Evitar estigmatizar indivíduos como traficantes ou criminosos antes de qualquer julgamento.
– Combater o viés racial em coberturas policiais e judiciais.
3. Reconhecer que todas as pessoas têm lugar de fala no combate ao racismo
– Ainda que pessoas brancas não vivam o racismo, elas podem e devem se posicionar contra ele.
– Apoiar vozes negras e respeitar suas experiências e vivências.
4. Rejeitar a naturalização da violência contra pessoas negras
– Tratar chacinas e operações policiais em favelas com a mesma indignação dedicada a tragédias em outras partes da cidade.
– Valorizar a vida negra como se valoriza qualquer outra.
5. Descolonizar o olhar e reconhecer a humanidade da pessoa negra
– Romper com estereótipos e representações limitadas (como o “negro perigoso”, “empregada submissa”, etc).
– Mostrar pessoas negras em toda a sua complexidade: como profissionais, artistas, cientistas, líderes.
6. Combater o discurso punitivista seletivo
– Questionar a narrativa de que punição é a única solução, principalmente quando usada de forma seletiva contra pessoas negras.
– Discutir segurança pública com base em direitos humanos e justiça social.
- Por que a comunicação antirracista é uma via tão importante para alcançarmos justiça social?
A comunicação antirracista se materializa a partir das dimensões do construir, desconstruir e reconstruir dos processos de entendimento de linguagem, de percepção, semiótica e estética. Entendendo cada indivíduo como pessoa que produz sentido e que nessa produção de sentido pode reproduzir ou enfrentar as violências raciais. A ideia é descortinar mesmo nossos olhares para poder promover comunicações que não reforçam signos e que promovam direitos e respeito às pessoas negras. Vale ressaltar que a minha visão de comunicação antirracista parte de uma ótica da população negra; eu não aprofundo a questão indígena, falo apenas a partir da minha vivência, do meu olhar e do meu trabalho com a questão racial, partindo também do Estatuto da Igualdade Racial que traz dimensões voltadas para população negra.
- Você foi uma das responsáveis pela elaboração e implementação do Plano Nacional de Comunicação pela Igualdade Racial do governo Lula, em 2023. Primeiramente, como foi essa experiência? E, além disso, após dois anos de implementação, você já consegue visualizar os frutos desse projeto?
Sim, eu fui uma das pessoas responsáveis pela construção desse plano. Esse plano surge a partir de um decreto publicado no final de 2023. Ele foi constituído por um grupo de trabalho interministerial do qual eu fui contratada na época como consultora para poder construir a síntese desse material, viabilizando as dezenove propostas que hoje estão no plano e que focam na promoção da equidade e da igualdade racial dentro das esferas de comunicação do Governo Federal. Há propostas que vão desde pensar como é a atuação da assessoria de comunicação que trabalha nos ministérios, para promover o enfrentamento ao racismo e refletir sobre a sua produção de trabalho, até como pensar também na incubadora de tecnologia e de pesquisa para possibilitar inovação para mídias negras; entendendo o compromisso de fortalecimento de produtores de comunicação independente, periféricos, negros e como que podemos colaborar com isso. Além disso, também tem como objetivo melhorar ações com foco na promoção da equidade racial dentro do setor de publicidade e patrocínio do governo. Portanto, é um documento robusto que está próximo de instaurar o Comitê de Acompanhamento do Plano de Comunicação. Ademais, vamos abrir edital para sociedade civil, onde eu volto como consultora especial para acompanhar o desenvolvimento do Plano. Esse documento foi construído de forma coletiva, porque ouviu os movimentos sociais, os movimentos negros, sobretudo negro e feminista negro, ouviu também produtores de comunicação, e é mais vocacionado pra questão negra, periférica e independente. Então, foi algo muito bom. Foi muito bom poder ser parte de algo inédito. Esse é um documento que visa a mudança de estrutura das pessoas mesmo. Mudança de documentos, guias, manuais, pesquisas também – para identificar como é que está a comunicação e o jornalismo dentro do Governo Federal.
Após esses dois anos, acredito que temos sim um fruto. Assim como o Estatuto da Igualdade Racial, assim como as cotas, tudo que é feito no âmbito da compreensão dessas dinâmicas sociais e violentas, das violências raciais que impactam a população brasileira e que considera tudo o que tem sido feito historicamente, gera sempre projeções muito positivas.
Se pensarmos bem, só temos cento e quarenta anos de pós-abolição de um processo de escravização que durou quase quatrocentos anos. É tendo isso em vista que afirmo que o reconhecimento do respeito está avançando muito, junto da não objetificação e da não “coisificação” da população negra; afinal, éramos colocados nesse lugar na imprensa negra, não é? A gente sabe. A pesquisadora Ana Flávia Magalhães fala muito sobre isso.
Dessa maneira, acredito que o que tem para o futuro é a garantia de mais direitos para população negra e um novo tipo de atuação das equipes de comunicação. Uma atuação que reconheça os processos históricos, que não se permita não observar essas violências e que se proponha a enfrentá-las como agentes da promoção de direitos no âmbito dos serviços públicos.
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