O universo grotesco e fantástico de Gastão Cruls
Após 70 anos no esquecimento, Acaso Cultural resgata contos do escritor brasileiro que explorou, como poucos, o medo na literatura. Livro conta com escrito inédito do autor. Sortearemos um exemplar entre quem apoia nosso jornalismo
Publicado 26/07/2023 às 18:48 - Atualizado 28/07/2023 às 15:17
Muito provavelmente você já leu ou ouviu falar das histórias de escritores como Edgar Allan Poe e H. P. Lovecraft, personalidades que figuram como grandes nomes da literatura de terror. No entanto, salvo escritores(as) mais contemporâneas – em sua maioria infanto-juvenis –, pouco sabemos sobre representantes desse gênero no Brasil.
Por isso, a Acaso Cultural resolveu recuperar um dos mais importantes autores brasileiros a explorar o medo na literatura, Gastão Cruls. A coletânea O espelho e outras histórias grotescas, reune 20 narrativas curtas do autor, dentre elas O seio de Rosaura, conto inédito cedido com exclusividade à editora pela família de Gastão.
Outras Palavras e Acaso Cultural sortearão 1 exemplar de O espelho e outras histórias grotescas, de Gastão Cruls, entre quem apoia nosso jornalismo. O sorteio estará aberto para inscrições até a segunda-feira do dia 7/8, às 14h. Os membros da rede Outros Quinhentos receberão o formulário de participação via e-mail no boletim enviado para quem contribui. Cadastre-se em nosso Apoia.se para ter acesso!
Na obra, assombram-nos tradicionais figuras do medo: lobisomens, fantasmas, obsessões, alucinações, eventos anormais, fantásticos e até mesmo elementos bem gráficos – tudo isso “sem perder seus traços nacionais”. Nos levando a um universo “em que o grotesco pode nos surpreender nos lugares e momentos mais inesperados: da intimidade do quarto aos ermos do sertão”.
O autor não foi um dos que aderiu às linhas do modernismo em voga à sua época, também não trilhou os caminhos dos regionalistas na literatura. No entanto, mesmo que o regionalismo ou “a busca pela exaltação dos temas nacionais”, própria do modernismo, não fosse candente em seu universo literário, não é verdade que Cruls não buscou tecer histórias se utilizando de temáticas próprias da realidade – ou ficcionalidade – brasileira. Seus contos se passam em cenários que vão do Norte ao Sul do país, entre hospitais dos centros urbanos à paisagens da vida sertaneja. Beatices, ritos e crenças populares também fazem parte do repertório temático do autor. Além disso, personagens do nosso folclore rendem contos como A morte do Saci e Mãe D’água – o último conta a história da sereia Iara do ponto de vista de uma criança que percebe o mundo adulto suplantando o imaginário. Tais contos podem ser lidos na publicação da Acaso Cultural.
Nome importante do início do século XX, Gastão Cruls nasceu em 1888 no alto do morro do Castelos, um dos locais de fundação do Rio de Janeiro, onde foi construído o observatório astronômico. Seu pai, o astrônomo e geógrafo belga Luiz Cruls, dirigia o Imperial Observatório Astronômico e empreendeu a expedição que ficou conhecida como “Missão Cruls”, que visava demarcar o local da nova capital federal do Brasil. Sua viagem foi relatada na obra Planalto Central do Brasil, escrita pelo próprio Luiz.
Anos depois, o jovem Gastão formou-se em medicina, na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, no entanto, “faltava-lhe vocação para o exercício da profissão”, como ele mesmo costumava dizer. Mesmo assim, chegou a compor o quadro de Assistência Pública, atendendo a casos de urgência, feridos e acidentes em geral; por conta disso, percorreu toda cidade do Rio de Janeiro em uma ambulância.
Foi na faculdade que o escritor demonstrou interesse pela literatura. Seus primeiros contos foram publicados sob o pseudônimo de Sérgio Espínola, entre 1917 e 1919, na Revista do Brasil, dirigida por Monteiro Lobato.
O autor também ficou conhecido pelos temas de caráter psicológico, sendo descrito por Gilberto Freyre como “mestre do terror psicológico”. Seu livro Elsa e Helena, de 1927 — onde duas personagens de personalidades completamente diferente entram em conflito pelo mesmo amor e, por fim, se revelam a mesma pessoa –, é uma bela amostra de sua habilidade narrativa. A história chegou a ganhar uma adaptação para o cinema em 1950, com direção de Watson Macedo. O cineasta considerava essa adaptação a sua mais “querida”. Infelizmente, como afirma Ruy Gardnier – fundador da revista de cinema Contracampo –, do filme restam apenas negativos em mau estado, que necessitam de uma restauração urgente, antes que se percam para sempre; além de alguns poucos artigos publicados na época de seu lançamento.
Já em 1930, após ter “desaprendizado da Medicina” e abandonado a profissão por completo para se dedicar à escrita, Cruls uniu-se ao seu amigo e crítico literário Agripino Grieco e fundou a Editora Ariel, que contava com a revista O Boletim de Ariel e foi considerada uma das principais revistas da década de trinta. A revista foi responsável por lançar ou consolidar autores aclamados do conhecido “romance de trinta”, como Jorge Amado, com Cacau (1933) e Graciliano Ramos, com S. Bernardo ou São Bernardo (1934).
Entre tantas histórias, a vida de Gastão foi alimentada pela curiosidade e pela vontade de conhecer o norte do Brasil, muito por conta das viagens que fez à região junto de seu pai quando criança.
Ana Resende, doutora em Teoria da Literatura e Literatura Compara pela UERJ, além de pesquisadora da obra de Cruls, defende no prefácio da publicação da Acaso Cultural que “o distanciamento de tendências literárias modernistas, por um lado, e a aversão à pompa e à solenidade de rituais como os da Academia Brasileira de Letras, por outro, talvez expliquem o imerecido silêncio que envolve o nome de Gastão Cruls no século XXI”. Portanto, em tempos de esquecimento crônico, ficam os parabéns à editora pelo importante resgate da obra do autor.
Em parceria com a Acaso Cultural, o Outras Palavras irá sortear 1 exemplar de O espelho e outras histórias grotescas, de Gastão Cruls, entre quem apoia nosso jornalismo. O sorteio estará aberto para inscrições até a segunda-feira do dia 7/8, às 14h. Os membros da rede Outros Quinhentos receberão o formulário de participação via e-mail no boletim enviado para quem contribui. Cadastre-se em nosso Apoia.se para ter acesso!
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