O poeta do povo da noite

Obra de Pedro Tierra, sobrevivente dos porões da ditadura brasileira, traz poemas escritos em centros de detenção e tortura. Seus versos foram entoados em reuniões e atos dos movimentos pela Anistia política e pela democracia. Sorteamos um exemplar

Detalhe de In Memoriam Karl Liebknecht, de Käthe Kollwitz [1919-20] | Fonte: Smarthistory
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Um dia, durante o intervalo de mais um excruciante interrogatório, um poeta torturado nos porões da ditadura avistou, na mesa do interrogador, um lápis largado de maneira displicente. Como esse poeta não tinha permissão para usar caneta ou papel na prisão, o lápis ali, à mostra, talvez fosse para ele o que um prato cheio é para um faminto. Logo, o poeta não perdeu a oportunidade e tratou de agarrar e esconder o lápis.

Ao chegar em sua cela, o prisioneiro aproveitou a parte interna de um maço de cigarros para recomeçar a traçar suas palavras…


“Fui assassinado.

Morri cem vezes

e cem vezes renasci

sob os golpes do açoite.

Meus olhos em sangue

testemunharam a dança dos algozes

em torno do meu cadáver.”


Assim surgiu Poemas do povo da noite, lançado pela primeira vez na Itália, em 1977, sendo publicado no Brasil apenas em 1970. O nome do poeta: Pedro Tierra, pseudônimo de Hamilton Pereira, bravo guerreiro que suportou os horrores da tortura no período de Ditadura Militar. Sua obra já citada ganhou menção honrosa no Prêmio Casa de las Américas de 1978 e recentemente ganhou uma quinta edição pela Fundação Perseu Abramo.

Os poemas que a compõem foram escritos entre 1972 e 1977, em centros de detenção e tortura ou nas prisões onde ficou encarcerado. Os escritos conseguiram sair da prisão de maneira clandestina. Para escapar à censura, foram publicados na Itália e logo passaram a ser fonte de força e inspiração para quem com sorte os encontrava.

Outras Palavras irá sortear um exemplar de Poemas do povo da noite, de Pedro Tierra, entre quem apoia nosso jornalismo de profundidade e de perspectiva pós-capitalista. O sorteio estará aberto para inscrições até a segunda-feira do dia 26/8, às 14h. Os membros da rede Outros Quinhentos receberão o formulário de participação via e-mail no boletim enviado para quem contribui. Cadastre-se em nosso Apoia.se para ter acesso!

Ainda muito jovem, Hamilton largou os estudos para se lançar na luta contra a ditadura. Tornou-se militante da Aliança Libertadora Nacional (ALN). Com apenas 24 anos, foi preso e torturado em quartéis do Exército em Goiás e Brasília, o ano era 1972. Em seguida, foi transferido para o DOI-Codi de São Paulo, e então para o Presídio do Barro Branco, da Polícia Militar paulista, para enfim ser levado às prisões civis.

Em 1977, finalmente deixou as celas, mas não largou a vocação militante, passando a organizar sindicatos de trabalhadores rurais. Alguns anos mais tarde, ajudaria a fundar o Partido dos Trabalhadores, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e a Central Única dos Trabalhadores. No segundo mandato de Lula, Hamilton foi ministro do Meio Ambiente.

Enquanto alguns concordaram com os horrores da censura ditatorial e com medidas como o AI-5, e, sem vergonha alguma, afirmam por aí que “assinariam de novo”; outros não deixaram de lutar para converter a noite em semente.


Trecho de Poema-Prólogo

Pedro Tierra

Fui poeta

do povo da noite

como um grito de metal fundido.

Fui poeta

como uma arma

para sobreviver

e sobrevivi.

Companheira,

se alguém perguntar por mim:

sou o poeta que busca

converter a noite em semente,

o poeta que se alimenta do teu amor de vigília

e silêncio

e bebeu no próprio sangue

o ódio aos opressores.

Porque sou poeta

dos mortos assassinados,

dos eletrocutados, dos “suicidas”,

dos “enforcados”, dos “atropelados”,

dos que “tentaram fugir”,

dos enlouquecidos.


Outras Palavras irá sortear um exemplar de Poemas do povo da noite, de Pedro Tierra, entre quem apoia nosso jornalismo de profundidade e de perspectiva pós-capitalista. O sorteio estará aberto para inscrições até a segunda-feira do dia 26/8, às 14h. Os membros da rede Outros Quinhentos receberão o formulário de participação via e-mail no boletim enviado para quem contribui. Cadastre-se em nosso Apoia.se para ter acesso!


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