O feitiço da extrema direita

Como teorias da conspiração viraram arma política? Em obra lançada pela Editora Elefante, autor analisa o poder das narrativas que seduzem mais que fatos. A saída? Reencantar a política e disputar o imaginário. Leia um trecho. Sorteamos dois exemplares

Manifestantes invadem prédios públicos na praça dos Três Poderes, na foto uma manifestante se ajoelha na frente da cavalaria montada da policia militar próximo prédio do Tribunal Superior Federal (STF) [8 de janeiro de 2023]. Foto: Joédson Alves/Agencia Brasil/Arquivo | Fonte: Agência Brasil
.

E não se esqueça! Quem apoia o jornalismo de Outras Palavras garante 25% de desconto no site da Editora Elefante. Faça parte da rede Outros Quinhentos em nosso Apoia.se e acesse as recompensas!

Quais os paradoxos de nossa era? Enquanto crises reais – como pandemias, guerras e colapsos climáticos – são negadas, teorias da conspiração e obscurantismo ganham força, ambos alimentados por algoritmos que privilegiam o caos e o engajamento a qualquer custo – e lucro.

Nesse cenário, a extrema direita global soube capitalizar como ninguém o poder das narrativas fantásticas, transformando o medo em arma política. Mas como enfrentar um fenômeno que não se derrota só com fatos, mas exige outras formas de encantar?

É essa a provocação de Políticas do encanto: extrema direita e fantasias da conspiração, no qual o professor e pesquisador Paolo Demuru desmonta peça por peça o jogo discursivo do populismo reacionário – de Trump a Bolsonaro – e revela: seu poder está menos na mentira e mais na capacidade de seduzir com histórias.

Lançada pela Editora Elefante, a obra combina análise crítica e estratégia, mostrando por que nesse cenário a razão não basta. Além disso, o autor aponta caminhos para reconquistar a tão preciosa imaginação política, seja nas redes ou nas ruas.

Outras Palavras e Editora Elefante irão sortear dois exemplares de Políticas do encanto: extrema direita e fantasias da conspiração, de Paolo Demuru, entre quem apoia nosso jornalismo de profundidade e de perspectiva pós-capitalista. O sorteio estará aberto para inscrições até a segunda-feira do dia 19/5, às 14h. Os membros da rede Outros Quinhentos receberão o formulário de participação via e-mail no boletim enviado para quem contribui. Cadastre-se em nosso Apoia.se para ter acesso!

Com ousadia propositiva, Demuru une análise discursiva, crítica cultural, semiótica e reflexão estratégica para demonstrar como a direita mistura brutalidade e fascínio, terror e encantamento.

Leia, logo abaixo, um trecho da obra.

Boa leitura!


entre 

realidade 

e fantasia

Toda era tem seu paradoxo. O da nossa é oscilar entre dois choques: um choque de realidade e um choque de fantasia. 

A pandemia de covid-19 nos colocou cara a cara com a nossa  finitude. Lembrou-nos de quão frágeis e fugazes são nossas existências. Exasperou os abismos econômicos e sociais que dividem o mundo. Vimos os privilegiados se tornarem ainda mais privilegiados, e os desfavorecidos, ainda mais desfavorecidos. Perdemos vidas, trabalhos, saúde física e mental. Doenças erradicadas ressurgiram. Guerras, massacres e genocídios eclodem por todo lado, do Oriente Médio ao Leste Europeu, da Ásia à Amazônia. A fome voltou. O desmatamento segue mais violento do que nunca. As mudanças climáticas progridem. Geleiras derretem. Terremotos, enchentes e temperaturas elevadas assombram nossos dias e noites.

Entretanto, apesar de sua inelutável concretude, esses fatos foram e seguem sendo negados. A eles sobrepôs-se uma teia de narrativas fantásticas sobre a “verdadeira realidade” do mundo, à qual poucos eleitos teriam acesso. Fábulas conspiratórias de todo tipo rondavam o começo dos anos 2020: devaneios sobre a inexistência do novo coronavírus, os planos secretos da indústria farmacêutica, as vacinas como armas de controle em massa, a invenção das mudanças climáticas, os poderes ocultos que exercitam seu domínio sobre a população mundial. Na verdade, algumas dessas histórias haviam começado a circular antes da pandemia. Entre 2010 e 2020, vivenciou-se, no Ocidente, um boom do conspiracionismo. Dos dois lados do Atlântico, difundiram-se lendas sobre a substituição dos povos brancos por outros de origem africana e do Oriente Médio; as seitas de pedófilos satanistas que controlam os aparatos profundos dos Estados nacionais; a nova ordem mundial; o terraplanismo; o complô judaico, comunista, marxista, globalista, ou todos eles juntos. 

A disseminação se deu com uma velocidade jamais vista. Penetração e rapidez que se devem, sobretudo, às mídias sociais, principais fábricas e repositórios dessas teorias — ou melhor, fantasias, conforme o termo adotado neste livro, cuja escolha explicarei adiante. Quem mais divulgou e se aproveitou desse universo ficcional foram grupos, movimentos, partidos e líderes populistas de extrema direita, como Donald Trump e Jair Bolsonaro, pioneiros e especialistas da comunicação em rede. Com eles, o conspiracionismo chegou ao poder.

Outras Palavras e Editora Elefante irão sortear dois exemplares de Políticas do encanto: extrema direita e fantasias da conspiração, de Paolo Demuru, entre quem apoia nosso jornalismo de profundidade e de perspectiva pós-capitalista. O sorteio estará aberto para inscrições até a segunda-feira do dia 19/5, às 14h. Os membros da rede Outros Quinhentos receberão o formulário de participação via e-mail no boletim enviado para quem contribui. Cadastre-se em nosso Apoia.se para ter acesso!

Aliás, pode-se dizer que o discurso político que mais se impôs no começo do século XXI é justamente aquele do “populismo conspiratório” de extrema direita. Um discurso no qual a luta do “povo” contras as “elites”, motivo central de toda narrativa populista, se alimenta da força imaginativa das fantasias de conspiração. Mais do que isso: temperando o populismo de extrema direita com suas tramas fabulosas, as fantasias de conspiração mantém vivo o engajamento de seus adeptos. O envolvimento nas histórias do populismo conspiratório de extrema direita chega a ser tão forte que elas não raro ultrapassam os confins do mundo das ideias e repercutem concretamente na realidade, impactando-a de modo violento. Casos emblemáticos são a invasão do Capitólio De Washington, promovida em 6 de janeiro de 2021 por movimentos extremistas pró-Trump, e, no Brasil, os feitos de 8 de janeiro de 2023, quando golpistas seguidores de Bolsonaro adentraram os palácios da República na tentativa de derrubar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, eleito em 2022. Em ambas as ocasiões, massas de homens e mulheres convictos de que a votação havia sido fraudada e de que seria preciso intervir para barrar a chegada de comunistas, satanistas e outras figuras maléficas ao poder jogaram-se de corpo e alma, em estado de transe, contra os palácios das instituições do Estado Democratico de Direito.

Trata-se de um ponto central: o populismo conspiratório de extrema direita seduz menos pelos seus argumentos e mais pelo fascínio que provoca; cativa por ser um discurso maravilhoso, extasiante, extraordinário: uma verdadeira “magia política”. Não por acaso, cientes do papel do encanto na vida publica e privada das pessoas, os extremistas de direita apropriaram-se das formas e dos formatos da imaginação humana: livros, filmes, séries, histórias em quadrinhos, memes, videogames, jogos e esportes. Saquearam suas linguagens, usurparam seus roteiros, surfaram sua retórica. Um exemplo é a célebre cena do filme Matrix em que o personagem Neo (Keanu Reeves) toma a “pilula vermelha” (redpill) para descobrir “A Verdade”. Outros são Batman, Thor e seu martelo ou, no Brasil, a camisa da Seleção. Em suma: o extremismo de nossa era tornou-se encantador, 

e os encantos de nossa era tornaram-se extremistas.

Não há nada de ingênuo, inocente ou aleatório nesse processo. Pelo contrário, estamos diante de um projeto de colonização do imaginário para precisos fins ideológicos e políticos, no qual as plataformas digitais exercem um papel de primeiro plano. Basta lembrar o caso da Cambridge Analytica, empresa de análise de dados que, a partir de informações de usuários do Facebook vendidas pela firma de Mark Zuckerberg, construiu em 2016 campanhas de comunicação baseadas em perfis pessoais para manipular eleitores dos Estados Unidos e do Reino Unido e levá-los a votar, respectivamente, em Trump (em novembro) e a favor do Brexit — a saída do país da Unido Europeia (em junho).

A vitória de Joe Biden contra Trump nas eleições estadunidenses de 2020 e a de Lula sobre Bolsonaro no pleito brasileiro de 2022 pareciam ter posto um freio à ascensão da extrema direita global. Responsáveis pelos atentados golpistas ao Capitolio de Washington e aos palácios da Praça dos Três Poderes de Brasília foram presos, outros estão sendo processados. Na União Europeia entrou em vigor, no segundo semestre de 2022, o Digital Service Act (DSA), uma lei destinada à regulamentação das redes, através da qual se pretende conter o desvio extremista nas democracias do continente, intimamente vinculada à lógica algorítmica das mídias sociais.

No entanto, líderes, partidos, movimentos reacionários, antidemocráticos, xenófobos e misóginos continuam avançando na Europa e nas Américas.

[…]

Enquanto isso, na superfície e nos submundos das redes, sob a bandeira da luta pela liberdade de expressão e outras pautas aparentemente antissistema, a extrema direita continua radicalizando jovens e adultos, seduzindo-os com suas narrativas encantadoras: discursos que não apenas oferecem respostas simples e concretas a seus problemas, saídas aparentemente fáceis contra a crueza e a ferocidade do mundo capitalista, mas também uma boa dose de êxtase e desejo para enfrentar a inércia e os desencantos do cotidiano. 

Como quebrar esse feitiço? Eis a pergunta a que este ensaio busca responder. Entretanto, antes de fazê-lo, é preciso entender como funcionam os encantos do populismo conspiratório de extrema direita. É disso que me ocupo no Primeiro Ato do 5 livro (“Da magia do extremismo”). Em seguida, no Interlúdio (“Contra o suprematismo da razão”), abordo criticamente as técnicas de combate às teorias da conspiração e à desinformação de extrema direita, baseadas, em grande medida, em apresentação de dados, checagem de fatos e argumentos lógicos. Por fim, no Segundo Ato (“Quebrar o feitiço”), faço algumas propostas concretas para mudarmos os rumos dessa batalha.

Uma pequena antecipação do que vem por aí: não adianta enfrentar os encantos do extremismo de direita apenas com fatos, dados e raciocínios; se queremos mudar a realidade, precisamos mudar os trilhos da imaginação social, reconquistar a fantasia, inventar e semear histórias, outras histórias. A luta da vez é a luta pela maravilha.


SOBRE PAOLO DEMURU

Paolo Demuru (Sassari, Sardenha, 1981) é doutor em semiótica pela Universidade de Bologna, Itália, e em semiótica e linguística geral pela Universidade de São Paulo. É docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie e pesquisador do Centro de Pesquisas Sociossemióticas da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É vice-presidente da Associação Brasileira de Semiótica e foi coordenador do Grupo de Trabalho Práticas Interacionais, Linguagens e Produção de Sentido na Comunicação da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (2021-2023). Autor do livro Essere in gioco: calcio e cultura tra Brasile e Italia (Bononia University Press, 2014) e de diversos artigos científicos publicados em revistas internacionais. Pesquisa atualmente, em parceria com estudiosos europeus e latino-americanos, sobre a linguagem e as práticas discursivas do populismo digital do século XXI, as teorias de conspiração e outras estratégias de desinformação.


Em parceria com a Editora ElefanteOutras Palavras irá sortear dois exemplares de Políticas do encanto: extrema direita e fantasias da conspiração, de Paolo Demuru, entre quem apoia nosso jornalismo de profundidade e de perspectiva pós-capitalista. O sorteio estará aberto para inscrições até a segunda-feira do dia 19/5, às 14h. Os membros da rede Outros Quinhentos receberão o formulário de participação via e-mail no boletim enviado para quem contribui. Cadastre-se em nosso Apoia.se para ter acesso!


Outras Palavras disponibiliza sorteios, descontos e gratuidades para os leitores que contribuem todos os meses com a continuidade de seu projeto de jornalismo de profundidade e pós-capitalismo. Outros Quinhentos é a ferramenta através da qual é possível construir conosco um projeto de jornalismo de profundidade e pós-capitalista. Pela colaboração, diversas contrapartidas são disponibilizadas: sorteios, descontos e gratuidades oferecidas por nossos parceiros – são mais de vinte parcerias! Participe!

NÃO SABE O QUE É O OUTROS QUINHENTOS?
• Desde 2013, Outras Palavras é o primeiro site brasileiro sustentado essencialmente por seus leitores. O nome do nosso programa de financiamento coletivo é Outros Quinhentos. Hoje, ele está sediado aqui: apoia.se/outraspalavras/
• O Outros Quinhentos funciona assim: disponibilizamos espaço em nosso site para parceiros que compartilham conosco aquilo que produzem – esses produtos e serviços são oferecidos, logo em seguida, para nossos apoiadores. São sorteios, descontos e gratuidades em livros, cursos, revistas, espetáculos culturais e cestas agroecológicas! Convidamos você a fazer parte dessa rede.
• Se interessou? Clica aqui!

Outras Palavras é feito por muitas mãos. Se você valoriza nossa produção, seja nosso apoiador e fortaleça o jornalismo crítico: apoia.se/outraspalavras

Leia Também: