O feitiço da extrema direita
Como teorias da conspiração viraram arma política? Em obra lançada pela Editora Elefante, autor analisa o poder das narrativas que seduzem mais que fatos. A saída? Reencantar a política e disputar o imaginário. Leia um trecho. Sorteamos dois exemplares
Publicado 08/05/2025 às 19:39

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Quais os paradoxos de nossa era? Enquanto crises reais – como pandemias, guerras e colapsos climáticos – são negadas, teorias da conspiração e obscurantismo ganham força, ambos alimentados por algoritmos que privilegiam o caos e o engajamento a qualquer custo – e lucro.
Nesse cenário, a extrema direita global soube capitalizar como ninguém o poder das narrativas fantásticas, transformando o medo em arma política. Mas como enfrentar um fenômeno que não se derrota só com fatos, mas exige outras formas de encantar?

É essa a provocação de Políticas do encanto: extrema direita e fantasias da conspiração, no qual o professor e pesquisador Paolo Demuru desmonta peça por peça o jogo discursivo do populismo reacionário – de Trump a Bolsonaro – e revela: seu poder está menos na mentira e mais na capacidade de seduzir com histórias.
Lançada pela Editora Elefante, a obra combina análise crítica e estratégia, mostrando por que nesse cenário a razão não basta. Além disso, o autor aponta caminhos para reconquistar a tão preciosa imaginação política, seja nas redes ou nas ruas.
Outras Palavras e Editora Elefante irão sortear dois exemplares de Políticas do encanto: extrema direita e fantasias da conspiração, de Paolo Demuru, entre quem apoia nosso jornalismo de profundidade e de perspectiva pós-capitalista. O sorteio estará aberto para inscrições até a segunda-feira do dia 19/5, às 14h. Os membros da rede Outros Quinhentos receberão o formulário de participação via e-mail no boletim enviado para quem contribui. Cadastre-se em nosso Apoia.se para ter acesso!
Com ousadia propositiva, Demuru une análise discursiva, crítica cultural, semiótica e reflexão estratégica para demonstrar como a direita mistura brutalidade e fascínio, terror e encantamento.
Leia, logo abaixo, um trecho da obra.
Boa leitura!
entre
realidade
e fantasia
Toda era tem seu paradoxo. O da nossa é oscilar entre dois choques: um choque de realidade e um choque de fantasia.
A pandemia de covid-19 nos colocou cara a cara com a nossa finitude. Lembrou-nos de quão frágeis e fugazes são nossas existências. Exasperou os abismos econômicos e sociais que dividem o mundo. Vimos os privilegiados se tornarem ainda mais privilegiados, e os desfavorecidos, ainda mais desfavorecidos. Perdemos vidas, trabalhos, saúde física e mental. Doenças erradicadas ressurgiram. Guerras, massacres e genocídios eclodem por todo lado, do Oriente Médio ao Leste Europeu, da Ásia à Amazônia. A fome voltou. O desmatamento segue mais violento do que nunca. As mudanças climáticas progridem. Geleiras derretem. Terremotos, enchentes e temperaturas elevadas assombram nossos dias e noites.
Entretanto, apesar de sua inelutável concretude, esses fatos foram e seguem sendo negados. A eles sobrepôs-se uma teia de narrativas fantásticas sobre a “verdadeira realidade” do mundo, à qual poucos eleitos teriam acesso. Fábulas conspiratórias de todo tipo rondavam o começo dos anos 2020: devaneios sobre a inexistência do novo coronavírus, os planos secretos da indústria farmacêutica, as vacinas como armas de controle em massa, a invenção das mudanças climáticas, os poderes ocultos que exercitam seu domínio sobre a população mundial. Na verdade, algumas dessas histórias haviam começado a circular antes da pandemia. Entre 2010 e 2020, vivenciou-se, no Ocidente, um boom do conspiracionismo. Dos dois lados do Atlântico, difundiram-se lendas sobre a substituição dos povos brancos por outros de origem africana e do Oriente Médio; as seitas de pedófilos satanistas que controlam os aparatos profundos dos Estados nacionais; a nova ordem mundial; o terraplanismo; o complô judaico, comunista, marxista, globalista, ou todos eles juntos.
A disseminação se deu com uma velocidade jamais vista. Penetração e rapidez que se devem, sobretudo, às mídias sociais, principais fábricas e repositórios dessas teorias — ou melhor, fantasias, conforme o termo adotado neste livro, cuja escolha explicarei adiante. Quem mais divulgou e se aproveitou desse universo ficcional foram grupos, movimentos, partidos e líderes populistas de extrema direita, como Donald Trump e Jair Bolsonaro, pioneiros e especialistas da comunicação em rede. Com eles, o conspiracionismo chegou ao poder.
Outras Palavras e Editora Elefante irão sortear dois exemplares de Políticas do encanto: extrema direita e fantasias da conspiração, de Paolo Demuru, entre quem apoia nosso jornalismo de profundidade e de perspectiva pós-capitalista. O sorteio estará aberto para inscrições até a segunda-feira do dia 19/5, às 14h. Os membros da rede Outros Quinhentos receberão o formulário de participação via e-mail no boletim enviado para quem contribui. Cadastre-se em nosso Apoia.se para ter acesso!
Aliás, pode-se dizer que o discurso político que mais se impôs no começo do século XXI é justamente aquele do “populismo conspiratório” de extrema direita. Um discurso no qual a luta do “povo” contras as “elites”, motivo central de toda narrativa populista, se alimenta da força imaginativa das fantasias de conspiração. Mais do que isso: temperando o populismo de extrema direita com suas tramas fabulosas, as fantasias de conspiração mantém vivo o engajamento de seus adeptos. O envolvimento nas histórias do populismo conspiratório de extrema direita chega a ser tão forte que elas não raro ultrapassam os confins do mundo das ideias e repercutem concretamente na realidade, impactando-a de modo violento. Casos emblemáticos são a invasão do Capitólio De Washington, promovida em 6 de janeiro de 2021 por movimentos extremistas pró-Trump, e, no Brasil, os feitos de 8 de janeiro de 2023, quando golpistas seguidores de Bolsonaro adentraram os palácios da República na tentativa de derrubar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, eleito em 2022. Em ambas as ocasiões, massas de homens e mulheres convictos de que a votação havia sido fraudada e de que seria preciso intervir para barrar a chegada de comunistas, satanistas e outras figuras maléficas ao poder jogaram-se de corpo e alma, em estado de transe, contra os palácios das instituições do Estado Democratico de Direito.
Trata-se de um ponto central: o populismo conspiratório de extrema direita seduz menos pelos seus argumentos e mais pelo fascínio que provoca; cativa por ser um discurso maravilhoso, extasiante, extraordinário: uma verdadeira “magia política”. Não por acaso, cientes do papel do encanto na vida publica e privada das pessoas, os extremistas de direita apropriaram-se das formas e dos formatos da imaginação humana: livros, filmes, séries, histórias em quadrinhos, memes, videogames, jogos e esportes. Saquearam suas linguagens, usurparam seus roteiros, surfaram sua retórica. Um exemplo é a célebre cena do filme Matrix em que o personagem Neo (Keanu Reeves) toma a “pilula vermelha” (redpill) para descobrir “A Verdade”. Outros são Batman, Thor e seu martelo ou, no Brasil, a camisa da Seleção. Em suma: o extremismo de nossa era tornou-se encantador,
e os encantos de nossa era tornaram-se extremistas.
Não há nada de ingênuo, inocente ou aleatório nesse processo. Pelo contrário, estamos diante de um projeto de colonização do imaginário para precisos fins ideológicos e políticos, no qual as plataformas digitais exercem um papel de primeiro plano. Basta lembrar o caso da Cambridge Analytica, empresa de análise de dados que, a partir de informações de usuários do Facebook vendidas pela firma de Mark Zuckerberg, construiu em 2016 campanhas de comunicação baseadas em perfis pessoais para manipular eleitores dos Estados Unidos e do Reino Unido e levá-los a votar, respectivamente, em Trump (em novembro) e a favor do Brexit — a saída do país da Unido Europeia (em junho).
A vitória de Joe Biden contra Trump nas eleições estadunidenses de 2020 e a de Lula sobre Bolsonaro no pleito brasileiro de 2022 pareciam ter posto um freio à ascensão da extrema direita global. Responsáveis pelos atentados golpistas ao Capitolio de Washington e aos palácios da Praça dos Três Poderes de Brasília foram presos, outros estão sendo processados. Na União Europeia entrou em vigor, no segundo semestre de 2022, o Digital Service Act (DSA), uma lei destinada à regulamentação das redes, através da qual se pretende conter o desvio extremista nas democracias do continente, intimamente vinculada à lógica algorítmica das mídias sociais.
No entanto, líderes, partidos, movimentos reacionários, antidemocráticos, xenófobos e misóginos continuam avançando na Europa e nas Américas.
[…]
Enquanto isso, na superfície e nos submundos das redes, sob a bandeira da luta pela liberdade de expressão e outras pautas aparentemente antissistema, a extrema direita continua radicalizando jovens e adultos, seduzindo-os com suas narrativas encantadoras: discursos que não apenas oferecem respostas simples e concretas a seus problemas, saídas aparentemente fáceis contra a crueza e a ferocidade do mundo capitalista, mas também uma boa dose de êxtase e desejo para enfrentar a inércia e os desencantos do cotidiano.
Como quebrar esse feitiço? Eis a pergunta a que este ensaio busca responder. Entretanto, antes de fazê-lo, é preciso entender como funcionam os encantos do populismo conspiratório de extrema direita. É disso que me ocupo no Primeiro Ato do 5 livro (“Da magia do extremismo”). Em seguida, no Interlúdio (“Contra o suprematismo da razão”), abordo criticamente as técnicas de combate às teorias da conspiração e à desinformação de extrema direita, baseadas, em grande medida, em apresentação de dados, checagem de fatos e argumentos lógicos. Por fim, no Segundo Ato (“Quebrar o feitiço”), faço algumas propostas concretas para mudarmos os rumos dessa batalha.
Uma pequena antecipação do que vem por aí: não adianta enfrentar os encantos do extremismo de direita apenas com fatos, dados e raciocínios; se queremos mudar a realidade, precisamos mudar os trilhos da imaginação social, reconquistar a fantasia, inventar e semear histórias, outras histórias. A luta da vez é a luta pela maravilha.
SOBRE PAOLO DEMURU
Paolo Demuru (Sassari, Sardenha, 1981) é doutor em semiótica pela Universidade de Bologna, Itália, e em semiótica e linguística geral pela Universidade de São Paulo. É docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie e pesquisador do Centro de Pesquisas Sociossemióticas da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É vice-presidente da Associação Brasileira de Semiótica e foi coordenador do Grupo de Trabalho Práticas Interacionais, Linguagens e Produção de Sentido na Comunicação da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (2021-2023). Autor do livro Essere in gioco: calcio e cultura tra Brasile e Italia (Bononia University Press, 2014) e de diversos artigos científicos publicados em revistas internacionais. Pesquisa atualmente, em parceria com estudiosos europeus e latino-americanos, sobre a linguagem e as práticas discursivas do populismo digital do século XXI, as teorias de conspiração e outras estratégias de desinformação.
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