Sob protestos, Unicamp aprova autarquização de seu complexo de saúde

Em votação virtual, para impedir protestos, Conselho aprova que gestão do Hospital de Clínicas e demais unidades saia da alçada da universidade. Novo passo rumo à transferência de sua administração para uma fundação privada?

Créditos: Aline Albuquerque/CBN
.

Nesta quinta-feira (18), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) aprovou a transformação de seu complexo de saúde em uma autarquia estadual separada da instituição de ensino superior, em medida questionada pela comunidade universitária.

Hoje integrado à estrutura administrativa da universidade, o complexo de saúde é composto pelo Hospital de Clínicas da Unicamp (HC-Unicamp) e por unidades menores como o Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism), o Hemocentro, o Gastrocentro, o Centro Integrado de Pesquisas Oncohematológicas na Infância (Cipoi), o Centro de Informação e Assistência Toxicológica (CIATox), o Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação (Cepre) e o Centro Clínico Multidisciplinar de Piracicaba.

Em um primeiro momento, a medida repassa o complexo para a Secretaria de Estado da Saúde. No entanto, em entrevista a este boletim, o coordenador-geral do Sindicato dos Trabalhadores da Unicamp (STU), Reginaldo Alves, ressalta: em diversos outros casos, a autarquização meramente antecedeu a transferência da gestão dos hospitais universitários paulistas para fundações de direito privado.

A autarquização foi aprovada pelo Conselho Universitário (Consu), órgão decisório máximo da Unicamp, em votação virtual. Antes, na terça (16), estudantes e trabalhadores da universidade haviam ocupado uma reunião presencial do Consu e forçado a retirada de pauta da proposta, em protesto contra o que veem como uma discussão atropelada pela reitoria.

“Não houve um amplo debate com a comunidade universitária, os estudantes e trabalhadores não foram consultados. O Consu está acontecendo no meio das férias, quando a maior parte da comunidade não está aqui para opinar”, argumenta Laura Khaddour, representante discente no Conselho Universitário.

O episódio fez parte de uma série de mobilizações contra a autarquização que ocorreram no último período. Desde o início da semana, os servidores da área de saúde da Unicamp realizam uma paralisação contra a medida. Um abaixo-assinado contrário à proposta foi lançado pela vereadora de Campinas Mariana Conti (PSOL), que também é funcionária da Unicamp.

“Esse processo abre caminho para o aprofundamento da terceirização no complexo de saúde, que significa fragmentação dos serviços públicos, retirada de direitos dos trabalhadores e piora na assistência à saúde”, argumenta Conti, em entrevista ao Outra Saúde.

Em ocupação do Consu, estudantes, trabalhadores e movimentos sociais denunciaram o “atropelo” na aprovação da autarquização do complexo de saúde da Unicamp. Foto: Reprodução

Em décadas passadas, autarquizações seguidas de transferência da gestão a fundações privadas ocorreu com o Hospital das Clínicas da UNESP de Botucatu, que foi repassado à Famesp, e o Hospital das Clínicas da USP, hoje gerido pela FFM. Mais recentemente, em 2022, foi a vez do Hospital das Clínicas de Bauru, que deixou de ser ligado diretamente à USP e passou a ser administrado pela Faepa.

O sindicato alerta que a troca pode levar a demissões. “Muitos empregos estão em risco. Metade dos que trabalham no complexo de saúde são servidores públicos, mas outra parte é composta por funcionários da Fundação de Desenvolvimento da Unicamp (Funcamp), que não têm estabilidade. Eles podem ser mandados embora, como ocorreu em outros hospitais”, conta Reginaldo Alves.

O imbróglio também envolve um embate financeiro, já que a reitoria alega que a gestão do complexo de saúde é muito cara para a Unicamp. A autarquização, defende o órgão, liberaria R$1,1 bilhão anuais dos recursos da universidade.

Outros caminhos seriam possíveis para aliviar a restrição orçamentária? Em denúncia recente ao Ministério Público realizada junto do mandato da deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL), a vereadora Mariana Conti chamou atenção para o fato de que o Hospital das Clínicas da Unicamp estaria há 12 meses sem receber verbas estaduais via Tabela SUS Paulista. Ao todo, o déficit seria de mais de R$100 milhões. Na visão de Conti, trata-se de uma “chantagem” do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), buscando forçar a autarquização.

“O desfinanciamento da Saúde e da Educação são duas coisas que correm juntas. Ao implementar essa autarquização, a reitoria cria uma armadilha para a própria universidade. Estamos em um momento em que é preciso lutar para garantir mais orçamento para as universidades e o SUS, e não vai ser abrindo mão da administração do seu principal projeto de extensão que a Unicamp vai conseguir isso”, conclui Mariana Conti.

A proposta agora segue para debate na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp).

Sem publicidade ou patrocínio, dependemos de você. Faça parte do nosso grupo de apoiadores e ajude a manter nossa voz livre e plural: apoia.se/outraspalavras

Leia Também: