Ucrânia: a paz possível e o Ocidente ressentido
Numa guerra que já matou centenas de milhares, proposta de Washington e Moscou é a saída realista. Zelensky, mergulhado em corrupção, reage. Europeus agitam a “ameaça russa”, para tentar ocultar sua própria mediocridade e inação
Publicado 25/11/2025 às 20:17 - Atualizado 25/11/2025 às 20:20

Por Patrick Cockburn | Tradução: Antonio Martins
Em 21 de fevereiro de 1916, durante a I Guerra Mundial, o chefe do estado-maior alemão Erich von Falkenhayn lançou uma ofensiva contra o exército francês em Verdun com o objetivo de forçar os franceses a “lançarem todos os homens que têm. Se o fizerem, as forças da França sangrarão até a morte”.
O plano alemão era usar sua vantagem em artilharia para travar uma guerra de atrito em que seu propósito não era conquistar território, mas infligir perdas insuportáveis aos franceses. Ao final desta terrível batalha, em 15 de dezembro de 1916, cerca de 370 mil soldados franceses e 330 mil soldados alemães estavam mortos ou feridos, mas Von Falkenhayn não conseguiu romper o impasse na Frente Ocidental.
Mais de um século depois, a estratégia russa na guerra da Ucrânia é muito semelhante à da Alemanha em Verdun: travar uma batalha de desgaste não para invadir por completo, mas para fazer sangrar a Ucrânia, cuja população é apenas um quinto da da Rússia. Muitas unidades ucranianas estão com efetivos reduzidos, exaustas e desmotivadas, enquanto recrutadores vasculham à força as cidades ucranianas em busca de possíveis soldados relutantes. No entanto, os russos não romperam a linha ucraniana sobrecarregada, e suas próprias baixas são horríveis.
A vantagem na guerra moderna mudou para a defesa. A metralhadora pesada favorecia a defesa em Verdun, assim como o drone controlado remotamente o faz no conflito russo-ucraniano. Abastecer os soldados da linha de frente e até mesmo resgatar os feridos tornou-se uma tarefa incerta e perigosa. Nenhum dos lados quebrou o impasse no campo de batalha até agora, mas o equilíbrio militar inclinou-se significativamente, embora ainda não de forma decisiva, para a Rússia.
O presidente Vladimir Putin perdeu sua chance de conquistar totalmente a Ucrânia quando a invasão surpresa russa, de 24 de fevereiro de 2022, sofreu uma derrota humilhante. A contra-ofensiva ucraniana apoiada pelo Ocidente falhou em 2023. Desde então centenas de milhares de russos e ucranianos foram mortos e feridos. A linha de frente mudou pouco, embora a situação militar, diplomática e política doméstica ucraniana tenha mudado a favor da Rússia.
O sucesso ou fracasso do novo plano de paz de 28 pontos entre EUA e Rússia, cujos detalhes já foram publicados, depende de até que ponto os dois lados estão convencidos de que nunca poderão obter uma vitória completa no campo de batalha. As propostas representam uma tentativa muito mais séria de acabar com a guerra do que os esforços anteriores do presidente Donald Trump. Visam um acordo de paz abrangente, e não um cessar-fogo — algo que a Rússia nunca aceitaria, porque a principal vantagem de Moscou é sua ofensiva militar em câmera lenta em curso.
Enviados norte-americanos apresentaram o plano ao presidente Volodymyr Zelensky na quinta-feira (20/11) e pediram uma resposta até o Dia de Ação de Graças nos EUA, que cai em 27 de novembro. Querem apresentar um plano de paz finalizado a Moscou no início de dezembro. Denunciado por pelo menos um líder europeu como uma capitulação, o acordo proposto parece ser uma base realista para um acordo visando encerrar a guerra. Assim como o acordo de cessar-fogo de Trump em Gaza, ele contém propostas que ambos os lados acharão difíceis de engolir, mas também acharão difícil rejeitar, devido à intensa pressão estadunidense.
Os pontos de conflito para os ucranianos incluem a retirada de suas forças de partes da região de Donetsk que eles ainda controlam, bem como a futura redução do exército ucraniano para 600 mil efetivos, em relação ao seu nível atual de cerca de um milhão. A Ucrânia não poderá ingressar na OTAN e tropas da OTAN não poderão ser estacionadas na Ucrânia, mas ela poderá pleitear a adesão à União Europeia (UE).
Os EUA garantirão qualquer acordo de paz, com medidas punitivas detalhadas para qualquer violação de seus termos. Uma comissão conjunta russo-americana será estabelecida para resolver questões de segurança. A Ucrânia abrirá mão de armas como mísseis de longo alcance e haverá ajuda militar americana reduzida. No geral, o acordo parece prever uma Ucrânia independente, mas neutralizada militarmente.
Qualquer que seja o resultado preciso das manobras diplomáticas nas próximas semanas, um acordo de paz final – e os 28 pontos devem ser lidos na íntegra para serem devidamente compreendidos – provavelmente se parecerá com este plano, pois ele reflete aproximadamente o equilíbrio de poder entre os combatentes. Nem os europeus, nem os ucranianos ousam rejeitar categoricamente os termos de paz, temerosos que estão da ira de Trump. Mas eles estarão ansiosos para garantir as mais fortes garantias possíveis para a soberania da Ucrânia.
O plano dá menos a impressão de caótico e amador do que os esforços anteriores de Trump para acabar com a guerra. As potências europeias podem reclamar que elas e a Ucrânia foram mais uma vez ignoradas pelos EUA e pela Rússia, mas elas só têm a si mesmas para culpar. É extraordinário que, quase quatro anos depois da guerra mais devastadora na Europa desde 1945, elas ainda não tenham apresentado propostas de paz viáveis próprias.
Ao longo da guerra, as potências europeias consistentemente tiveram um desempenho muito abaixo de seu peso. Elas mascararam a ausência de política com retórica belicosa. Uma Russofobia crua – deixemos de lado por um momento até que ponto isso é justificado pelas más ações russas – sufocou o debate ou discussão séria na Europa sobre a guerra.
Políticos e diplomatas europeus sérios – e não apenas generais de poltrona fogosos e outros comentaristas de televisão – adotam comicamente, no curso de uma única entrevista, duas visões totalmente contrárias entre si, sobre a “ameaça russa”. Num momento, a Europa enfrentando uma repetição de 1944/45, com Stalin engolindo a Ucrânia e seus tanques avançando para a Europa Central e Ocidental. No entanto, poucas frases depois, a mesma pessoa argumenta que Putin é militarmente tão fraco que vai ceder e admitir a derrota se sofrer mais algumas sanções econômicas ou se forem fornecidos à Ucrânia alguns mísseis de longo alcance, capazes de alcançar o interior da Rússia.
Quanto à possibilidade de a Rússia usar seu arsenal de armas nucleares, autodeclarados especialistas retratam Putin como um louco por poder e demoníaco; mas, de alguma forma, ele também é reconfortantemente cauteloso e racional o suficiente para nunca considerar usá-las. Na realidade, a CIA supostamente acreditava que havia 50% de chance de a Rússia usar armas nucleares táticas para conter um potencial avanço ucraniano nos primeiros anos da guerra.
A demonização de tudo que é russo – que supera em muito a animosidade em relação à União Soviética no auge da Guerra Fria – extinguiu a tomada de decisão racional no mais alto nível. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, rendeu-se de forma bastante patética e sem luta aos EUA, na disputa sobre tarifas. A UE deu prioridade absoluta a manter o apoio de Trump à Europa, contra a Rússia de Putin. Mas o mesmo exército russo que a liderança da UE vê como uma ameaça mortal não conseguiu tomar a cidade de Kharkiv, a 30 quilômetros da fronteira russa, após quase quatro anos de esforço.
Dada esta falta de realismo básico, os líderes europeus não deveriam reclamar muito por estarem mais uma vez marginalizados pelo último plano de paz EUA-Rússia. Percebendo tardiamente que ele é sério e que estão ficando para trás, os líderes em pânico do Reino Unido, França, Alemanha e Itália reuniram-se no fim de semana em Johannesburgo, onde participam de uma cúpula do G-20.
O plano EUA-Rússia será modificado, mas estabelece uma rota rumo a um acordo de paz final, porque está enraizado em uma realidade política e militar que pode ser desagradável, mas é inescapável se a guerra terminar.
Reflexões Adicionais
Nos últimos dois anos, escrevi periodicamente sobre corrupção na Ucrânia sem que ninguém prestasse muita atenção. Embora histórias de líderes ucranianos embolsando uma porcentagem gorda em todos os contratos há muito sejam comuns entre diplomatas e empresários estrangeiros, essa conversa raramente surgiu na grande mídia – e, quando surgiu, foi apenas de forma truncada
Uma razão principal para este silêncio foi provavelmente que qualquer pessoa que enfatizasse a questão da corrupção era provavelmente denunciada como um representante de Vladimir Putin, interessado em difamar, em hora difícil, uma liderança ucraniana amante da liberdade. Mas a tempestade sempre esteve a beira de eclodir. Neste mês, ela estourou com um estrondo quando as agências anticorrupção ucranianas, sobre as quais o presidente Volodymyr Zelensky tentou assumir o controle em julho, revelaram ter descoberto um esquema de corrupção em grande escala. Nele, contratantes da estatal de energia nuclear foram forçados a pagar US$ 100 milhões em propinas para obter o negócio de agentes internos do governo.
Encorajados por escapar de um fechamento efetivo, o Escritório Nacional Anticorrupção e o Promotor Especial Anticorrupção grampearam os escritórios de suspeitos excessivamente confiantes, que discutiram livremente seus esquemas corruptos de ganhar dinheiro. Há 1000 horas de gravações. Relatos detalhados estão sendo publicados na mídia ucraniana e internacional pela primeira vez, dando à oposição no parlamento uma causa para se unir. Zelensky pode sobreviver, mas apenas jogando ao mar seus aliados próximos.
Uma grande questão é que efeito isso terá na guerra, o conflito sangrento de atrito no qual todos os lados sofrem perdas terríveis, mas a Ucrânia tem uma população muito menor da qual recrutar soldados.
O medo dos aliados ocidentais da Ucrânia tem sido o de que seu próprio público esteja menos disposto a ver ajudas financeiras e de outro tipo serem enviadas à Ucrânia, se acreditar que uma alta proporção está sendo roubada. Outro resultado possível do escândalo é que os soldados ucranianos que lutam na linha de frente desertarão, se sentirem que estão arriscando suas vidas por ladrões bem posicionados em Kiev.
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