SUS e mudanças climáticas: saídas comunitárias

No mês da COP30, tornado atingiu cidade paranaense e reafirmou a necessidade de preparação para desastres ambientais. Força Nacional do SUS é belo exemplo de cuidado abrangente. Mas participação das comunidades é crucial para enfrentar as novas crises

Brigada de Solidariedade produziu quase 2.500 mil marmitas por dia, entre Rio Bonito do Iguaçu, Laranjeiras do Sul e Guarapuava, após desastre climático. Foto: Thiarles França/MST
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Título original: COP30, eventos extremos, Dia da Consciência Negra e Congresso da Abrasco: novembro intenso para o SUS

Realizada em Belém do Pará, a COP30 “definiu 30 objetivos-chave para a ação climática, incluindo a promoção de sistemas de saúde resilientes, com foco no desenvolvimento humano e social. Dessa maneira, o Plano de Ação em Saúde de Belém propõe políticas públicas para enfrentar os impactos das mudanças climáticas na saúde, com ações voltadas para eventos extremos, o fortalecimento de sistemas de alerta precoce e também estratégias de adaptação territorial” (Abrasco, 2025).

A atuação do SUS em desastres sustenta-se em três níveis de cuidado. No primeiro nível estão as ações psicossociais de estabilização emocional e cuidado coletivo, que visam acionar redes comunitárias, promover bem-estar emocional e reduzir sofrimento imediato. Em uma camada intermediária, estima-se que 15% a 25% da população vai necessitar de suporte psicológico breve e intervenções clínicas leves a moderadas. Estima-se que em torno de 2% a 4% da população necessite de atenção especializada (nível 3), que visa garantir tratamento e acompanhamento contínuo para transtornos mentais graves ou persistentes. Esse modelo dá dimensão da importância das ações comunitárias, da solidariedade e da qualidade da rede de serviços existentes antes do impacto do desastre.1

Leia todos os artigos da coluna Saúde É Coletiva, da Abrasco

Em desastres, como o que aconteceu no estado do Paraná, é imprescindível que os primeiros cuidados psicológicos sejam oferecidos por profissionais muito experientes e em consonância com o SUS municipal. Em Rio Bonito do Iguaçu, poucos dias após a passagem do tornado que devastou a cidade, os casos graves e moderados haviam sido mapeados junto a equipe do município e estão em acompanhamento a curto, médio e longo prazo. A Força Nacional do SUS (FNSUS) está presente com equipes experientes em uma escala que está completa para as próximas semanas. Além das estratégias psicossociais, as equipes da FNSUS assumiram a urgência e emergência até o município estabilizar a situação.

Em Rio Bonito do Iguaçu, foram mapeados todos os casos graves e moderados junto à equipe do município e os casos estão em acompanhamento a curto, médio e longo prazo. A atuação da FNSUS visa fortalecer as equipes locais, por meio da valorização do percurso anterior e vínculo com o território, e pode partir da metodologia de apoio às equipes da Atenção Primária em Saúde (APS). Em Rio Bonito do Iguaçu, há equipes de saúde consolidadas, com toda a população coberta pela estratégia de Saúde da Família (ESF) há mais de 10 anos.2

A cozinha solidária do MST, presente em Rio Bonito do Iguaçu, é exemplo de cuidado coletivo; é um sentimento e uma prática da classe trabalhadora que, muito antes de existir o MST, está presente no meio desse povo, enquanto classe. Se materializa em ações coletivas e individuais, em busca do avanço e resistência na luta contra o sistema que explora. O MST tem na sua essência a solidariedade; ela é um dos pilares que dão sustentação para o movimento. A experiência das cozinhas é a forma muito material de solidariedade com o próximo.

Nesse contexto, as cozinhas estão se tornando tanto uma prática determinada pela necessidade como também uma forma de cuidado, transformando alimento em acalento na hora em que as pessoas não têm o que comer. A estruturação da cozinha solidária é rápida; nas enchentes do estado do Rio Grande do Sul e agora, em Rio Bonito do Iguaçu, as cozinhas passaram a operar no segundo dia, produzindo alimento em escala, o que não é simples.

A estrutura que permite essa produção resulta do conhecimento de pessoas assentadas e acampadas que têm domínio do processo da produção de refeições em escala. A proposta é assentada na solidariedade e faz um contraponto a iniciativas demagógicas. As cozinhas solidárias produzem alimento saudável, com qualidade, sabor, cheiro e afeto.

Outra estratégia são as brigadas de reconstrução, que partem do conceito ampliado da materialidade do sentimento humano; ou seja, ser humano com alguém que precisa e não restrito a disputa partidária ou divergência de ideias. A cozinha e as brigadas são espaços de educação tanto para quem recebe a ajuda como para quem exercita. É possível ter uma humanidade mais sensível que pode ver o mundo, aprendendo e ensinando nesse processo.  

O movimento sanitário entende que a resposta à ação climática não pode ser tratada sem a participação comunitária, em especial dos saberes dos povos tradicionais e população negra. Populações em situação de vulnerabilidade são as que produzem menos impacto no ambiente, mas são as que mais sofrem os efeitos dos desastres causados pelas mudanças climáticas.

Povos originários, populações quilombolas, movimentos sociais e ambientalistas indicam alternativas para “adiar o fim do mundo”, como nos ensina Ailton Krenak (2020); as ações para salvar o planeta passam por resgatar o encantamento pela vida e por espaços de existência coletiva, assim como denunciar e enfrentar o capitalismo predatório.

Ao mesmo tempo, é urgente e necessário salvar as vidas mais expostas aos desastres. Em tempos em que o conceito de one health é apresentado como novidade, a saúde coletiva brasileira reafirma a determinação social como referência fundamental também para o desenho de redes de saúde e atuação em eventos extremos3.

Novembro encerra com o 14º Abrascão, que traz o tema: Democracia, Equidade e Justiça Climática: saúde e os enfrentamentos dos desafios do século 21. O tema escolhido representa o compromisso da Abrasco em destinar espaços para que as grandes questões presentes no cotidiano da sociedade sejam amplamente debatidas, tópicos cruciais para a promoção do bem-viver das pessoas. O congresso da Abrasco terá cursos e mesas que vão abordar o racismo ambiental, as estratégias de apoio para regiões afetadas por desastres, o fortalecimento da APS e outros temas importantes para atuação do SUS em Emergências de Saúde Pública (ESP).

A saúde coletiva, em seu congresso, tecerá essa complexa trama de conceitos para ação e análise de intervenções. Nesse contexto, o enfrentamento do impacto das mudanças climáticas, no Brasil, tem o lastro dos movimentos sociais e, especialmente, de um sistema de acesso universal que, mais do que nunca, precisa ser reafirmado e defendido.

Reforçar características que confiram maior resiliência ao SUS exige enfrentar, de forma urgente, a escalada de privatizações e a precarização dos vínculos de trabalho, pois a permanência de equipes locais é que garante a composição de ofertas externas para produção de cuidados contínuos com orientação comunitária e territorial. O Congresso de Saúde Coletiva será um espaço de defesa do SUS e deve apresentar ao Brasil pistas importantes para o fortalecimento de movimentos, políticas e redes de cuidado orientadas pela determinação socioambiental da saúde.


Referências:

Krenak, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

ABRASCO. COP30: Abrasco lidera consenso internacional e protagoniza elaboração do Plano de Ação em Saúde de Belém. Disponível em: https://abrasco.org.br/cop30-abrasco-lidera-consenso-internacional-e-protagoniza-elaboracao-do-plano-de-acao-em-saude-de-belem/. Acesso: 18nov2025

BRASIL.  Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção Especializada à Saúde, Coordenação-Geral da Força Nacional do SUS. Estratégia de Saúde Mental e Atenção Psicossocial da FNSUS. Disponível em: https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202511/ministerio-da-saude-envia-forca-nacional-do-sus-para-reforcar-assistencia-e-saude-mental-apos-tornado-no-parana. Acesso: 19nov2025

1 Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Especializada à Saúde Coordenação-Geral da Força Nacional do SUS. Estratégia de Saúde Mental e Atenção Psicossocial da FNSUS. Coordenação Geral: Rodrigo Stabeli e Marcelo Kimati (Documento para orientação de equipes)

2 Informações obtidas junto ao Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde – CNES. Disponível em: https://cnes.datasus.gov.br/pages/estabelecimentos/consulta.jsp. Acesso em 10nov2025.

3 A esse respeito, ver entrevista com Lia Giraldo, em 24/11/25. “One Health é uma repaginação ultrapassada”, afirma Lia Giraldo. Disponível em: https://cebes.org.br/one-health-e-uma-repaginacao-ultrapassada-afirma-lia-giraldo/40353/. Acesso em 25nov2025.

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