Bares e restaurantes: por que a jornada precisa cair
Setor é marcado por pressão alta e constante sobre os trabalhadores – que ganham pouco e sofrem alta rotatividade. Quase todos são informais e precários, mas patrões rejeitam o fim da escala 6×1. Porém, estudo mostra dupla melhoria com a redução das horas trabalhadas
Publicado 10/11/2025 às 16:40 - Atualizado 10/11/2025 às 16:44

Este texto, originalmente intitulado A escala 6×1 nos serviços de alimentação fora do lar: impactos e debate foi escrito por Luciana de Oliveira Silva e faz parte de um dossiê organizado pelo Cesit/Unicamp, Site DMT, Remir, GEPT/UNB e FCE/UFRGS e publicado em parceria com o Outras Palavras. Leia aqui a série completa
Os avanços das discussões sobre o fim da jornada de trabalho 6X1 tem gerado debate no Brasil, particularmente no setor de alimentação fora do lar (AFL). Em termos de número de estabelecimentos e geração de emprego é um segmento significativo dentre as atividades econômicas no país. Caracterizado por acompanhar a dinâmica econômica e pela predominância de micro e pequenas empresas, o segmento historicamente adota modelos flexíveis e precários de trabalho, com jornadas mais atípicas e despadronizadas em comparação com a população ocupada total (POT) (Silva, 2021).
Diante desse cenário, instituições representativas dos empreendimentos gastronômicos, a sociedade e trabalhadores do setor reagiram sobre os possíveis impactos da redução da jornada e alteração de escala.
O presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) argumentou que o fim da escala 6X1 sem redução de salário poderia gerar consequências negativas, como a inviabilização de pequenos e médios negócios gastronômicos, devido ao aumento estimado dos custos com mão de obra. Ele enfatizou também que a falta de flexibilidade nas escalas de trabalho, relevante para o setor de alimentação fora do lar, poderia levar ao aumento da informalidade e à perda de postos de trabalho (Solmucci, 2024).
Ainda segundo o presidente da Abrasel, os impactos do fim da escala 6X1 sem reduções salariais seriam o aumento de preços e insolvência dos empreendimentos que já atuam com margens de lucro baixas; já do lado da demanda, a alteração de horários de abertura de um estabelecimento não seria viável, uma vez que os clientes possuem a expectativa de encontrar os locais abertos em todos os dias da semana (Solmucci, 2024).
Contrapondo esses argumentos, a proposta do texto é demonstrar que o fim da escala 6X1 e a redução da jornada de trabalho no setor de alimentação fora do lar podem resultar em uma dupla melhoria: tanto na qualidade de vida dos trabalhadores quanto na sustentabilidade dos negócios.
Do ponto de vista do bem-estar dos trabalhadores, o fim da escala 6X1 e a redução da jornada sem reduzir os salários são medidas necessárias para a aumentar qualidade de vida do trabalhador do setor e estratégicas para combater a alta rotatividade das equipes. Em uma pesquisa do SEBRAE (2016), os trabalhadores destacaram dois aspectos que mais influenciaram para a sua saída do trabalho: o desgaste físico e o fato de trabalharem em finais de semana (além dos dias da semana).
Ademais, em entrevistas com os trabalhadores, a falta de ergonomia, o longo período em pé e as jornadas extensas foram citados como fatores que intensificam as já difíceis condições físicas de suas jornadas, conforme relatos (Silva, 2021). A saúde mental também é severamente impactada, com outros trabalhadores destacando elementos prejudiciais: “[…] a pressão é constante e alta, o que pode ser bastante desgastante também. No geral, é uma profissão bem desvalorizada e informal, na grande parte das vezes […]” (Silva, 2021, p. 88).
Nesse sentido, a implementação da redução da jornada e a busca por alternativas para a escala 6X1 são medidas que atenuam os fatores comprometedores do bem-estar. Os resultados do relatório “Piloto da semana de 4 dias no Brasil: relatório de 1 ano” apontaram a redução do desgaste emocional e exaustão, melhorias na saúde física e mental dos trabalhadores, que relataram menor ansiedade, insônia e maior adesão às atividades físicas (4 Day Week Brazil, Reconnect Happiness at Work & Human Sustainability e Fundação Getulio Vargas – Escola de Administração de Empresas de São Paulo, 2025).
Ao serem questionados a respeito dos fatores valorizados para trabalhar em um estabelecimento de serviços de alimentação, os trabalhadores apontaram como elemento mais importante o clima organizacional, ou seja, o bom ambiente de trabalho, superando o salário que ficou em segundo lugar (Silva, 2021).
Esse dado evidencia a necessidade dos empregadores do setor em priorizarem as melhores condições de jornada a fim de construírem um ambiente de trabalho saudável. Tal ação é benéfica não apenas para o bem-estar dos trabalhadores, mas também para mitigar a alta rotatividade, problema crônico e de fato custoso para os empregadores.
Sobre os impactos negativos que o fim da escala 6X1 poderia causar no setor, a afirmação de que a medida resultaria na queda de postos de trabalho e demissões pode não se concretizar. Para manter o horário e dias de funcionamento em razão da demanda dos consumidores, os empreendedores provavelmente precisarão ajustar suas escalas, o que, por sua vez, demandaria a contratação de mais pessoas. Isto é, há um potencial de crescimento das ocupações com o fim da escala 6X1. Contudo, essa transição levanta outras preocupações mencionadas pelo presidente da Abrasel: o aumento dos custos operacionais decorrentes dessas novas contratações e aumento da informalidade.
Cabe apontar que as formas de contratação das equipes de salão e cozinha são diversas, como a contratação com carteira assinada com jornada integral ou parcial, contratos formais atípicos como o intermitente, introduzido pela Reforma Trabalhista e opções não formais conhecidas no setor como trabalho “freela” ou “extra”. Observa-se um movimento de trânsito contínuo dos trabalhadores entre o vínculo formal e informal nesse segmento (Silva, 2021).
A informalidade, portanto, não seria uma consequência exclusiva do fim da escala 6X1, mas sim uma prática já adotada pelo setor. Comparado à POT, a proporção de trabalhadores sem carteira e por conta própria foi consideravelmente maior no setor de alimentação entre 2012 e 2019. Como exemplificado pelo depoimento de um ex-atendente, “[…] o costume de contratação freela é grande – o que não nos garante direitos trabalhistas” (Silva, 2021, p. 84), indicando que essa modalidade já é uma prática consolidada, principalmente em estabelecimentos menos estruturados[i].
Após abordar particularidades do segmento de alimentação fora do lar, reconhecer sua importância para a economia e mercado de trabalho nacional e ressaltar a relação entre aumento da qualidade de vida do trabalhador com a redução da rotatividade, a questão que se impõe é: como viabilizar economicamente os negócios do setor de alimentação fora do lar, considerando que a redução da jornada sem diminuição salarial elevará os custos de mão de obra?
A estrutura de custos de cada negócio é única, variando conforme cada estabelecimento e o impacto da alteração da jornada de trabalho será diretamente relacionada à eficácia do controle de seus gastos operacionais. O cenário do fim da escala 6X1 e a adoção da escala 4X3 implicaria em custos adicionais trabalhistas em um estabelecimento gastronômico, o que exige por parte do empregador uma reestruturação do escalonamento das equipes caso mantenha os dias e horários de funcionamento.
Porém, existem oportunidades e externalidades positivas que podem compensar os custos adicionais. Além dos gastos associados à contratação da equipe, outras despesas são responsáveis pelo resultado líquido (lucro ou prejuízo) de um negócio como os gastos com insumos, responsáveis por grande parte dos custos de produção[ii] (Valli, 2021).
Em uma cartilha da própria Abrasel desenvolvida em parceria com o SEBRAE (Lara, 2024) são apresentadas estratégias para aumentar a produtividade em bares e restaurantes através de uma abordagem integrada. A cartilha cita pilares como implementação de sistemas de gestão, treinamento de equipe, cardápio enxuto e otimizado, gestão de estoque, planejamento, eficiência na cozinha e criação de um ambiente de trabalho positivo que resultam em maior produtividade, redução de custos e melhor qualidade dos produtos e serviços oferecidos, contribuindo para a lucratividade do empreendimento.
O aumento da produtividade é uma das externalidades positivas decorrentes da diminuição de jornada que, aliada às outras estratégias, torna o negócio mais eficiente. Conforme demonstrado no “Piloto da semana de 4 dias no Brasil: relatório de 1 ano” (4 Day Week Brazil, Reconnect Happiness at Work & Human Sustainability e Fundação Getulio Vargas – Escola de Administração de Empresas de São Paulo, 2025), os participantes apontaram mudanças que impactaram a produtividade, como a priorização das tarefas mais importantes e a adoção de formas eficientes de desempenho.
Em suma, apesar do aumento de custos com o trabalho, a viabilidade dos negócios do setor AFL pode ser assegurada por meio de uma gestão rigorosa das despesas operacionais e com a criação de um ambiente de trabalho de maior qualidade para os trabalhadores que terão mais dias de folga, portanto, mais tempo disponível para frequentar e consumir (mantido os salários) serviços de lazer e entretenimento.
Vale a pena enfatizar o aspecto social da alimentação, que segundo o sociólogo Jean-Pierre Poulain (2013), é central do ponto de vista de interações sociais e do convívio. Para ele, o ato de se alimentar constrói identidades, culturas e relações sociais. Essas relações sociais também são um pilar de satisfação dos trabalhadores do setor que destacaram em entrevistas (Silva, 2021) a interação com o cliente e o convívio com a equipe como uma experiência gratificante ao trabalhar nesse segmento. Termos como: “pessoas”, “equipe”, “cliente” e “comunicação” foram amplamente citados pelos trabalhadores ao tratar dos aspectos positivos em atuar no setor, evidenciando a importância do caráter social presente nas interações entre colegas, entre a equipe e os proprietários, e, entre a equipe e os clientes. Palavras como “amizade” e “público” reforçam a relevância dessas conexões.
Por fim, essa valorização das relações interpessoais e do dinamismo do contato com o público e com a equipe mostra que, embora haja desafios significativos na qualidade de vida do trabalhador, o ambiente no setor de alimentação fora do lar possui características que geram satisfação e engajamento. Assim, a busca por melhores condições de jornada sem redução de salário e a manutenção desses pontos fortes são necessárias para um futuro sustentável e atrativo para os profissionais (trabalhadores e empregadores) do setor.
Referências
4 DAY WEEK BRAZIL; RECONNECT HAPPINESS AT WORK & HUMAN SUSTAINABILITY; FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS – ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE SÃO PAULO. Piloto da semana de 4 dias no Brasil: relatório de 1 ano. São Paulo: 4 Day Week Brazil, jan. 2025. 24 p. [Relatório de Pesquisa].
LARA, A. Como aumentar a produtividade no seu bar ou restaurante. ABRASEL; SEBRAE, 2024. Disponível em: https://redeabrasel.abrasel.com.br/read-blog/470_como-aumentar-a-produtividade-no-seu-bar-ou-restaurante.html.
POULAIN, J.-P. Sociologias da alimentação: os comedores e o espaço social alimentar. Florianópolis: Editora da UFSC, 2013.
SEBRAE-SP. Pesquisa setor/segmento alimentação fora do lar. São Paulo: SEBRAE-SP, 2016. [Relatório de Pesquisa].
SILVA, L. O. O mercado de trabalho do setor de alimentação fora do lar: um estudo de caso das relações de trabalho no município de Campinas. [Dissertação de Mestrado]. Campinas: UNICAMP, 2021.
SOLMUCCI, P. Proibir a jornada 6×1 é bom para o país? Não. Folha de S.Paulo, São Paulo, 15 nov. 2024. Opinião. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2024/11/proibir-a-jornada-6×1-e-bom-para-o-pais-nao.shtml.
VALLI, E. Custo de Mercadoria Vendida: o que é e por que os restaurantes devem dar atenção? Sebrae Digital, 29 nov. 2021. Disponível em: https://digital.sebraers.com.br/blog/financas/custo-de-mercadoria-vendida-o-que-e-e-por-que-os-restaurantes-devem-dar-atencao/ .
Notas
[i] Em estabelecimentos mais estruturados busca-se uma padronização de atendimento e cozinha. Nesses locais, a preferência de contratação é o contrato por prazo indeterminado (Silva, 2021).
[ii] O custo da matéria vendida (CMV) é um dos maiores gastos dos serviços de alimentação, variando entre 25% e 40% da receita (Valli, 2021).
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