Trump: um passo em falso na Rússia
Presidente, em delírio de grandeza, sonha ser visto como o Grande Pacificador e entrar para a História. Ucrânia é oportunidade. Porém, busca trégua para ganho político imediato, não solução duradoura. Kremlin percebeu; por isso, não recua
Publicado 05/11/2025 às 15:36 - Atualizado 05/11/2025 às 15:51

Por Dmitri Trenin, no blog de Rafael Poch de Feliu | Tradução: Rôney Rodrigues
No último ano, os comentaristas russos transformaram-se, em grande medida, em “trumpólogos”. Qualquer declaração do presidente dos Estados Unidos – e frequentemente há várias por dia – torna-se objeto da mais atenta observação e de debates acalorados. Uma vez que as declarações de Trump frequentemente contradizem as anteriores, acompanhar o fio de seu pensamento é uma atividade eletrizante, uma espécie de montanha-russa virtual. É emocionante.
No entanto, não devemos nos entusiasmar demais. A tática de Trump é, em geral, compreensível. Por vezes, ele é grosseiro e ameaçador; noutras, adulador e tranquilizador. Às vezes é amigo, outras vezes é inimigo. É mais importante compreender se existe alguma estratégia por trás dessa tática. Nos nove meses do segundo mandato de Trump, acumulou-se material suficiente para tirar conclusões preliminares.
Em primeiro lugar, Trump aspira tornar-se o maior presidente da história dos Estados Unidos. Sua estratégia concentra-se principalmente em alcançar a grandeza pessoal.
Em segundo lugar, ele busca aniquilar os concorrentes econômicos dos Estados Unidos.
Em terceiro lugar, almeja conquistar a fama de pacificador global, tanto para si mesmo quanto para os Estados Unidos.
Para a Rússia, o importante é precisamente o terceiro ponto. Para Trump, a paz é, na realidade, uma trégua. Ele não tem nem o desejo nem a paciência para alcançar um verdadeiro acordo de paz. O principal é reunir num só local os representantes das partes em conflito e, elevando-se acima deles, anunciar a chegada da “paz”. Trump não está interessado no que acontece depois: a responsabilidade pelo reinício das guerras caberá a outros, enquanto ele permanecerá como o pacificador. Quando esta fórmula não funciona, Trump “fica zangado”, “cansa-se”, “desilude-se” e ameaça usar a força para obrigar os intransigentes a aceitarem suas condições de paz.
Com a Rússia, esta fórmula não funciona. Infelizmente, a fórmula russa também não funciona com Trump: explicar ao presidente estadunidense quais são as causas profundas da crise ucraniana e por que as condições propostas por Moscou não são “maximalistas”, mas sim minimamente necessárias para alcançar uma paz duradoura. Trump vive o “aqui e agora”; a história não significa nada para ele. Como resultado, o diálogo com ele já dura oito meses, e a “luz no fim do túnel” aparece e desaparece.
Há uma razão externa importante para isso. Apesar de sua imensa “grandeza”, Donald Trump não é uma figura totalmente independente. Ele não é o “czar da América” nem o “imperador do mundo ocidental”. Ele não pode ignorar seus vassalos europeus, independentemente do que pense deles pessoalmente. E muito menos pode ignorar seus companheiros republicanos e seus oponentes democratas nos Estados Unidos, praticamente unânimes em sua atitude hostil, para não dizer russofóbica, em relação à Rússia. Ele não pode e não poderá fazê-lo.
A “operação diplomática especial” (nome que faz um trocadilho com a denominação russa da invasão da Ucrânia, qualificada como “Operação Militar Especial”), o diálogo dos dirigentes russos com o presidente Trump, foi útil. Demonstrou aos parceiros da Rússia o desejo sincero de Moscou de alcançar uma paz justa e duradoura. Demonstrou ao exército russo e ao povo russo o compromisso dos líderes do país com os objetivos declarados da Operação Militar Especial. Por fim, demonstrou aos próprios líderes russos os limites das possibilidades de Donald Trump. Apesar do cancelamento ou do adiamento do novo encontro entre Putin e Trump, o diálogo entre o Kremlin e a Casa Branca continua, mas agora em duas “vias” paralelas: Lavrov-Rubio e Dmitriev-Whitcoff. No entanto, é preciso compreender a função da diplomacia na guerra. Consiste em consolidar os resultados obtidos no teatro de operações. Uma operação diplomática especial pode ser útil, mas não pode substituir uma operação militar especial.
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