A jogada da ala “cristã” para capturar o Congresso
Religiosos querem formalizar sua bancada, apesar de já serem majoritários e comandarem metade das lideranças de federações e blocos parlamentares. Miram cadeira no Colégio de Líderes – crucial nas negociações da Câmara – para impor agenda de retrocessos
Publicado 05/11/2025 às 15:17 - Atualizado 05/11/2025 às 15:18
O Colégio de Líderes é um espaço crucial das negociações na Câmara dos Deputados. Aí têm voz e voto as/os líderes de cada partido, da maioria, da minoria (oposição) e dos blocos parlamentares. É o lugar que acaba decidindo o que entra ou não em votação. Além de sinalizar ao presidente da Câmara o que tem chance ou não de ser aprovado.
Fora dos partidos e blocos, exceção se abriu para as mulheres parlamentares e os parlamentares negros, que sempre estiveram excluídos desse lugar de processamento de conflitos e realização de acordos importantes para o debate político e o processo legislativo. A criação de uma Bancada Temática como a Bancada Feminina, instituída pela resolução n° 31 de 2013[1], representa conquista de uma luta intensa das mulheres. Em 2023, pela resolução n° 6 de 2023, foi criada a Bancada Negra[2].
Agora, um grupo majoritário, sedento de poder, quer assento no Colégio de Líderes. Os parlamentares que se autointitulam cristãos. Muito longe de estarem sub-representados, sempre estiveram amplamente assentados no Colégio de Líderes, eles são 16 entre os 25 parlamentares que compõe essa instância de assessoramento ao Presidente da Câmara. Não há, portanto, justificativa plausível para agravar ainda mais tamanha desigualdade e tal desrespeito ao princípio da laicidade do Estado.
A atenção e o respeito aos princípios constitucionais e democráticos não é exatamente o que marca a atual Legislatura. Por isso mesmo, um requerimento para analisar em regime de urgência o tal Projeto de Resolução 71/2025 que visa alterar o Regimento Interno da Câmara para incluir representante da Bancada Cristã no Colégio de Líderes foi aprovado com 398 votos favoráveis e 30 contrários!!!
O regime de urgência significa que esta proposição estará sempre entre os primeiros itens da pauta das sessões da Câmara. E, a menos que os parlamentares optem por uma inversão de pauta, ela tem que ser discutida e votada.
O requerimento para votação em regime de urgência foi apresentado pelos coordenadores das Frentes Parlamentares Evangélicas e Católica em funcionamento na Câmara. Bancadas temáticas, como são nominadas as Bancadas negra e feminina, têm assento no Colégio de Líderes, opinam sobre as prioridades de projetos, falam em nome dessas Bancadas em Plenário, dependendo do número de parlamentares, podem até pedir votação secreta[3] .
As notícias sobre a criação da nova Bancada denominada cristã, informam que a prioridade será enfrentar as pautas de costumes e incidir nas políticas de saúde e educação e, conforme reportagem do UOL, derrubar a resolução do nº 258/2024 do CONANDA, sobre o atendimento a vítimas de violência sexual.
O debate sobre a criação da Bancada Cristã, acontece num momento em que os direitos assegurados para mulheres, meninas e pessoas que gestam, estão sob ataque no Congresso Nacional. O campo dito “cristão” reivindica mais espaços, o fazem em nome de 80% que, segundo eles é a composição de cristãos no Brasil.
É importante lembrar que cabe ao Colégio de Líderes assessorar a Presidência da Câmara na organização da agenda com a previsão das propostas que serão discutidas e votadas no Plenário, definir a Ordem do Dia (pauta), convocar as sessões, prever a agenda futura; nomear Comissões Especiais. Para tudo isso, a presidência sempre deve, previamente, ouvir e acordar com o Colégio de Líderes.
Mas afinal o que significa ter mais um líder no Plenário? Todos os líderes têm as seguintes prerrogativas[4]:
Nas comissões
- participam da escolha dos candidatos à presidência das comissões
- indicam e substituem os integrantes da bancada nas comissões
- têm direito a fazer comunicação de liderança
- participam das reuniões com direito a voz e verificação da votação
- pedem o adiamento da discussão ou da votação de uma proposta
- apresentam destaques, emendas, requerimentos e outras ferramentas regimentais
No Plenário
- indicam se a bancada é favorável ou contrária à proposta
- têm direito a fazer comunicação de liderança
- pedem o adiamento da discussão ou da votação de uma proposta
- apresentam destaques, emendas, requerimentos e outras ferramentas regimentais
Na Articulação Política
- participam do Colégio de Líderes
- reúnem a bancada para discutir as propostas
- participam de reuniões com relatores de propostas e agentes interessados
- apresentam requerimento de urgência para votação de propostas
- pedem a criação de comissão especial para discutir e votar temas complexos
É evidente a sobre-representatividade da Bancada Cristã em todos os lugares de poder e decisão da Câmara dos Deputados.
No mapeamento realizado pelo CFEMEA, Análises feministas antirracistas: Grupos ideológicos no Congresso: Grupos ideológicos do Congresso Nacional (2023-2026) [5] vemos que já estão no comando de PRATICAMENTE a metade das lideranças de federações, blocos, partidos, liderança de maioria e de minoria. Temos 16 líderes entre as categorias, Cristão (sem denominação) evangélico e católico. Outros não declararam, o que pode gerar suspeitas de que essa representatividade possa ser ainda maior.
Bloco parlamentar: AVANTE, SOLIDARIEDADE, PRD
Integrantes: 18
Líder: Aureo Ribeiro – evangélico
Bloco parlamentar: UNIÃO, PP, PSD, REPUBLICANOS, MDB, Federação PSDB CIDADANIA, PODE
Integrantes: 275
Líder: Não há líder indicado.
Das Três Federações:
Federação PT-PCdoB-PV – Lindberg Farias PT/RJ – não declarou
Federação PSOL-REDE – Talíria Petrone – não declarou
Federação PSDB-CIDADANIA – Lider – Adolfo Viana – PSDB/BA – não declarou
Dos líderes de Partidos:
PDT – 16
Líder: Mario Hering – PDT/MG católico
PSB – 16
Líder: Pedro Campo – PSB-PE – não declarou religião
PSOL – 15
Talíria Petrone – PSOL/RJ não declarou religião que também é líder da federação PSOL-REDE
NOVO – 5
Líder: Marcel Van Hattem – NOVO/RS – não declarou – integra a bancada evangélica
PL – 88
Líder – Sóstenes Cavalcante – PL/RJ – Evangélico
UNIÃO – União Brasil – 59
Líder: Pedro Lucas Fernandes UNIÃO/MA – Cristão
PP – Progressistas – 50
Líder: Doutor Luizinho – PP/RJ – Católica
PSD – Partido Social Democrático – 55
Líder: Antonio Luiz Paranhos Ribeiro Leite de Brito – PSD/BA – Cristão
REPUBLICANOS – 45
Líder: Gilberto Abramo – MG – Evangélico
MDB – Movimento Democrático Brasileiro – 42
Líder: Isnaldo Bulhões Jr. MDB/AL – não declarou
PODE – Podemos 17
Líder: Rodrigo Gambale Podemos SP – não declarou – integra a Bancada Católica
AVANTE – 8
Líder: Neto Carletto – Avante/BA cristão
SOLIDARIEDADE – 5
Líder: Aureo Ribeiro – Solidariedade RJ- evangélico
PRD – Partido Renovação Democrática
Líder: Fred Costa PRD – MG – não declarou – integra a Bancada Católica
Líderes do Governo
José Guimarães – PT/CE – Federação PT-PCdoB-PV
LÍDER DA MAIORIA
Arlindo Chinaglia – PT/SP – não declarou
Líder da oposição
Luciano Zucco – PL/RS – Não declarou
Minoria – Liderança da Minoria
Líder: Caroline de Toni– PL/RJ – Católica
Bancada Feminina
Integrantes: 89
Coordenador-Geral: Jack Rocha – não declarou
Bancada Negra
Integrantes: 137
Coordenador-Geral: Damião Feliciano – Católico
Enfim, não se trata de representatividade, e sim de mostrar que o conservadorismo, a extrema direita fundamentalista, tem força suficiente para aniquilar a democracia, os direitos sociais, bem como todas as conquistas dos setores populares, dentre eles os direitos das mulheres, da população negra, dos povos originários e tradicionais dos últimos 50 anos.
Notas
[1] https://www2.camara.leg.br/legin/fed/rescad/2013/resolucaodacamaradosdeputados-31-10-julho-2013-776515-publicaca
[2] https://www2.camara.leg.br/legin/fed/rescad/2023/resolucaodacamaradosdeputados-6-1-novembro-2023-795119-publicacaooriginal-170576-pl.html
[3] https://www.camara.leg.br/deputados/liderancas-e-bancadas-partidarias/prerrogativas-do-lider
[4]https://www.camara.leg.br/deputados/liderancas-e-bancadas-partidarias/prerrogativas-do-lider
[5] https://cfemea.org.br/index.php/eleicoes/perfil-parlamentar-2023-2026-sob-a-%C3%B3tica-da-agenda-feminista-2023.html
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