O socialista que pode conquistar Nova York
Como Zohran Mamdani pode tornar-se prefeito da maior cidade dos EUA. Por que seu programa, ao mesmo tempo pós-capitalista e pragmático, ganhou a juventude e reconstruiu a militância política. O que ele diz à esquerda em todo o mundo
Publicado 03/11/2025 às 16:42 - Atualizado 03/11/2025 às 17:19

Num país em que a ultradireita dominou a agenda e a narrativa política, e em que o Partido Democrata encolhe-se e se burocratiza, há espaço para uma esquerda disposta a questionar as relações capitalistas? A trajetória de Zohran Mamdami, um jovem deputado filho de imigrantes e nascido na África, sugere que sim. Há um ano, quando anunciou sua candidatura a prefeito de Nova York, ele era um azarão perfeito: jovem (34 anos) e integrante dos Socialistas Democráticos dos EUA (DSA), no momento em que popularidade de Trump atingia o auge e ele se preparava para chegar à presidência. O que o levou a tornar-se o vencedor provável, nas eleições marcadas para amanhã (4/11)? Como ele foi capaz de se manter fiel a seu projeto pós-capitalista e a traduzi-lo, ao mesmo tempo, numa pauta de políticas compreensíveis pelas maiorias, e que se adotadas transformarão o quotidiano da população? De que forma sua possível vitória estabelecerá um confronto com Trump e o que ela dirá a quem luta, em outras partes do planeta, por cidades para todos?
Uma mostra da importância e do que está em jogo na disputa pela prefeitura da metrópole estadunidense pôde ser vista no bairro do Queens, em 27 de outubro, quando Mamdani discursou em um evento com 13 mil apoiadores ao lado do senador Bernie Sanders e da congressista novaiorquina Alexandria Ocasio-Cortez, os dois principais representantes da esquerda do Partido Democrata. O candidato, integrante do coletivo Socialistas Democráticos dos EUA, promoveu uma campanha que mobilizou dezenas de milhares de pessoas, em especial os jovens, muitos deles até então afastados da política institucional. Um reflexo desse engajamento foi o número recorde de 164 mil pessoas que já anteciparam seu voto, demonstrando entusiasmo e aproveitando-se dos dispositivos legais que permitem esta definição prévia da escolha eleitoral.
Além de enfrentar uma natural resistência, em especial dos conservadores, Mamdani também encontra resistência em seu próprio partido, algo já enfrentado por Sanders nas disputas das primárias presidenciais em 2016 e 2020, em uma versão piorada, já que ele é o candidato oficial da legenda. Alguns, como o líder da minoria na Câmara, o congressista democrata Hakeem Jeffries, tardaram a demonstrar seu apoio. Outros trabalham efetivamente contra, como destaca o ex-secretário do Trabalho dos EUA e professor emérito de políticas públicas na Universidade da Califórnia, Berkeley, Robert Reich, neste artigo do The Guardian. O líder da minoria no Senado e representante de Nova York na Casa, Chuck Schumer, não endossou a candidatura de Mamdani e o ex-presidente Bill Clinton apoiou Andrew Cuomo.
“Enquanto isso, o conselho editorial do New York Times aconselha ‘moderação’, instando os candidatos democratas a se moverem para o ‘centro’. Diga-me: onde está o centro entre a democracia e o fascismo, e por que alguém iria querer ir para lá?”, questiona Reich. “Na verdade, o chamado ‘centro moderado’ do Times é um código para democratas corporativos que usam rios de dinheiro para conquistar eleitores ‘indecisos’ culturalmente conservadores – que é o que o Partido Democrata vem fazendo há décadas.”
Na declaração de apoio de Jeffries, contudo, é possível ler um dos motivos do sucesso do jovem postulante à prefeitura e filho de pais indianos, nascido em Kampala, capital de Uganda, que se mudou para Nova York com sua família aos 7 anos. “Respeito profundamente a vontade dos eleitores das primárias e dos jovens que foram inspirados a participar do processo eleitoral”, disse o congressista em um comunicado. “Zohran Mamdani tem se concentrado incansavelmente no enfrentamento da crise de acessibilidade econômica e se comprometeu explicitamente a ser um prefeito para todos os nova-iorquinos”, pontuou.
Quem também aparentemente se convenceu ao menos a ficar atento em relação à campanha do democrata foi o ex-presidente Barack Obama. Antes de participar de comícios na Virgínia e em Nova Jersey no sábado (30), ele telefonou para Mamdani, o que não significou um apoio declarado (seus assessores atribuem isso a uma política de não envolvimento em eleições para prefeito). Contudo, uma pessoa que teria acompanhado a conversa disse à CNN, que o ex-mandatário teria considerado a campanha do socialista democrático “impressionante de se acompanhar” e se ofereceu para ser um “conselheiro” daqui para frente.
O cotidiano das pessoas, nas redes e ruas
Mamdani propõe uma “cidade para todos”. Diferente de muitos democratas que acham ser suficiente no atual contexto simplesmente ser contra Trump, o jovem candidato aborda questões concretas, orientadas a partir de sua orientação ideológica e de visão de mundo. Em junho, a co-presidenta do Partido Socialista Democrático da América (DSA) de Nova York, Grace Mausser, já apontava que três Ms eram fundamentais na empreitada do candidato: mensagem, meio e movimento, com três propostas principais. “Ônibus rápidos e gratuitos, congelamento dos aluguéis, creches gratuitas. É tão fácil de lembrar. As pessoas sabem disso, e é repetido inúmeras vezes.”
“Quando começamos, sabíamos que o caminho para a vitória era estreito”, pontuou Grace, em entrevista ao The Guardian. “Não disputamos eleições por razões puramente morais ou para defender um ponto, como o Partido Verde nos EUA, que fracassou em seu projeto.” Essa estratégia se tornou fundamental para combater o que ela chama de “guerra cultural”, projetada para forçar os esquerdistas a adotarem uma postura defensiva, pautados por temas de extremistas de direita.
Ao site The Hill, um estrategista democrata resumiu o que entende ser uma das razões do sucesso do deputado estadual novaiorquino na sua forma de transmitir propostas, parafraseando um outro prócer da legenda: “É a autenticidade, estúpido!”. “Mamdani está mostrando que pelo menos parte do caminho a seguir para os democratas é parar de fugir de suas fraquezas conhecidas; em vez disso, encará-las.” Um outro estrategista democrata, Eddie Vale, vai na mesma direção. “A lição que todos podem aprender e praticar é simplesmente ser normal. Falar como um ser humano. Participar de eventos, produzir conteúdo digital e podcasts, onde pessoas comuns estejam presentes.”
“Existem alguns fatores-chave que se destacam: parecer envolvente sem ser artificial”, explica, em entrevista ao Outras Palavras, a pesquisadora em Política e Educação Cívica Digital do Laboratório de Discurso Digital da University College London, Emma Connolly. Ela disseca a forma de atuação de Mamdani naquele que se tornou um de seus principais nichos, as redes sociais. “É leve, mas sustentado por uma estratégia clara. É ativo, em vez de passivo: os vídeos frequentemente contêm links para registro de eleitores, horários de debates na TV e informações práticas destinadas a mobilizar apoiadores. Há um fio estético que percorre todas as contas – o que é um bom branding – mas não soa autoritário nem parece excessivamente corporativo. O uso de conteúdo multilíngue e a capitalização da atividade viral também foram propositais, em vez de performáticos, alinhados com os valores de sua campanha mais ampla”, aponta.
E não são apenas as redes. O socialista combina sua estratégia digital com a mobilização presencial, que gera uma forma de participação mais afetiva e assertiva. “O que é extremamente aparente em seu Instagram, por exemplo, são as peças de conteúdo offline – encontrando pessoas na rua, em eventos de campanha e em transmissões tradicionais televisionadas. Ele não dependeu das mídias sociais, mas as usou como uma ferramenta, e continua a combinar o offline e o online de forma eficaz”, explica Connoly. Dentro do embate político-eleitoral, o estilo de discurso e o perfil pessoal de Mamdani ajudaram a tornar o uso das mídias sociais por sua campanha mais eficaz.
“Sua retórica simples, mas eficaz, é consistente, clara e acessível. Seu uso de frases de efeito cativantes que sabemos que funcionam: ‘chegou a nossa hora’ (our time has come) e ‘até que esteja feito’ (until it’s done) são bons exemplos. Nas mídias sociais, ele remixa e reformula essas frases de diferentes maneiras, mas no cerne de sua campanha está uma mensagem política muito evidente e acessível. Usa as mídias sociais para entregar sua mensagem, em vez de deixar que suas mídias sociais se tornem a mensagem.”
A utilização exitosa de plataformas sociais é fundamental também por se tratar, habitualmente, de um território hostil à esquerda, em vista dos algoritmos que costumam favorecer discursos de ódio típicos de extremistas de direita. “Quando você olha para políticos como Trump, Bolsonaro ou Milei, ou os políticos de direita na Europa, é difícil negar a conexão entre política populista e plataformas. As tensões entre liberdade de expressão, extremismo, propaganda e polarização não vão desaparecer, mas a campanha de Mamdani mostra como as mídias sociais podem ser usadas de forma diferente, e há evidências de que outros do campo progressista estão seguindo o exemplo”, observa a pesquisadora. “Obviamente, temos falado sobre Mamdani, mas outros, como Zack Polanski (líder do Partido Verde no Reino Unido), estão adotando estilos semelhantes. O que não vimos na mesma medida – e isso é fundamental – é o nível de sucesso em converter o engajamento nas mídias sociais em comparação com, digamos, Trump ou Bolsonaro. Acho que é por isso que tem havido tanto interesse no estilo e na estratégia de Mamdani, especialmente o potencial para os democratas se basearem em uma estratégia semelhante para engajar eleitores mais jovens em 2026 e 2028.”
Engajamento dos jovens
A análise de Emma Connolly chama a atenção para este aspecto da campanha do democrata que tem contrastado com campanhas recentes de figuras políticas da legenda, caracterizadas por uma militância burocratizada e pouco combativa. Nas primárias que consagraram o socialista, quase 60% dos eleitores recém-registrados compareceram às urnas, o que representa o dobro da taxa de comparecimento dos eleitores que estavam registrados há mais de um ano. Os jovens com idades entre 18 e 29 anos tiveram a maior participação de todos os grupos etários, com 35,2%, cerca do dobro da participação em 2021, que foi de 17,9%. E uma outra boa notícia para Mamdani, com o elevado percentual de participantes da votação antecipada até agora, é que os eleitores entre 18 e 39 anos nas primárias representaram a maior parcela dos votos antecipados, tanto presencialmente quanto por correio.
“Ele está gerando entusiasmo entre os eleitores mais jovens e está conduzindo a campanha em seus próprios termos — não na defensiva, nos termos de outra pessoa”, diz o estrategista democrata Christy Setzer, aqui. “Mamdani fez o que poucos democratas, incluindo e especialmente Jeffries, conseguem: entusiasmar, em vez de enfurecer, a base. Lutar com um sorriso. Desarmar. Liderar com amor e grandes ideias.”
A postura do candidato tem conseguido afetar ainda a percepção de eleitores sobre temas e questões utilizados para gerar desgaste à sua imagem. Muçulmano, ele foi alvo de ataques islamofóbicos. Seus adversários buscaram atribuir-lhe uma imagem de antissemita em função de sua oposição ao genocídio em Gaza. Mesmo assim, segundo as pesquisas, espera-se que dois em cada três jovens judeus votem em Mamdani e, no geral, uma parcela substancial de judeus novaiorquinos (43%) o apoiará na disputa pela prefeitura.
“Até a ascensão de Mamdani, os sionistas liberais definiram com sucesso os limites da crítica a Israel no Partido Democrata. Eles afirmavam que o BDS [sigla para Boicote, Desinvestimento e Sanções] era antissemita e que cancelariam qualquer pessoa que o apoiasse. Acrescentavam que, embora detestassem a ocupação, jamais pressionariam Israel para que a encerrasse. Hoje, muitos sionistas liberais estão se afastando dessas posições”, pondera o jornalista Philip Weiss, no site Mondoweiss. “Judeus antissionistas não podem realizar esse trabalho sozinhos. Sendo uma minoria desprezada na comunidade judaica, sempre dependemos de não judeus para apoio e aprendizado. Mamdani é o mais recente desses aliados e, provavelmente, o mais revolucionário.”
Essa combinação de fatores, envolvendo o apelo a questões que fazem diferença na vida das pessoas sem tergiversar sobre sua orientação ideológica, o uso inteligente das redes sociais sem abrir mão da presença nas ruas e o enfrentamento a questões que poderiam ser divisórias ou incômodas, fazem de Mamdani não apenas o provável futuro prefeito de Nova York, mas também um farol para os democratas ainda perdidos diante da tempestade Donald Trump. O campo progressista, em todo o mundo, também já volta os olhos para a experiência novaiorquina e espera pelo resultado de um governo que pode indicar uma saída pela esquerda a um panorama político pautado por extremistas de direita.
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