EUA: Para entender o acosso à Venezuela
Qual o real poder bélico enviado ao Caribe para o “combate às drogas”? O petróleo venezuelano: obsessão antiga dos EUA. Há possibilidade de invasão ou trata-se de outra bravata de Trump? Como Caracas se preparou – com Exército, milícias e armamentos – para agressões?
Publicado 23/10/2025 às 20:11

Apesar de sua promessa de campanha em 2024 incluir a retirada dos Estados Unidos de conflitos em outros países, Donald Trump tem mobilizado diversos equipamentos militares que vão se acumulando nas proximidades da costa da Venezuela, constituindo o maior envio de navios de guerra e caças para o Caribe em mais de 30 anos. Em tese, ou pelo menos no âmbito dos objetivos declarados, trata-se de uma ação de combate ao narcotráfico que, desde o início de setembro, já atingiu ao menos sete lanchas, matando um total de 32 pessoas. Mas, para esse tipo de operação, o fato é que as forças deslocadas vão muito além daquilo a que supostamente se propõem.
De acordo com um rastreador de frotas do Instituto Naval dos EUA, a Marinha posicionou cerca de 8% dos navios de guerra destacados globalmente no Caribe. Antes de agosto, a única embarcação do país avistada na região pelo rastreador havia sido um navio-hospital. Agora, são oito navios de guerra, sendo três destróieres, três navios de assalto anfíbios, um cruzador e um navio de combate litorâneo projetado para águas costeiras, com dimensões menores.
No caso dos destróieres, trata-se do USS Gravely, USS Jason Dunham e o USS Sampson, contratorpedeiros de mísseis guiados da classe Arleigh Burke, equipados com o avançado sistema de combate Aegis. Isso lhes permite rastrear e orientar mísseis direcionados a múltiplos alvos, de forma simultânea. Eles são fundamentais na guerra antiaérea, ou seja, na defesa contra aeronaves e mísseis, e possuem capacidade de lançar projéteis guiados, abarcando desde mísseis de cruzeiro como o Tomahawk até projéteis antissubmarino. O USS Gravely, por exemplo, esteve envolvido em 2024 na interceptação de mísseis balísticos e outras munições lançadas pelos rebeldes houthis do Iêmen contra navios comerciais e militares.
Ainda que as autoridades dos EUA não tenham disponibilizado números específicos, este tipo de embarcação normalmente traz um carregamento contendo, por exemplo, mísseis de cruzeiro Tomahawk, capazes de realizar ataques de precisão de longo alcance contra alvos terrestres. Seu primeiro uso em combate foi na Guerra do Golfo, em 1991, quando centenas de mísseis foram lançados contra alvos estratégicos no território iraquiano, como centros de comando e controle e instalações de comunicações. Também no Iraque, mas em 2003, milhares de Tomahawk foram disparados nas fases iniciais da invasão estadunidense para reduzir o poder de fogo das defesas iraquianas antes da ofensiva aérea e terrestre.
Os EUA contam ainda no Caribe com barcos de desembarque preparados para transportar milhares de fuzileiros navais e caças F-35 voltados para missões de ataque ao solo, bombardeio de precisão, supressão de defesas aéreas, reconhecimento e apoio conjunto com outras forças. E aeronaves como o icônico B-52, um bombardeiro estratégico de longo alcance ideal para ataque ao solo, considerado a espinha dorsal da frota de bombardeiros estadunidenses. Sua presença na região, conforme especialistas, não significa necessariamente uma preparação para combate direto, mas sim uma demonstração de alcance nuclear e convencional, reforçando a capacidade dos EUA de projetar poder sobre qualquer lugar. Em 1991, durante a Guerra do Golfo, as aeronaves conseguiram sair de lugares tão distantes quanto o continente americano, para atingir alvos no Iraque.
Existem ainda os helicópteros MH-60, projetados para operações especiais como infiltração/exfiltração e apoio tático rápido, e drones MQ-9 Reaper, feitos para executar ataques cirúrgicos sem expor pilotos e capazes de voar longas distâncias, transportando até oito mísseis guiados a laser. Já foram utilizados pelos Estados Unidos em países como Afeganistão, Iraque, Paquistão, Iêmen, Somália, geralmente com mísseis Hellfire, contra líderes de grupos terroristas e alvos de alto valor.
O esforço militar conta ainda com equipes de forças especiais treinadas para operações de helicóptero, o que inclui os Black Hawks, plataforma multiuso para o Exército, Força Aérea, Marinha e Guarda Costeira. E foi reaberta pela primeira vez, desde 2004, a base naval Roosevelt Roads, localizada em Porto Rico, para esta missão. A maior parte dos 10 mil soldados dos EUA no Caribe estão nesta base.
Reportagem do Financial Times destaca a presença do MV Ocean Trader, navio comercial adaptado para se tornar um centro flutuante de comando de operações especiais. Um ex-oficial militar sênior ouvido pelo veículo aponta que as forças especiais podem fazer “muita coisa” com a embarcação, mas sua presença “indica para mim que estamos realmente focados no aspecto da coleta de inteligência”, disse o ex-oficial militar sênior.
Nesse sentido, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, confirmou em 15 de outubro que autorizou a Agência Central de Inteligência (CIA) a realizar operações secretas na Venezuela, acrescentando que seu governo também está ponderando operações militares terrestres no país sul-americano. “Eu autorizei por duas razões”, disse o mandatário estadunidense. A Venezuela, disse ele, foi quem “mais abusou” das políticas denominadas por ele como de “fronteira aberta” sob o governo do ex-presidente Joe Biden, esvaziando suas “prisões, instituições mentais, manicômios” de migrantes para os Estados Unidos. “A outra coisa são as drogas. … Temos muitas drogas vindo da Venezuela”. Uma retórica repetida em outras ocasiões, às vezes tendo como alvo outros países, e sem qualquer base em fatos.
O que os EUA querem fazer na Venezuela?
No mesmo dia em que confirmou a autorização para a CIA, Trump foi questionado, por repórteres, mas não confirmou nem negou se estava considerando tentar derrubar o presidente venezuelano, qualificando o questionamento como uma “uma pergunta ridícula para eu responder”. Contudo, se o presidente dos EUA anunciou que o governo estava oferecendo uma recompensa de US$ 50 milhões por informações que levassem à prisão de Maduro, acusando-o de “usar cocaína como arma para ‘inundar’ os Estados Unidos”, a justificativa da Casa Branca está pronta para esse tipo de ação.
O jornal The Washington Post, nesta quarta-feira (22), afirmou, por meio de duas fontes que tiveram contato com a autorização elaborada pelo republicano, que, embora as instruções precisas de Trump para a CIA sejam altamente confidenciais, ele autorizaria uma ação agressiva (leia-se letal) contra o governo venezuelano e os narcotraficantes supostamente associados.
Também na quarta, o governo venezuelano reagiu à divulgação da autorização. “O objetivo das ações dos EUA é criar legitimidade para uma operação de mudança de regime na Venezuela, com o objetivo final de assumir o controle de todos os recursos do país”, respondeu. “Não à mudança de regime que nos lembra tanto as (derrubadas) nas guerras eternas fracassadas no Afeganistão, Iraque, Líbia e assim por diante”, disse ainda Maduro num evento televisionado do Conselho Nacional para a Soberania e a Paz, composto por representantes de vários setores políticos, econômicos, acadêmicos e culturais da Venezuela, no mesmo dia.
“Certamente agravaria a situação se eles começassem a realizar ataques em terra, dentro do território venezuelano, especialmente se esses ataques tivessem um objetivo político”, disse Tom Shannon, que ocupou vários cargos de alto escalão no Departamento de Estado, incluindo secretário adjunto para assuntos do Hemisfério Ocidental e subsecretário para assuntos políticos durante o governo Obama e nos primeiros cinco meses do primeiro mandato de Trump, ao jornal. “É aqui que acho que a administração vai se meter em apuros. Eles não estão sendo claros com o povo americano sobre o que está a acontecer aqui.”
Possibilidade de invasão
Diante da ofensiva dos EUA e dessa falta de transparência citada por Shannon, a questão premente é se Trump ordenaria um ataque frontal à Venezuela, inclusive com uma invasão por terra que suscitasse a mudança de regime. A resposta, por enquanto, é negativa.
A avaliação do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS, na sigla em inglês) é que ainda não existe um efetivo suficiente para um ataque por terra. “Embora suscite preocupações quanto a uma potencial intervenção militar na Venezuela, os recursos atualmente mobilizados estão aquém do que seria necessário para uma invasão ou incursão”, diz a análise.
“As atuais operações militares dos EUA contra barcos de cartéis se assemelham a bater em moscas com martelos de ouro: eficazes, mas ineficientes. A Guarda Costeira oferece alternativas mais econômicas. Ao mesmo tempo, os recursos atualmente empregados são inadequados para operações maiores e mais arriscadas, como uma invasão terrestre ou incursões contra cartéis de drogas ou o regime de Maduro. As diretrizes doutrinárias e as campanhas anteriores sugerem que seriam necessários, no mínimo, cerca de 50 mil soldados para uma invasão”, pontua ainda o texto.
Para efeito de comparação, o ex-capitão de guerra de superfície da Marinha Bradley Martin, agora no think-tank Rand, disse ao Financial Times que 50 mil soldados dos EUA “seriam o mínimo absoluto” necessário para invadir a Venezuela, mas “os planejadores de guerra iriam querer algo mais como 150 mil”.
Para efeito de comparação, em 1989, os EUA depuseram Manuel Noriega no Panamá, uma nação muito menor que a Venezuela, com cerca de 30 mil soldados, ou três vezes o número atual do Caribe. E o território venezuelano é cinco vezes maior que o Iraque, lembrando de outro país alvo do poder bélico norte-americano.
Assim, a intenção do governo estadunidense, pelo menos no momento, seria outra. “A determinação bélica da administração Trump, os ataques contínuos e o posicionamento de navios de guerra e aeronaves perto da Venezuela, mesmo que insuficientes para operações terrestres, alertam o regime de Maduro sobre a potencial capacidade militar e determinação política dos EUA. Com os recursos disponíveis atualmente, as forças americanas poderiam realizar ataques aéreos ou com mísseis contra a Venezuela” destaca a análise do CSIS.
Ataques direcionados de drones ou mesmo operações especiais contra Maduro ou outras figuras importantes do governo venezuelano não podem ser descartadas. O congressista republicano Mario Diaz-Balart, um dos principais críticos do governo venezuelano, sugeriu recentemente que as autoridades do país sul-americano deveriam considerar o destino de Qasem Soleimani, o general iraniano sênior assassinado em um ataque de drones dos EUA durante o primeiro governo Trump, enviando um recado intimidatório pouco sutil.
O fato é que, dentro das diversas opções que os EUA teriam, do ponto de vista militar, para executar contra o país sul-americano, todas seriam de alto risco e implicariam questões econômicas, humanas e diplomáticas problemáticas para o país. Evan Cooper e Alessandro Perri, do think tank Stimson Center, avaliam que a hipótese aventada de escalar o conflito para realizar ataques a suspeitos de cartéis de drogas dentro da Venezuela provavelmente promoveria uma maior solidariedade por parte dos países latino-americanos ao país agredido, com benefícios políticos a Maduro e altos custos operacionais e riscos para as aeronaves dos EUA.
“A Venezuela tem sistemas de defesa capazes, incluindo F-16s fabricados nos EUA, mísseis ar-ar israelenses e defesa aérea russa S-300VM. Embora os Estados Unidos possam ser capazes de derrotar esses sistemas, o custo de fazê-lo seria alto e eliminar totalmente sua ameaça exigiria um ataque maciço à infraestrutura militar venezuelana. Isso constituiria um ato inegável de guerra e escalada de risco para além dos ataques aéreos”, pontuam.
Os pesquisadores também acreditam que mesmo os ataques contínuos a barcos menores na região do Caribe podem trazer desgaste ao governo dos EUA, pois afetam a atividade comercial na região. “A pesca, o transporte marítimo e o turismo podem ser impactados negativamente pelos ataques dos EUA em curso, o que prejudicaria o país diretamente, mas também poderia levar a uma raiva maior em relação aos Estados Unidos por parte dos países da região. Preocupações de que o governo Trump está atingindo civis, ou usando um processo opaco e ilegal, só impediria ainda mais as atividades comerciais”, pontuam.
Uma invasão maciça por terra seria algo pior para o governo Trump. Maduro diz ter mais de 8 milhões de integrantes de milícias civis mobilizados em uma rede de defesa territorial espalhada por pelo menos 20 dos seus 23 estados. A estratégia seria baseada, de acordo com o site Military, em fazer com que qualquer operação terrestre dos EUA enfrentasse forte resistência nas cidades e em terrenos acidentados, o tipo de guerra assimétrica que as forças estadunidenses tiveram brutais dificuldades para enfrentar no Iraque e no Afeganistão.
“A Venezuela realizou recentemente exercícios militares especificamente concebidos para demonstrar esta capacidade. No final de setembro, estas forças realizaram exercícios em favelas em Caracas, mostrando às tropas como usar o terreno urbano contra um inimigo mais poderoso. O objetivo destes exercícios era mostrar aos comandantes dos EUA que, mesmo que possam atacar à distância, qualquer operação de combate terrestre significa guerra urbana contra forças irregulares com vantagem em campo próprio”, analisa o veterano do Exército dos EUA e jornalista militar Allen Frazier.
De qualquer forma, a mobilização militar busca abalar a imagem do governo Maduro, fomentando a oposição venezuelana, que teve sua líder, Maria Corina Machado, ganhando o Nobel da Paz e dedicando o prêmio “ao presidente Trump por seu apoio decisivo à nossa causa!” No passado, ela chegou a afirmar que Maduro provavelmente só deixaria o poder “diante de uma ameaça crível, iminente e severa do uso da força”, algo que poderia ser concretizado pela iniciativa belicosa dos Estados Unidos.
Venezuela, obsessão antiga de Trump
A sanha de Donald Trump em relação à Venezuela é algo que remonta ao seu primeiro mandato, iniciado em 2017. Após as eleições presidenciais venezuelanas em 2018, os Estados Unidos reconheceram Juan Guaidó como presidente, em uma tentativa de isolar diplomaticamente Maduro. Desde 2019, os dois países não têm relações formais e diversas sanções econômicas foram impostas pelos EUA. Já em 2020, o presidente venezuelano foi indiciado em um tribunal de Nova York sob a acusação de narcoterrorismo e contrabando de cocaína.
Em 2023, Trump chegou a dizer, durante uma convenção do Partido Republicano, na Carolina do Norte, que se tivesse sido reeleito em 2020, teria “tomado” a Venezuela e “pegado todo o petróleo”. “Quando eu saí, a Venezuela estava prestes a colapsar. Nós teríamos tomado o país e pegado todo aquele petróleo. Seria ótimo”, afirmou na ocasião.
O ex-secretário de Defesa Mark T. Esper, na sua autobiografia A Sacred Oath: Memoirs of a Secretary of Defense During Extraordinary Times (Um Juramento Sagrado: Memórias de um Secretário de Defesa em Tempos Extraordinários, em tradução livre), revelou que, para Trump, a mudança de regime na Venezuela “parecia ser um item da lista de desejos” e que os EUA deveriam “tomar o petróleo” do país. Além de possuir as maiores reservas comprovadas de petróleo do mundo — aproximadamente 303 mil milhões de barris, ou cerca de 17% das reservas globais —, a Venezuela também possui depósitos significativos de ouro, minério de ferro, bauxita e diamantes, destaca matéria do Truthout. Em entrevista de 2022 ao programa “60 Minutes”, Esper relatou como, durante o seu primeiro mandato, Trump perguntou repetidamente ao Departamento de Defesa sobre a possibilidade de tomar medidas mais agressivas para destituir Maduro, incluindo uma ação militar direta.
O relacionamento entre os dois países, contudo, parecia distensionado no início deste segundo mandato. O enviado de Trump para missões especiais, Richard Grenell, havia aberto um processo de negociação com o governo de Maduro, resultando na libertação de vários cidadãos estadunidenses detidos no país, com um acordo no qual o governo sul-americano havia concordado em aceitar voos de repatriação de venezuelanos vindos dos EUA.
Contudo, uma figura acabou minando os esforços de Grenell. O secretário de Estado Marco Rubio é um opositor ferrenho do bolivarianismo desde quando era senador. Ele e o vice-chefe de gabinete de Trump, Stephen Miller, uniram-se para mudar a orientação da Casa Branca. Segundo o site Politico, Miller, antes defensor de se manter as relações com a Venezuela estáveis, passou a adotar a perspectiva de Rubio e da oposição venezuelana de que Maduro é um líder de organização criminosa.
“No início do governo, havia a ideia geral de que Marco Rubio era marginalizado e que o Departamento de Estado talvez não estivesse no comando. E esse claramente não é o caso em relação à política para a Venezuela”, disse Benjamin Gedan, que trabalhou com políticas para a América do Sul no Conselho de Segurança Nacional do governo Obama, ao site. “Tem sido realmente surpreendente ver um aumento nas tensões com a Venezuela, e é muito difícil explicar isso sem a influência de Marco Rubio.”
A Venezuela “já sabia”. E se preparou
O pesquisador Pablo Uchoa, que aguarda atualmente sua defesa de doutorado no Instituto das Américas da University College London (UCL), aponta em artigo no The Conversation que a retórica anti-chavista do governo estadunidense é anterior mesmo ao golpe de 2002 que removeu brevemente o então presidente quando Hugo Chávez do poder, em uma articulação de militares e civis parcialmente financiados pelos Estados Unidos. Em abril daquele ano, George W. Bush rapidamente reconheceu e apoiou o golpista Pedro Carmona, chefe da federação empresarial nacional Fedecámaras.
“No ano seguinte, o General James T. Hill, comandante do Comando Sul dos EUA à época, declarou ao Congresso americano que a Venezuela, junto com Bolívia e Haiti, representava ‘a maior ameaça aos interesses americanos na região’”, pontua. Na mesma época, lembra Uchôa, os EUA haviam criado o chamado Plano Colômbia, caracterizado por uma assistência militar maciça e cooperação de inteligência entre os dois países, o que permitiu aos EUA instalar bases militares próximas à fronteira com a Venezuela. “É desse contexto geopolítico conturbado que vem o embrião da atual doutrina de defesa militar no país de Nicolás Maduro. Esta doutrina enfatiza a defesa territorial do país a partir de uma perspectiva ‘integral’, isto é, tomando em consideração as inúmeras possibilidades de ‘guerra híbrida’ que poderia ser promovida pelos EUA, com apoio da Colômbia.
Desde então, os Estados Unidos têm implementado sanções econômicas cada vez mais severas contra a Venezuela. Em 2015, o então presidente Barack Obama declarou a Venezuela uma ameaça à segurança nacional dos EUA e, em 2017, as sanções tiveram efeitos evidentes: uma família venezuelana de baixa renda composta por cinco pessoas consumia apenas 6.132 calorias por dia, 1.226 por pessoa se divididas igualmente. Entre 2013 e 2019, a Venezuela viu uma queda de 80% nas importações, devastando sua economia dependente de importações.
Diante de um cenário no qual as agressões variam de forma e dimensão, um cercamento militar como o desenhado agora já era previsto em documentos públicos do Comando Estratégico Operacional da Força Armada Nacional Bolivariana (FANB), analisados por Pablo Uchôa em sua pesquisa sobre a evolução histórica desta instituição.
“Os documentos preveem que o chamado ‘período de crise’, que antecederia uma guerra, seria marcado por um incremento paulatino das agressões (como as que já estão ocorrendo), inclusive com a possibilidade de um ‘golpe aéreo limitado’. Isto poderia ser entendido com os ataques a mísseis realizados com drones nos últimos dias”, explica ele. “Outros possíveis alvos poderiam incluir ‘operações cirúrgicas’ para destruir pistas de pouso usadas por aviões de traficantes. A mobilização militar americana na região, que inclui o uso de pelo menos cinco caças F-35, sete navios de guerra e um submarino de propulsão nuclear, além de 4 mil a 5 mil tropas, embora não seja suficiente para levar a cabo uma invasão total, permitira operações como estas, dentro do território venezuelano”, explica.
Segundo as previsões da FANB, a fase seguinte “consistiria em uma ameaça bélica explícita e o início de um bloqueio militar à Venezuela, dando início a uma guerra propriamente dita”. O pesquisador aponta que, até agora, assumia-se que o maior risco de conflito na região seria “um enfrentamento mais ou menos convencional entre Venezuela e Colômbia”.
“Contudo, o forte reforço militar americano no Caribe eleva as possibilidades de um outro cenário, ainda mais preocupante, para o regime bolivariano: um conflito assimétrico – por mais difícil que seja, no momento, imaginar tal cenário”, aponta. “Porém, os acontecimentos recentes de fato condizem com os cenários de escalada de conflito com os quais a Força Armada Venezuelana trabalha há muitos anos. Não surpreende, portanto, que tenham acendido o sinal de alarme em Caracas.”
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