2026: Boulos, e o que pode mudar o jogo no Planalto

Levado ao ministério, líder do MTST pode ser mais que um articulador com os movimentos populares. Caberia a ele, junto com outros dois colegas, dar ao governo a face combativa e comunicacionalmente atualizada que ainda lhe falta

Foto: Leandro Paiva
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Qualquer analista de pesquisas qualitativas que acompanhe a política brasileira já se deparou, incontáveis vezes, com a associação imediata que parte do eleitorado faz entre o presidente Lula e seu novo ministro, Guilherme Boulos. “Parecem pai e filho”, “lembra o Lula jovem”, “é como o Lula de antigamente”, “até a voz é igual”, “têm as mesmas ideias e causas”, “se parecem demais, física e politicamente”, “é o mini-Lula!”.

A comparação pode agradar a ambos, agradar mais a um do que a outro — ou até desagradar a um deles. Pode provocar ciúmes entre aliados ou acender esperanças em familiares e correligionários. Mas uma coisa é certa: essa assimilação já está cristalizada no imaginário popular.

Há quem diga que Lula percebeu cedo o potencial político de Boulos e, à sua maneira, tratou de testar a resiliência do pupilo. Como é típico do presidente, o reconhecimento vem sempre acompanhado de exigências redobradas. Ao jovem líder social, coube provar mais, errar menos — e seguir resistindo. Essa tem sido, aliás, a tônica da relação entre os dois na última década.

A nomeação de Boulos para a Secretaria-Geral da Presidência pode ter sido o último passo dessa dança cuidadosamente coreografada. O nome do deputado foi ventilado como possível ministro desde o Carnaval de 2025 — em rumores que, segundo consta, teriam partido do próprio presidente. Uma espécie de “teste de fogo” que poucos suportariam: manter-se no centro das especulações por mais de seis meses, sem cair em armadilhas, sem falar demais, sem ser queimado pelo fogo amigo. Boulos passou na prova.

O PSOL, por sua vez, demonstrou maturidade e generosidade política ao endossar a escolha. Mesmo ciente dos riscos de não atingir a cláusula de barreira em 2026, o partido abriu mão de seu principal ativo eleitoral. Espera-se, portanto, que Lula tenha a grandeza de reconhecer o gesto em um eventual novo mandato.

Agora, o desafio do presidente é saber como posicionar Boulos no coração do Planalto. A Secretaria-Geral tem como missão tradicional a interlocução com movimentos sociais — algo para o qual o ex-coordenador do MTST está mais do que qualificado. Mas a tarefa vai além.

Vivemos uma era em que não basta falar com os movimentos organizados. É preciso dialogar com a sociedade como um todo, com a “opinião pública – seja no asfalto, nas igrejas, nos aplicativos, no Congresso e nas timelines. Não existe manifestação nas rua sem mobilização nas redes. Lula sabe disso — e já declarou que é preciso “atualizar os imaginários” e oferecer um novo horizonte ao país. Se o eleitor evangélico, por exemplo, mantém distância do governo, talvez a promessa da “picanha com cervejinha” precise dar lugar a uma imagem mais eficaz, como a de “um almoço de domingo com paz e convivência em família”, sem bebidas alcoólicas. Se o desafio for dialogar com os trabalhadores pejotizados, os nano-empreendedores de si mesmos, talvez seja mais inteligente pensar políticas públicas que promovam a dignidade do trabalhador – com seguridade social em casos de acidente, previsão de aposentadoria ou espaços de descanso, onde possam “esticar as pernas”, ir ao banheiro ou fazer uma refeição – que incentivar que sejam sindicalizados.

É nesse ponto que Boulos pode ser decisivo: não apenas como interlocutor com os movimentos, mas como porta-voz político de Lula, alguém que tenha o pulso dessa nova forma de organização social e profissional e traduza, em tempo real, a estratégia do governo na interlocução com a sociedade.

Ele tem atributos de sobra: é jovem, articulado, combativo, forjado e respeitado por sua trajetória nos movimentos populares, ao mesmo tempo que domina linguagem como poucos a dinâmica da comunicação digital e portará as redes sociais mais potentes de toda a Esplanada dos Ministérios. Pode fazer com regularidade o que Flávio Dino fazia pontualmente — embates políticos para proteger e projetar o governo no Congresso, nas redes e na imprensa — mas agora a partir do núcleo duro do Planalto.

Ao lado de Gleisi Hoffmann, que comanda a articulação política, a lida com a  realpolitik, e de Sidônio Palmeira, responsável pela comunicação institucional, Boulos pode formar um tridente estratégico. Um eixo que permita ao presidente mais margem de manobra, aliviando sua exposição constante e permitindo que entre em cena de forma estratégica, para colher os louros.

A trajetória de Boulos o credencia para isso. Embora jovem, acumula mais de uma década de liderança nos movimentos populares, foi duas vezes candidato à prefeitura de São Paulo, com votações expressivas, e é hoje o deputado mais votado do campo progressista em todo o país, com mais de um milhão de votos. Tem tanto experiência e jogo de cintura para compreender as articulações comandadas por Gleisi, como domínio comunicacional para dialogar de forma célere com Sidônio.

Em sua trajetória, merece destaque também o aprendizado de Boulos com os erros de sua campanha de 2024 à prefeitura de São Paulo, no qual a ampliação do arco de alianças e a robustez da estrutura de campanha não se traduziram em maior densidade eleitoral comparada com a campanha de 2020, marcada pelo frescor e inovação na forma e no conteúdo político-comunicacional. Experiência fundamental no desafio que terá pela frente agora como ministro da Secretaria-Geral da Presidência.

Esse trio pode ser a engrenagem final da estratégia político-comunicacional do governo. Um motor que una articulação, mensagem e narrativa, garantindo respostas rápidas, capacidade de pauta e defesa institucional. Fora da disputa eleitoral, Boulos também está chamado a ter um papel importante na coordenação política da campanha para a reeleição de Lula em 2026

É verdade que o governo tem se beneficiado da desorganização da oposição e soube capitalizar os tropeços da extrema direita e do Centrão — assumindo bandeiras como soberania (no caso da ação nos EUA de Eduardo Bolsonaro), moralidade (PEC da Blindagem), democracia (contra a anistia) e defesa do povo (no caso do IOF). No entanto, tropeçou na MP da “BBB”, não capitalizou o debate público e falhou na negociação. Poderia ter perdido a votação, mas vencido na narrativa.

A lição é clara: o sucesso do governo passa por um movimento pendular entre institucionalidade e combate. Entre negociar com o Centrão em nome da governabilidade — como nos vetos parciais à Lei da Ficha Limpa — e agir com ousadia popular, como no caso da PEC da Blindagem, em que a derrota inicial virou vitória no Senado após pressão pública.

Nesse equilíbrio delicado, Boulos pode ser peça-chave. Se Lula o enxergar apenas como um elo com os movimentos sociais, perderá uma oportunidade histórica. Mas se o vir como o porta-voz combativo, midiático e estratégico que pode ser, terá ao lado seu “mini-Lula”, capaz de ajudá-lo a vencer não apenas nas urnas, mas também na arena mais incerta e crucial da política contemporânea: a da opinião pública e da comunicação popular.

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Um comentario para "2026: Boulos, e o que pode mudar o jogo no Planalto"

  1. Fernando Pereira Bretas disse:

    Certo

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