Os filhos bastardos de Hayek

Novo livro de historiador canadense vê na ultradireita um ramo sem verniz do projeto neoliberal. Ela rechaça o humanismo. Incorpora, à luta contra o social, o recalque branco e masculino. E tenta revesti-lo com suposta “ciência” malthusiana

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Quinn Slobodian, entrevistado por Nick Serpe, em Dissident | Tradução: Antonio Martins


Em seus três últimos livros, Quinn Slobodian, professor de História Internacional na Universidade de Boston, enriqueceu nossa compreensão da história do neoliberalismo. Globalistas: O fim do Império e o nascimento do Neoliberalismo (2018) contava a história dos neoliberais que buscaram construir uma ordem global para proteger o capitalismo, uma narrativa que desafiava a ideia, mais difundida, de que neoliberalismo é sinônimo de antiestatismo.Capitalismo Destrutivo: os radicais do mercado e a ameaça de um mundo sem democracia(2023) mostrava como esse mesmo impulso de blindar o capitalismo levou os radicais pró-mercado a apoiar a fragmentação da soberania em microterritórios onde pudessem reinar o capital e as forças competitivas. E em seu livro mais recente, Hayek’s Bastards [“Os Filhos Bastardos de Hayek: Raça, Ouro, QI e o Capitalismo da Ultradireita”], Slobodian sustenta que a extrema direita contemporânea é melhor entendida se for considerada um ramo do projeto neoliberal e não uma reação contra ele. A direita radical logrou combinar com sucesso a competição de mercado com ideias importadas da neurociência, da psicologia evolutiva, da genética e outras ciências naturais, um «novo fusionismo» com ecos do velho darwinismo social. Nesta entrevista, Slobodian fala sobre seu último livro, a política da era Trump e o futuro do neoliberalismo.

Slobodian: “Extrema direita tem sido apresentada como reação contra o neoliberalismo e tentativa de proteger as pessoas. Quis mostrar que seus pensadores mais influentes operavam de outra maneira”

Hayek’s Bastards é, de certo modo, uma pré-história da direita alternativa (alt-right), a extrema direita contemporânea. O que distingue a direita alternativa? No que se equivocam a maioria das narrativas sobre suas origens?

Definiria a direita alternativa, ou extrema direita, como uma tentativa de desmontar a obra do humanismo liberal igualitário dos últimos 200 anos e restaurar uma ordem hierárquica, baseada nas diferenças naturais entre os seres humanos. Essa ordem pode remeter principalmente à ciência, à religião ou a interpretações mais populares de essências tradicionais.

O que é o mais importante que foi deixado de lado? Desde 2016, aproximadamente, a extrema direita tem sido apresentada como uma reação contra o neoliberalismo e uma tentativa de proteger as pessoas das pressões de uma ordem demasiado implacável e competitiva. Na esquerda há quem a veja como uma versão do que Karl Polanyi chamou de «duplo movimento»: uma vez que as pessoas foram arrancadas de seu contexto social e obrigadas a se tratar mutuamente como objetos, produz-se uma reação pela qual tentam se proteger e se reinserir de uma forma nova. Polanyi sempre teve muito claro que isso podia provir tanto da direita quanto da esquerda. No contexto em que escrevia, na década de 1940, era mais provável que proviesse da direita.

Houve uma tendência a copiar e colar a seco essa interpretação durante o auge do movimento MAGA [Make America Great Again], o Brexit e vários fenômenos de extrema direita na Europa e além. Eu quis mostrar que alguns dos pensadores mais influentes dentro desta nova formação de extrema direita operavam de maneira bastante distinta. Não buscavam reverter nem contrarrestar a competição capitalista, mas sim, na realidade, aceleravam o conflito de soma zero próprio do mercado. Essa parecia uma perspectiva faltante, e senti que era necessário incorporá-la para termos uma imagem correta do adversário.


Quando começou a se dar esta formação? Que tipo de problemas estes pensadores abordavam, que os neoliberais que os precederam não haviam tocado?

Assim como no meu livro anterior, Capitalismo Destrutivo, muito disso é uma trama pós-Guerra Fria. É uma espécie de história revisionista dos anos 90. O desfecho efetivo do confronto histórico mundial entre o bloco soviético, por um lado, e o liderado pelos Estados Unidos, por outro, deixou as pessoas com a pergunta de se tinha se criado de fato um novo mundo, ou se o inimigo tinha meramente mudado de cor ou aparência exterior. Grande parte do que descrevo como a extrema direita contemporânea cristalizou-se nesse momento em que as pessoas encontraram novos inimigos para combater, além do comunismo. Esses inimigos tomaram a forma do movimento ambientalista, do movimento feminista, do movimento antirracista e das demandas por direitos para a população queer. A ideia de construcionismo social e a crença de que a identidade podia ser reinventada como um produto de consumo tornaram-se aterradoras para as pessoas de extrema direita.

Essa crença de que o inimigo tinha passado do vermelho para o verde e o fúcsia tornou-se o polo unificador de oposição para aqueles que, de outro modo, não poderiam ter atuado em conjunto. Entre estes estavam os neoconfederados, os tradicionalistas cristãos e os anarcocapitalistas como Murray Rothbard e Lew Rockwell. Pode ser que não tivessem muito em comum, mas compartilhavam a crença de que, ainda que o socialismo tivesse morrido, o leviatã seguia vivo e era preciso combatê-lo por outros meios.

Você chama isso de «novo fusionismo». Qual é a essência deste projeto? Ele substitui o antigo fusionismo da direita ou se baseia nele?

Há uma forma muito conhecida de descrever o movimento conservador nos EUA como um movimento de fusão entre pessoas interessadas principalmente na liberdade econômica e o liberalismo de mercado, por um lado, e pessoas focadas nos valores cristãos e na ordem tradicional, por outro. Os historiadores descreveram uma aliança entre estas duas alas da direita estadunidense a partir da década de 1950. Mais tarde, ela ganhou certo poder no governo de Ronald Reagan e no segundo mandato de George H.W. Bush.

O novo fusionismo que descrevo no livro começa a se conformar na década de 1990. Aqueles que discutiam sobre os perigos do Estado e a persistência do socialismo, e sobre a necessidade de defender o capitalismo e a liberdade econômica, começaram a apelar não mais a categorias religiosas, mas a categorias científicas: em particular, a biologia evolutiva, a psicologia cognitiva e inclusive as pseudociências raciais. Este foi um campo no qual se observou um grande entusiasmo e efervescência intelectual nos anos 90, especialmente quando livros como The Bell Curve [A Curva do Sino] popularizaram ideias sobre as diferenças raciais e a inteligência. Ao mesmo tempo, avanços científicos como o projeto do genoma humano pareciam mostrar que nossos corpos continham um tipo particular de verdade que nenhum acadêmico de humanidades podia negar. Apelar à ciência tornou-se um modo eficaz de travar essa luta no âmbito das ideias: na academia, nas páginas das revistas e nos programas de entrevistas. De alguma maneira, tinha mais solidez que o tradicional recurso à doutrina cristã.

Como ocorre com todas as formas de sucesso da direita estadunidense, e também da esquerda, não se trata tanto de substituir completamente uma coisa por outra, mas sim de somar uma torrente larga e caudalosa de influências. Há muita gente de extrema direita para a qual a crença religiosa segue sendo um fator motivador fundamental. E algumas das pessoas sobre as quais escrevo no livro foram muito hábeis para combinar elementos aparentemente distantes entre si, como o cristianismo evangélico e a crença de que é necessário voltar ao padrão-ouro. Houve uma forma acrobática de unir os fios da ciência e da ideologia do livre mercado, às vezes até mesmo entrelaçando-os com a doutrina cristã.

Em alguns casos, isso parece menos uma questão de ideias incompatíveis unidas por necessidade política, e mais uma questão de afinidades, de ideias que se reforçam mutuamente.

Creio que é melhor entendê-las como ideias em movimento. O interesse que despertam não reside em sua pureza doutrinária nem em sua perfeição teórica. São ideias que resultam úteis em diferentes momentos de mobilização política como pontos de consenso entre grupos frequentemente muito diferentes entre si. Isto é evidente no John Randolph Club, uma organização política emergente da década de 1990, similar à Sociedade Mont Pelerin, mas muito menor. O clube tentava descobrir o que podiam encontrar em comum dois grupos de pessoas que aparentemente não compartilhavam muitas ideias, em prol da estratégia política.

Um dos pontos interessantes aos quais chegaram foi a ideia de comunidade contratual. Seja você um anarcocapitalista que não acredita em Deus e acredita no direito de escolher livremente seu parceiro sexual, ou um cristão tradicionalista que acredita na necessidade de preservar o matrimônio heterossexual, em qualquer caso pode concordar com a ideia de que os Estados não deveriam impor uma ou outra forma de comportamento sexual, e que estes assuntos deveriam ser decididos por comunidades de livre contrato, separadas umas das outras, o que em Capitalismo Destrutivo chamo de secessão suave ou microordenamento. Esta ideia surge de uma discussão política estratégica, não de alguém que se dirige ao topo de uma montanha para dilucidar qual é a versão mais pura de uma sociedade livre. Isso é o que eu acho perversamente inspirador em algumas destas questões. Mesmo para os críticos, como eu, é estimulante ver gente que compreende que as ideias têm impacto. Não são simplesmente objetos de culto, para manter atrás de um vidro em um museu ou em uma sala de aula, mas devem ser colocadas em contato com a gente comum e com projetos de transformação social.

Uma dessas ideias úteis é a de quociente de inteligência. O pensamento e os estudos sobre o QI desempenham um papel importante na extrema direita contemporânea. Uma notícia recente me fez compreender como a direita pensa sobre a inteligência. Trump atribuiu uma série de incidentes de aviação à contratação de controladores aéreos sob as políticas de diversidade, igualdade e inclusão [DEI, pela sigla em inglês]. Segundo se informa, sugeriu substituí-los por «gênios do MIT [Instituto de Tecnologia de Massachusetts]» para solucionar o problema.

Você sustenta que, ainda que as ideias de livros como A Curva do Sino tenham sido refutadas empiricamente muitas vezes, também é importante compreendê-las desde a ótica da economia política. Como isso nos ajuda a entender por que o quociente de inteligência se tornou tão importante?

Isso me leva a outra perspectiva que quero incorporar. A extrema direita da década de 1990 costuma ser analisada estritamente em termos culturais e políticos. Estou tentando introduzir a questão do capitalismo e perguntar com que tipo de economia política operavam implicitamente e o que tinham em mente em termos prescritivos. O quociente de inteligência é uma expressão eugenista que se encaixa muito bem na era da informação, porque não se refere principalmente aos atores econômicos humanos como trabalhadores no sentido manual ou físico. Foca em sua capacidade cognitiva para resolver problemas complexos e para manipular objetos mentalmente de formas que os tornem mais hábeis como trabalhadores administrativos, engenheiros de software e trabalhadores intelectuais de diversos tipos. Na década de 1990, a vanguarda da competitividade estadunidense residia na alta tecnologia e na pesquisa e era preciso selecionar pessoas que se destacassem nesses aspectos específicos.

Esse era o discurso predominante naquela época, e é possível que continue sendo. A linguagem da meritocracia foi tão dominante, especialmente na esquerda liberal, desde a década de 1990 até a era de Barack Obama, que terminou validando este fetichismo sobre o quociente de inteligência, porque propõe que existem diamantes em bruto que podem ser descobertos e que deveriam ser recompensados por seu brilho individual. Os racistas do quociente de inteligência concordam com isso, mas vão um passo além. Afirmam que se podemos quantificar com objetividade a capacidade cognitiva de alguém, então deve haver, estatisticamente, algum tipo de distribuição ao longo de uma curva, e isso pode ser determinado com certa precisão segundo os pontos de origem demográfica das pessoas.

A extrema direita nasce destes debates populares e depois os retorce de uma maneira que os torna politicamente repulsivos. Mas não opera a partir de um universo conceitual totalmente diferente. Basta pensar nos adesivos colados nos carros e nas placas em jardins que se viam durante o primeiro governo de Donald Trump com a legenda «Confia na ciência» ou «Acredito nos cientistas». Os novos fusionistas concordariam, só que com uma ideia diferente do que é a ciência. Para quem critica a extrema direita, seria demasiado simples relegar essa ideologia a um âmbito de irracionalidade e misticismo que se pode refutar com facilidade. Frequentemente esta corrente opera com o mesmo espírito de investigação rigorosa que nós, só que através de uma estrutura e um instrumental epistemológicos diferentes.

Quando algumas destas ideias emergem pela primeira vez, muitos as considerar marginais. Mas logo se abrie caminho para a popularidade, da mesma maneira que ocorreu comA Curva do Sino. Você vê algum ponto de decolagem, onde o novo fusionismo começou a constituir mais hegemonia, na direita e fora dela?

Se reduzirmos a extrema direita à palavra «ódio» ou «ressentimento», então tudo o que haveria a fazer seria dissipar a falsa consciência das pessoas. É modelo que propõe o livro What’s the Matter with Kansas? [O que há com o Kansas?]: gente que vota contra seus interesses econômicos. No entanto, se se segue a alguns destes pensadores, observa-se que grande parte deste discurso esteve fermentando no fundo desde o princípio. Um exemplo que utilizo no livro é o de Peter Brimelow. O autor foi fundador do VDare.com, um dos sites web nativistas e antiimigração mais importantes nos EUA. Às vezes o descrevem como uma espécie de padrinho da direita alternativa, vinculado a Larry Kudlow e Roger Ailes. A partir da década de 1980 publicou artigos de opinião no Financial Post e na Forbes, onde propunha ideias sobre o racismo científico e diferença racial, ideias provocativas sobre a necessidade de selecionar os imigrantes em função da raça. Estes mesmos debates se prolongaram na década de 1990 em torno de figuras como Pat Buchanan e William F. Buckley.

Sempre existiu uma parte não totalmente subterrânea da extrema direita disposta a considerar ideias que agora, em retrospectiva, soam alarmantes. Existia uma espécie de política de respeitabilidade dentro do próprio Partido Republicano, que fazia com que algumas destas ideias parecessem mais marginais, no sentido de que não lhes era dada uma plataforma dentro do Congresso ou da Casa Branca. Por mais extremas que fossem as ações de George W. Bush, durante seu mandato ele nunca se dedicou a «suscitar perguntas» sobre diferenças raciais. Por isso, 2016 segue sendo um momento impactante, porque muitas destas discussões saíram repentinamente à luz.

A Curva do Sino, uma tentativa de reviver as pseudociências raciais, foi um sucesso de vendas. Amanda «Binky» Urban, uma das agentes literárias mais importantes de Nova York, representava Charles Murray – coautor de A Curva do Sino. Alien Nation [Nação Estrangeira], de Brimelow, foi publicado em 1995, e seu agente era Andrew Wylie, que segue sendo um dos agentes literários mais poderosos. Esse livro basicamente escreveu o roteiro do que está acontecendo agora com a política migratória nos EUA. Isto já se sabia. Ouvia-se no rádio. Aparecia em websites. Ocasionalmente chegava a artigos de opinião e colunas. Agora, Trump emitiu uma ordem executiva sobre o Instituto Smithsoniano na qual critica uma mostra de arte por negar o fato de que a raça se baseia em diferenças biológicas. O argumento do «realismo racial» agora faz parte da reforma cultural da direita, e foi uma pequena cause célèbre em torno de best-sellers como A Curva do Sino e Alien Nation, que ajudaram a romper tabus e voltaram a colocar em circulação certos discursos entre as elites, os jornalistas e os acadêmicos.

Em um artigo que escreveu para a New York Review of Books em fevereiro deste ano, você aponta três tendências a respeito das pessoas que integram e cercam o governo de Trump. Estão entre eles o mundo do capital privado e os investidores de dívida em dificuldades, a nova direita que se formou em oposição ao New Deal e, finalmente, a direita aceleracionista com presença na internet. Como se sobrepõem estas divisões com a história que você conta no livro? Os «filhos bastardos de Hayek» teriam alcançado a hegemonia completa na direita? Todas estas facções respiram o mesmo ar ideológico?

A versão do neoliberalismo que descrevi em Globalistas era muito legalista. Tratava-se do desenho de marcos regulatórios que consolidariam o livre comércio, os direitos de propriedade e a possibilidade de disrupção por parte de novos participantes no mercado, e que criariam mercados onde não havia. Era uma versão do neoliberalismo que considerava o Estado uma ferramenta muito útil para o controle e a proteção dos mercados. Não me ocupei tanto do tipo de pessoas que operariam dentro desses marcos. A natureza humana não era o principal objeto de investigação ou interesse daqueles hayekianos que, desde a década de 1930 até a de 1990, se dedicaram a conceber um marco para a globalização.

O que distingue esta nova geração é que está muito focada na natureza humana. Interessa-lhe menos o redesenho dos sistemas do que devolver a iniciativa e o poder a grupos muito menores. Meu argumento no artigo da New York Review of Books era que, assim como os paleoconservadores no início da década de 1990, estas figuras hoje podem concordar que a existência de um Estado grande e relativamente bem financiado é problemática em si mesma, e que uma boa parte das condições de vida das pessoas deveria estar nas mãos de atores privados fora de qualquer supervisão. Somos ou clientes de provedores de serviços, ou uma aliança de comunidades de pessoas afins, autossuficientes e autogovernadas. Esse deslocamento do foco desde o sistema ou o marco de alto nível para o indivíduo e a questão de quem é um ser humano valioso – a quem deveria ser permitido formar parte da comunidade – é algo compartilhado pelos setores insurgentes mais poderosos da direita neste momento.

O novo fusionismo que descrevo possivelmente tenha triunfado. Tanto a ala tecnolibertária quanto a direita tradicionalista coincidem em que existe uma hierarquia identificável de seres humanos, que poderia ser medida de uma forma ou outra, e que o objetivo de desenhar novas leis e novos sistemas é determinar quem deveria ficar dentro e quem fora. Esse sistema de inclusão e exclusão é uma nova variante da racionalidade neoliberal, mas hesito em considerá-lo simplesmente como mais do mesmo neoliberalismo. Esta mudança de «proteger o sistema» para «classificar a natureza humana» é algo que altera profundamente os pressupostos sobre como deveriam ser organizados, ou inclusive ser desmantelados, os Estados.

Qual é a situação dos neoliberais que não deram este giro, seja porque aderem a um pensamento mais economicista ou porque têm crenças mais progressistas?

A ala de boa fé do movimento neoliberal, que valoriza a liberdade econômica acima de outras liberdades, mas espera não ter que sacrificar todas as demais para consegui-la, também se adaptou. Talvez você se lembre do movimento «ne0liberal» [sic] de uns anos atrás: jovens libertários que tentam revitalizar o movimento neoliberal. Os hayekianos de boa fé mais consistentes são aqueles que interpretam sua metáfora evolutiva no sentido de que não podemos determinar de antemão o que surgirá de uma sociedade de mercado; o melhor que podemos fazer é introduzir restrições mínimas aos indivíduos para que estes possam encontrar seu caminho para seus próprios desejos, o que de alguma maneira se somará ao conjunto coletivo de prazeres e capacidades imaginativas humanas.


O que estão fazendo agora? Estão impulsionando a agenda da abundância. (Isto certamemente não significa propor que o conceito de «abundância» está, como consequência, contaminado). Se alguém acredita no potencial criativo do mercado e em sua capacidade para levar a cabo um processo de descoberta através da exploração individual, da inovação e da competição, então é necessário buscar aliados que estejam dispostos a criar sistemas abertos que lhe proporcionem acesso a um conjunto diverso de agentes potenciais e participantes inventivos no mercado que se espera construir. Com o globalismo neoliberal na defensiva, faz sentido que os neoliberais de boa fé tenham mudado de estratégia e tenham começado a ver como poderiam trabalhar produtivamente dentro de um marco mais nacionalista. Para mim, uma das confusões em torno do debate sobre a abundância é que ele não está sendo realizado em referência à agenda econômica de Joe Biden. Porque o que estão propondo é: um esforço de reengenharia do Estado para permitir o investimento para fins socialmente desejáveis, sem tirar a capacidade de ação dos atores privados do mercado, e, ao contrário, reduzindo o risco de sua atividade.

Se você acredita, como acreditava Hayek, que a qualidade de um sistema pode ser medida no número de humanos que é capaz de produzir – que o cálculo de custos é o cálculo de vidas –, então deveria estar mais aberto a emular os competidores exitosos. Os neoliberais fascinados pelo modelo chinês provavelmente são mais fiéis ao espírito do economista austríaco do que aqueles que começaram a investir tanta atenção no solo e no sangue.


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