Privatização de prisões, modelo made in USA

Sistema prisional nos EUA expandiu-se visando lucro – e tudo pode ser ainda pior com políticas anti-imigrante de Trump. No Brasil, experiência avança e é marcada por repasse público elevado, sem entregar “eficácia”. Presos morrem por falta de médicos

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Por Bruna Julia Sousa da Silva e Marianne Lourenço de Souza, no GGN

“A prisão se tornou um buraco negro no qual são depositados os detritos do capitalismo contemporâneo.”
Angela Davis

O modelo de construção e gestão de cadeias via Parcerias Público-Privadas (PPPs) exibiu uma marcante experiência em solo estadunidense. Nas últimas décadas, seus defensores têm advogado por uma presença maior dessas instituições no Brasil, onde a privatização vem criando raízes. No centro da discussão da entrega do serviço de encarceramento para o setor privado está o embate entre capital e interesse público. A grande questão é como manter o princípio de reabilitação se a máquina do complexo industrial-prisional depende de níveis crescentes de crime e encarceramento para gerar lucro?

Contexto histórico e a experiência americana

Até a Revolução Francesa, o aprisionamento como forma de sentença por si só não era punição suficiente para quem se desviasse de condutas socialmente aceitáveis. Punições corporais e pena de morte já foram  norma e os indivíduos eram detidos apenas enquanto aguardavam a administração de sua sentença definitiva. Os castigos eram alardeados publicamente para servir de exemplo para futuros infratores. Além disso, havia uma justificativa religiosa em diversas sociedades, que viam tais punições como atos de justiça divina. O encarceramento como pena suficiente era reservado apenas para oficiais com altos cargos ou quando o crime envolvia questões de dívidas.

Isso muda no século XVIII com o advento do Iluminismo e das subsequentes revoluções que ele inspira. A população deste período passa a exigir um olhar mais racional para as práticas punitivas, é o caso de pensadores como John Howard que advogam pela instituição de prisões com uma visão mais humanista. Além disso, o surgimento do capitalismo e aumento da pobreza são fatores diretamente vinculados ao surgimento do moderno sistema prisional, de acordo com Carvalho Filho (2002 apud 2018), já que os crimes, principalmente os relacionados ao patrimônio, se tornaram tão volumosos que as penas corporais já não surtiam efeito. Embora suplícios brutais sigam sendo infligidos a prisioneiros em boa parte do mundo, raros são os países que legalizam castigos físicos em suas cadeias. Mais recentemente, movimentos de direitos humanos passaram a colocar em questão o suposto poder reabilitador das prisões, é o caso de Angela Davis em seu livro “Estarão prisões obsoletas?”.

Dessa forma, as prisões modernas nascem rodeadas por duas retóricas: de um lado a esperança de que através de um período de isolamento o detento possa ser reabilitado e do outro a necessidade de limpar as crescentes cidades das causalidades do capitalismo.

Os Estados Unidos possuem a maior população prisional do mundo, com cerca de 2 milhões de pessoas até 2021, de acordo com a World Prison Brief, apesar de dados federais apontarem para cerca de 1,2 milhões. Vale a pena realizar uma breve análise da história do cárcere neste país e em seguida examinar as características da privatização de prisões e sua base ideológica.

Apesar da abolição da escravatura ter acontecido em 1865, a 13ª emenda constitucional permitiu que o trabalho forçado permanecesse vivo dentro de penitenciárias. Esses centros correcionais passaram a prover um fluxo de trabalho barato e contínuo para o setor privado. Mesmo antes das iniciativas de privatização já havia no país uma aproximação entre corporações e sistema penal, seja com oficinas de trabalho dentro dos presídios geridas pelo Estado, seja pela prática de “convict leasing”, que consistia no arrendamento de cativos por terceiros, com argumentação de não só estimular a economia pós Guerra Civil, mas de impedir superlotação de presídios e gastos governamentais.

Essa brecha na constituição fez com o que o país passasse por seu primeiro boom prisional. As necessidades do capital e a crescente racialização da criminalidade marcam a história penal desde então. Leis como os Códigos Negros, que criminalizavam situações como desemprego, indolência e desordem tinham dupla função, reconstruir a economia pós Guerra Civil e cercear a liberdade de ex-escravizados.  A prática de arrendamento só foi abolida em 1928, 63 anos após a data oficial da abolição.

Fonte: Gráfico de autoria própria com dados coletados de: CAHALAN, Margeret Werner. Historical Corrections Statistics in the United States, 1850-1984. U.S. Department of Justice Statistics. Washington, D.C. 1986.
Fonte: Gráfico de autoria própria com dados coletados de: CAHALAN, Margeret Werner. Historical Corrections Statistics in the United States, 1850-1984. U.S. Department of Justice Statistics. Washington, D.C. 1986.

Os dados presentes nos gráficos mostram momentos chave não só da história do sistema prisional, mas da história estadunidense: o primeiro boom prisional pós 13ª emenda; o crescimento da criminalidade pós queda da bolsa de valores em 1929; o período entre 1940 – 1960 marcado pelas políticas Jim Crow, o movimento dos direitos civis e práticas policiais violentas; e os indícios do começo do encarceramento em massa, fenômeno que se inicia em 1970 mas que se intensifica na Era Reagan em 1980.

O choque dos anos 1980

Ronald Reagan teve um papel essencial na propagação do neoliberalismo no mundo, ao enfrentar uma crise econômica com altas inflações e níveis de desemprego, Reagan rompe completamente com as políticas do Estado de bem-estar e assume uma posição econômica voltada à redução do papel social do Estado. Com a crescente disparidade econômica,  níveis de criminalidade sobem e Reagan reage de forma rígida. Vallory (2020) aponta duas principais causas do encarceramento em massa na maioria dos países: as políticas de tolerância zero e a guerra às drogas. Não foi diferente no caso estadunidense. Ava DuVernay explora essa história em seu documentário “13th” mostrando que apesar de Nixon ter cunhado o termo  “Guerra às Drogas”, é Reagan que leva esse discurso ao extremo.

O autor do livro “Entendendo o encarceramento em massa”, James Kilgore, chega a mencionar no documentário de DuVernay que pesquisas públicas realizadas durante o início da década de 1980, indicavam que drogas não eram uma preocupação prioritária da população. No entanto, isso se tornou uma força dirigente nas políticas de Reagan. É o caso da disseminação da cocaína em forma de crack nas comunidades negras e latinas. Seus usuários eram punidos com sentenças muito maiores do que a cocaína em pó, frequente em bairros suburbanos.

Além disso, havia na mente dos políticos da época uma retórica que Vallory explica através da Teoria das Janelas Quebradas, uma suposição que caso crimes brandos não fossem repreendidos com veemência, a violência escalaria e haveria total desordem. Essa linha de pensamento estava presente não só em Republicanos como Reagan e Bush, mas em Democratas como Clinton, que na década de 1990 utilizou destas posições de Lei e Ordem para argumentar a imposição de leis inflexíveis como Three Strikes, que possibilitava a condenação de pessoas com uma terceira ofensa penal à sentenças maiores, tipicamente para o resto da vida. A Truth Sentencing, que eliminava a possibilidade de liberdade condicional e obrigava o cumprimento de pelo menos 85% da sentença. Havia também o Mandatory Sentencing, que tirava o poder de juízes definirem sentenças baseados na circunstâncias dos casos, já que havia um tempo pré-determinado para certos crimes.

Fonte: Gráfico de autoria própria com dados coletados de: National Prisoner Statistics, 1978-2022. Bureau of Justice Statistics. Washington, D.C. 2024.

O início da privatização

É nesse contexto que a primeira prisão completamente privatizada é construída, a Tall Trees no Texas. Ela foi criada e administrada pela Corrections Corporations of America (ou CCA, recentemente renomeada Core Civic) em 1984. Hoje, de acordo com seu relatório anual de 2024, a CCA é a principal administradora de presídios do mundo, com  63 centros de detenção ou centros residenciais de reintegração, com capacidade de aproximadamente 76 mil camas. A empresa divide esse monopólio com o GEO Group e o seu lucro é bilionário. A Core Civic estava avaliada até abril deste ano em 4 bilhões de dólares e a GEO em 2.2 bilhões, cerca de 8% da população prisional do país está em instalações privadas e o lucro dessas companhias têm projeção de crescimento com as políticas anti-imigração de Trump, de tal forma que no dia seguinte à sua eleição o preço das ações das empresas aumentaram 29% e 41% respectivamente.

Neoliberalismo e os argumentos pró-privatização

Assim como sua contraparte Margaret Thatcher, no Reino Unido, Reagan aprovou uma série de políticas de austeridade econômica que reverberaram em decisões legislativas de quase todo o mundo. A adoção de preceitos como livre concorrência, livre mercado e essencialmente que a menor intervenção possível do Estado na economia resultaria em uma liberdade imensa para grandes empresas, formando o pilar ideológico para a defesa da privatização do poder punitivo do Estado.

Os defensores dessa prática apontam principalmente para as condições de infraestrutura e superlotação nos presídios federais. Em 2018 o World Prison Brief apurou que 68% dos países têm ocupação acima da capacidade máxima. No Brasil no segundo semestre de 2024 por exemplo, havia um déficit de 175.373 vagas em prisões estaduais e federais, de tal forma que o Supremo Tribunal Federal reconheceu em 2015 a situação do sistema prisional como um estado de coisas inconstitucional, que Vallory (2020) descreve como um quadro generalizado de violação de direitos fundamentais tão enraizada, que apenas mudanças estruturais do Poder Público seriam capazes de promover alguma transformação. Essa conjuntura, alinhada com a propagação de uma visão neoliberal em todos os aspectos da vida pública, reforça o discurso de incompetência da máquina pública em favor de privatizações via PPPs.

Isto posto, a literatura nos apresenta 4 modalidades distintas do envolvimento do setor privado no sistema carcerário: (a) o financiamento da construção de novos estabelecimentos; (b) a administração do trabalho prisional; (c) a provisão de serviços penitenciários, tais como alimentação, vestuário, saúde, etc.; e (d) a administração total dos estabelecimentos penitenciários, que pode ocorrer tanto em um presídio já existente como com o financiamento, construção e administração de um novo estabelecimento – modalidade conhecida como DCFM (Design, Construção, Financiamento e Administração). (Vallory, 2020)

Todas essas modalidades constituem uma parcela do que é conhecido como o complexo industrial-prisional. Inspirado no complexo industrial-militar, esse termo chama atenção à todas as indústrias que lucram a partir do que deveria ser um serviço governamental. O foco dessa análise é o modelo americano, que consiste em contratos de construção e administração desses estabelecimentos pela iniciativa privada, realizados principalmente na forma de PPPs ou de contratos de co-gestão, que são as duas formas que começam a aparecer no Brasil.

O Consenso de Washington foi essencial para a propagação da privatização como plano de ação para países latinos. De acordo com Vallory (2020), essa série de recomendações sobre a melhor forma de gestão de desenvolvimento continha medidas puramente neoliberais que incentivava o corte de gastos públicos, flexibilização de regulamentação e privatização e se tornaram um tipo de requisitos para que países recebessem investimentos do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial.

Foi nesse cenário que nos anos 1990 o Brasil promulgou a Lei nº 8.031/90, o Plano Nacional de Desestatização que levou a privatização de cerca de 100 empresas e em 1992 temos a primeira proposta de privatização do sistema penitenciário brasileiro, patrocinada por forte lobby da empresa Pires Segurança Ltda, que recebeu diversas críticas mas que culminou na sanção da Lei nº7.835/92 em São Paulo, autorizando a privatização de estabelecimentos penais no estado e a inauguração da Penitenciária Industrial de Guarapuava no Paraná, a primeira experiência de co-gestão. No entanto, a lei que permitiu pela primeira vez o modelo de Parceria Público – Privada só é promulgada em 2004, no primeiro governo Lula, permitindo a construção do primeiro complexo penal privado do país anos depois.

As PPPs no sistema prisional brasileiro

Em janeiro de 2013, a cidade de Ribeirão das Neves, em Minas Gerais, foi a terra natal do primeiro complexo penitenciário do país construído via uma parceria público-privada (CPPP). O contrato foi firmado em 2009, durante o mandato do ex-governador Aécio Neves, entre a empresa privada GPA (sigla para Gestores Prisionais Associados) e o Estado de Minas Gerais, com um prazo de concessão de 27 anos.

A partir dessa parceria, a GPA assumiu a responsabilidade de uma série de atividades: construção e manutenção das 3 unidades do complexo, garantia de serviços assistenciais de saúde, educação, sociais e jurídicos, além de estar encarregada de contratar funcionários para atuarem diretamente nessa rotina. Do outro lado do acordo, o estado de Minas Gerais garante a segurança do CPPP e devia nomear o diretor da unidade, que age como ponto de conexão entre o privado e o público e fiscaliza a qualidade executiva das ações do GPA.

A próxima oportunidade sólida de firmar uma PPP no sistema presidiário brasileiro surge exatamente uma década depois, em outubro de 2023. Através de um leilão realizado na sede da B3 e promovido pelo governo do Rio Grande do Sul, a empresa Soluções Serviços Terceirizados, sem qualquer concorrência, ofereceu a proposta vencedora do evento e em abril de 2024 assinou o contrato, junto ao governador Eduardo Leite, que concedeu a construção e gestão da PPP de duas unidades do Presídio de Erechim com prazo de 30 anos.

A principal missão do projeto, segundo o titular da Secretaria de Parcerias e Concessões, Pedro Capeluppi, é transformar o sistema presidencial do estado através do investimento na ressocialização, a qual ocorrerá por meio da educação, gestão prisional tecnológica e oportunidades de trabalho nas unidades construídas. Um ponto de destaque dessa nova parceria foi o forte apoio financeiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) sob o governo do presidente Lula.

Além do presídio de Erechim, o BNDES também conta com um plano de concessão administrativa para uma empresa privada do Complexo Prisional de Blumenau, em Santa Catarina. O projeto tem um investimento estimado de R$ 262,6 milhões e, atualmente, encontra-se encaminhado para a 5ª fase: o leilão. O evento ocorrerá em 16 de outubro de 2025 às 14h, também na B3. Decidida a melhor proposta, o contrato será firmado no primeiro trimestre de 2026 junto ao governador Jorginho Mello. A empresa vencedora será responsável pela construção de um complexo que substituirá o presídio Regional de Blumenau e a penitenciária Industrial de Blumenau e suporte, no mínimo, 2.979 vagas.

Avanço no governo Lula

O avanço dos dois projetos financiados pelo BNDES que, apesar de idealizados ainda no governo Bolsonaro, só foram fruir no governo Lula, muito tem a ver com o Decreto 11.498, assinado pelo vice-presidente, Geraldo Alckmin e pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em abril de 2023. O novo decreto é, na verdade, uma alteração do Decreto 8.874 (firmado em 2016 pelo ex-presidente Michel Temer e Eduardo Guardia, ex-ministro da Fazenda), que regulamenta condições de aprovação para projetos de investimento em áreas de infraestrutura ou produção econômica em pesquisa, desenvolvimento e inovação consideradas prioritárias. Nesta atualização, o governo ampliou a quantidade de setores prioritários: dentre educação, saúde e cultura, e o sistema prisional também integrou a  lista. Com isso, a entrada de capital privado para a construção e gestão de presídios não apenas é incentivada pelo governo, como também é facilitada através de benefícios fiscais atrativos com o objetivo de aumentar o número de empresas investidoras interessadas.

O envolvimento do BNDES no incentivo à privatização de presídios foi alvo de fortes críticas. Seguindo a assinatura do novo decreto, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, junto a outras 86 entidades, emitiu uma nota técnica argumentando sobre a inconstitucionalidade da prática de privatização de presídios e risco de encarceramento em massa, além de questionarem a falta de participação dos Ministérios da Justiça, Direitos Humanos, Igualdade Racial e das Mulheres na tomada de decisão. De forma similar, em fevereiro de 2024, o ex-ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, se posicionou contra as ampliações realizadas no Decreto 11.498, afirmando que a privatização dos presídios abre espaço para o crime organizado e lucro com a execução penal.

O principal ponto de convergência das críticas contra as PPPs em presídios parece contrariar a própria missão que os projetos constituem em sua cerne: a melhoria das condições de vida dos detentos e dos serviços de assistência prestados. No relatório de inspeção realizado pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária em uma das unidades da CPPP em Ribeirão das Neves, em 2017, foi constatado que não há preocupação com a forma como os detentos são tratados e com as atividades de capacitação para ressocialização. Em 2023, um homem morreu por falta de atendimento médico; no mesmo ano, os detentos relataram a ocorrência de tortura e maus tratos dentro do Complexo. Em janeiro deste ano, ocorreram três mortes por complicações médicas em presídios de Minas Gerais, uma delas no CPPP. Segundo a família, o detento não havia recebido atendimento médico mesmo após relatar mal-estar por quatro dias.

Além disso, o custo para manter uma unidade prisional privada, segundo Bruno Shimizu, Mestre e Doutor em Direito Penal e Criminologia pela USP, pode ser até três vezes maior do que para uma pública. Isso ocorre porque, ao firmar o contrato, o Estado se responsabiliza por remunerar as empresas privadas em contratos que duram décadas com base numa lotação mínima das unidades – ou seja, quanto maior o número de presos, maior o valor repassado para a empresa gestora. Considerando que o foco final das privatizações é o lucro, tal prática dá abertura para um processo de incentivo do encarceramento em massa e desincentivo de melhoria das atividades de assistência, visando o corte de gastos e degenerando ainda mais as condições dos detentos.

Mesmo sendo alvo de críticas, casos de constituição de PPPs no sistema carcerário brasileiro em diferentes níveis de concepção foram observados em vários outros estados. No Paraná, em 2019, a Secretaria do Planejamento e Projetos Estruturantes apresentou um projeto de PPP para a Penitenciária Industrial de Piraquara; ainda em 2019, em São Paulo, o ex-governador João Dória anunciou que se inspiraria no presídio de Ribeirão das Neves e no sistema de PPPs dos Estados Unidos para novas unidades prisionais do estado, porém o programa não teve atualizações após a fase de estudos; mais recentemente, em maio de 2024, o Estado do Espírito Santo anunciou que buscaria parcerias público-privadas para a construção de unidades presidenciais com um investimento de até R$175 milhões.

Quem se beneficia?

Desde a ausência de qualquer melhoria significativa nas condições dos presídios e eficácia de ressocialização até os custos mais elevados para seu mantimento, as informações coletadas até aqui evidenciam que não há nenhum benefício aparente para que o governo acate às PPPs no sistema carcerário do país. Mas então, se as empresas privadas parecem ser as únicas favorecidas, por que esses projetos existem?

No fim das contas, o interesse na privatização por si só acaba sendo apenas das empresas. Para o Estado, porém, o apoio político provindo das parcerias é o que justifica o interesse nas PPPs. Nos Estados Unidos, por exemplo, essa questão fica muito evidente com o envolvimento do clube privado American Legislative Exchange Council (ALEC) na criação de legislações que impulsionam o encarceramento em massa. Esse grupo conta com corporações e políticos e permite a sugestão de leis (como a Three Strikes Law e Mandatory Sentencing) que influenciam na conjuntura política do país e que geram lucros bilionários para seus membros, e tanto a Core Civic quanto o GEO Group já foram participantes. No período eleitoral de 2002 a 2004, cerca de US$3,3 milhões foram doados por empresas envolvidas nas privatizações do sistema carcerário para candidatos e partidos políticos, e 63% desta verba voltou-se para estados que aderiram à Three Strikes Law. Já em 2024, o GEO Group e o Core Civic gastaram, respectivamente, US$1,38 e US$1,77 milhões com práticas de lobby que financiaram o Departamento de Segurança Interna – inclusive, influenciou no orçamento do ICE. Ademais, ambas as corporações realizaram doações de US$500.000 para o comitê inaugural de 2025 de Donald Trump.

Como já explorado, a privatização de presídios no Brasil foi proposta pela primeira vez com forte influência de uma empresa de segurança privada, visando replicar o modelo estadunidense no país. Mais recentemente, de acordo com Bruno Shimizu, empresas de construção de metrô – que possuem um lobby forte – já demonstraram interesse na participação em PPPs no sistema carcerário. Shimizu também aponta como o próprio decreto assinado em 2023 deixa evidente a lógica de “atividades econômicas” prioritárias que venham a dar vantagens a essas empresas, e não um plano de melhoria pública. Apesar da experiência da privatização do sistema prisional ser relativamente jovem no Brasil, fazendo com que as informações sobre seus resultados sejam escassas, há um padrão muito claro a ser traçado da vivência norteamericana: na luta dos interesses o capital tende a vencer sobre o bem-estar social.

Bruna Julia Sousa da Silva e Marianne Lourenço de Souza – Grupo de Estudos de América Latina e Caribe (GEALC-UFABC)

Referências


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