Saúde nos territórios: o exemplo de Rimini

“Nós Territoriais” entrelaçam as redes de cuidado e articulam diferentes graus de complexidade. Há hospitais comunitários e cuidados intermediários que evitam internações desnecessárias e inadequadas. O que a experiência em uma cidade italiana pode ensinar ao SUS?

Encontro aberto aos cidadãos de um bairro de Rimini para apresentar novidades a respeito do atendimento à saúde. Créditos: Giornalesm
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A Universalidade de acesso a serviços do Sistema Único de Saúde é um objetivo que vem sendo perseguido ao longo dos seus 37 anos de existência. Para isto, seria necessário reorganizar as redes assistenciais, com o incremento de maior investimento na territorialização dos serviços de saúde. Não apenas aqueles caracterizados como próprios da Atenção Básica, mas também serviços especializados e hospitalares.

A lógica que se deve implementar é a de que os hospitais devem ser reservados exclusivamente à resolução de problemas de saúde que necessitam de tecnologias hospitalares, e todo o resto deve buscar esta resolutividade nos outros serviços. Mas, para que se tenha uma ótima resposta às necessidades do cuidado aos usuários, os serviços devem se organizar territorialmente. Uma boa capacidade de resposta aos problemas de saúde, nos territórios, com envolvimento das comunidades no cuidado e autocuidado, reúne uma enorme potência nos serviços de saúde.

A experiência de Rimini

Trabalhamos então com a ideia de que um dos pressupostos para universalizar o acesso é a territorialização mais ampla e radical dos serviços de saúde. É esta a experiência que estamos acompanhando no âmbito das Unidades Sanitárias Locais da Romagna, na Itália, mais especificadamente no Distrito Sanitário de Rimini. Localizado no centro leste do país, às margens do Mar Adriático, ali se desenvolve uma experiência de organização e oferta de serviços de saúde que tem como centro o território. Neste sentido, são organizados vários serviços territorializados e que apostam fortemente no engajamento da comunidade nos processos de cuidado, entendendo-o não apenas o cuidado clínico, mas também naquilo que se refere à vida da pessoa no contexto das relações de trabalho, familiares, comunitário, a vida no seu conjunto.

Sob o lema “A razão de ser da casa comunitária é cuidar das pessoas nos seus locais de vida” se desenvolve a experiência das “Case della Comunità” (Casas da Comunidade), que é uma unidade de saúde na qual se concentra o serviço de saúde equivalente aos ofertados na Atenção Básica no Brasil, adicionando os serviços de atenção especializada e de assistência social.

As Casas da Comunidade, segundo o serviço de saúde local, representam um ponto de referência seguro para o acesso aos usuários, e têm como objetivo garantir uma resposta competente e adequada às diferentes necessidades de saúde. Para isto elas operam com diferentes graus de complexidade, compatíveis com o perfil e número da população de cobertura no território de referência. Esta estrutura se conecta em rede com hospitais e outros serviços de saúde locais.

Outra experiência também organizada de forma territorializada e apresentada como uma inovação do sistema de saúde local são os “Nodi Territoriali” (Nós Territoriais), no sentido de um ponto de conexão, entrelaçamento de redes de cuidado. Trata-se de uma estrutura atípica, com equipe multiprofissional, organizada para a missão de articular uma rede para atendimento de casos muito complexos, “hiper utilizadores” de emergências, e aqueles com alta complexidade social. Para usuários/as que não encontraram uma estabilidade ou resolução do seu problema de saúde na rede assistencial.

Os “Nodi Territoriali” contam com “operatori delle microzone” (operadores das microzonas), um profissional à semelhança do agente comunitário de saúde no Brasil, com função específica de cartografar a comunidade, articular e mobilizar entidades e pessoas para o esperado “engajamento comunitário” no cuidado à saúde. Especialmente importante para cuidar de populações mais fragilizadas, como imigrantes, idosos – sobretudo os que vivem sozinhos e que representam um grande contingente na região –, pessoas com deficiência, usuários de álcool e drogas e diversas situações de fragilidade social e de saúde.

O “Ospedale di Comunità” (Hospital Comunitário) é uma unidade de cuidados intermediários, territorializados, que tem a missão de acolher e cuidar de pessoas encaminhadas pelo Médico de Família e Comunidade. São usuários/as que já não têm possibilidade de cuidados na “Atenção Básica”, e necessitam de assistência mais intensiva, cuidados voltados à recuperação breve, pessoas em situação crônica que dão sinais de agudização, mas que não necessitam de uma internação hospitalar em um hospital convencional. Recebe também usuários encaminhados pelos hospitais, em alta hospitalar mas ainda com baixa autonomia para voltar ao domicílio, que terão um cuidado de reabilitação no Hospital Comunitário para ganhos de autonomia, e o retorno seguro ao domicílio. Com este tipo de serviço se evitam muitas internações desnecessárias e até inadequadas.

Por fim, fazendo rede com estes equipamentos, o Hospital Regional de Rimini, com 500 leitos, é referência para o Distrito, opera com alta tecnologia incorporada e conta com importante diretriz de acompanhamento dos usuários na continuidade do cuidado. Conta com esta rede territorializada para cumprir este objetivo. O serviço de saúde de Rimini se caracteriza por haver construídos vários dispositivos na rede de saúde, territorialmente referenciados e com investimentos importantes na participação comunitária na produção do cuidado.

A territorialização como diretriz de organização de todos os serviços, associada à busca incessante pelo engajamento comunitário, é fundamental para alcançar a universalidade de acesso. Importante destacar que o envolvimento da comunidade neste caso não é para o controle social da política, mas para o cuidado das pessoas, no seu contexto social e de vida, de forma integral.

Rimini, 06 de outubro de 2025

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