Venezuela: soam tambores de guerra dos EUA
Como Washington usa retórica de “guerra às drogas” para intimidar países e esboçar plano intervencionista contra Caracas? Quais os interesses na região, além do petróleo? Por que Trump prega paz na Ucrânia e arma-se contra América Latina?
Publicado 26/08/2025 às 18:34 - Atualizado 26/08/2025 às 23:22

Por Nick Corbishley, no Naked Capitalism | Tradução: Rôney Rodrigues
Os tambores de guerra do Império Americano estão mais uma vez batendo alto e forte na América Latina.
Três destroier norte-americanos equipados com o sistema Aegis, uma tecnologia de defesa projetada para rastrear múltiplos alvos e neutralizar ameaças aéreas ou marítimas simultaneamente, chegarão à costa da Venezuela nos próximos dias. Eles serão acompanhados por 4.000 soldados, aviões de vigilância e um submarino no que é, de longe, a maior demonstração de força que os EUA já reuniram contra o governo chavista da Venezuela.
O casus belli ostensivo desta operação militar é derrubar organizações de tráfico de drogas na América Latina, agora classificadas pela Casa Branca como narco-terroristas. Elas incluem o Tren de Aragua da Venezuela e o Cartel de los Soles, que, de acordo com Washington, tem ligações estreitas com o governo Maduro.
Desnecessário dizer que qualquer um que acredite neste último pretexto para a guerra contra um país que os EUA tentaram submeter a mudança de regime em pelo menos duas ocasiões até agora neste século – e que foi submetido a mais de uma década de sanções econômicas paralisantes – é excepcionalmente crédulo ou um apologista do Império.
Essa última escalada começou há cerca de duas semanas, com o anúncio da Procuradora-Geral dos EUA, Pam Bondi, de uma recompensa de 50 milhões de dólares por informações que levassem à prisão de Maduro, valor que antes era de 25 milhões. Erik Prince, o enigmático fundador da desacreditada empresa de mercenários Blackwater — cujo nome mudou tantas vezes que é difícil acompanhar —, em seguida tuitou: “Deveria estar morto ou vivo.”
Este é um roteiro antigo, cansado e cada vez mais mal escrito.
A notícia do deslocamento, divulgada pela CNN, foi posteriormente corroborada pela secretária de imprensa da Casa Branca, Katerine Leavitt. Questionada se a nova operação poderia incluir o desembarque de tropas nas costas venezuelanas, ela respondeu que os EUA estavam considerando “usar todo o seu poder” para conter o fluxo de drogas da Venezuela para os Estados Unidos, e insistiu que o líder venezuelano Nicolás Maduro é chefe de um cartel, além de um governante ilegítimo.
Este deve ser um momento doce para o Secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, que sonha com a mudança de regime na Venezuela, Cuba e Nicarágua desde que está na política (e provavelmente desde ainda antes).
Em 14 de agosto, Rubio confirmou o deslocamento de forças navais e aéreas dos EUA no Mar do Caribe, no que descreveu como um esforço para combater os cartéis de drogas que estariam “utilizando o espaço aéreo internacional e as águas internacionais” para transportar drogas aos Estados Unidos.
Da Venezuela Analysis:
Os marinheiros e fuzileiros navais destacados dos EUA estão designados para o Grupo Anfíbio de Prontidão Iwo Jima (IWO ARG) e para a 22ª Unidade Expedicionária de Fuzileiros (MEU) de Operações Especiais Capacitadas (SOC). Ambas as unidades são treinadas e equipadas para realizar missões rápidas em escala global a fim de cumprir objetivos estratégicos dos EUA. Elas não são unidades antinarcóticos.
Em uma conferência de imprensa, Rubio identificou como alvo principal o chamado “Cartel de los Soles”, que Washington alega ser liderado por Maduro e outros altos funcionários venezuelanos com a intenção de “inundar” os EUA com narcóticos.
“O Cartel de los Soles é uma das maiores organizações criminosas que existem no hemisfério. Ele foi indiciado nos tribunais federais dos Estados Unidos”, disse Rubio. Ele acrescentou que os EUA não reconhecem o governo Maduro, chamando-o de “empresa criminosa” que ameaça a segurança nacional dos EUA e os interesses petrolíferos na Guiana, referindo-se às operações da Exxon Mobil na disputada região de Essequibo.
Claro, isso tem tanto a ver com o combate ao narcotráfico quanto as guerras no Iraque, Síria, Líbia e Afeganistão tiveram a ver com o combate ao terrorismo islâmico.
Os EUA têm sido, pode-se argumentar, o maior apoiador e facilitador de organizações de tráfico de drogas no planeta, assim como têm sido, de forma semelhante, o maior apoiador de organizações terroristas islâmicas. Ambos os tipos de organizações se mostraram aliados úteis na busca das ambições imperiais dos EUA (por exemplo, os cartéis colombianos e mexicanos durante a insurgência dos Contras na Nicarágua nos anos 1980, ou os ramais da Al Al-Qaeda na Síria), ao mesmo tempo em que serviram como pretextos convenientes para intervenções militares.
O governo venezuelano não tem ilusões sobre os objetivos reais dos EUA. O ministro da Defesa da Venezuela, Vladimir Padrino Lopez, disse que os Estados Unidos querem “forçar uma mudança de regime” no país sul-americano — um objetivo que perseguem há mais de duas décadas, desde o fracassado golpe de direita contra Chávez em 2003. E não nos esqueçamos da tentativa farsesca de golpe do “líder interino” da Venezuela escolhido a dedo por Trump, Juan Guaidó, em 2019.
Não é difícil ver por que os EUA querem uma mudança de regime na Venezuela.
Não se trata apenas de a Venezuela ter mais petróleo sob seu solo e mar do que qualquer outro país; é o fato de estar localizada bem no quintal imediato dos EUA. Durante a campanha presidencial do ano passado, Trump admitiu abertamente que queria se apropriar do petróleo venezuelano, dizendo (ênfase minha): “Quando saí, a Venezuela estava pronta para colapsar. Nós teríamos ficado com todo aquele petróleo, estaria bem ao lado.”
Este é um exemplo perfeito de por que Trump é tão detestado por tantos no establishment de Washington — ele diz em voz alta aquilo que deveria permanecer subentendido a respeito das ambições imperiais de Washington.
Até o momento, o presidente Maduro respondeu à mobilização das forças dos EUA ordenando o destacamento de quatro milhões e meio de membros da Milícia Nacional Bolivariana para defender o “território, a soberania e a paz” da Venezuela.
Da Venezuela Analysis:
Em um discurso televisionado na segunda-feira, Maduro exortou todos os membros da milícia a estarem “armados e prontos” para defender todo o território nacional. Ele também ordenou a ativação de milícias de camponeses e trabalhadores em áreas rurais e fábricas em todo o país.
“Nenhum império virá tocar o solo sagrado da Venezuela, nem deveria tocar o solo sagrado da América do Sul”, comentou Maduro.
A Milícia Bolivariana é uma unidade de combate voluntária das forças armadas venezuelanas que foi criada em 2005 pelo presidente Hugo Chávez. É composta por homens e mulheres civis de todas as idades.
O ministro da Defesa venezuelano, Vladimir Padrino López, respondeu na terça-feira que a milícia estava preparada para “defender cada centímetro” da nação caribenha. Caracas proibiu o uso de drones em território venezuelano por 30 dias.
As ameaças de Washington não estão apenas direcionadas à Venezuela, alerta Maduro; elas estão direcionadas a toda a região latino-americana. E ele está certo: os EUA buscam usar a guerra às drogas como um meio de reafirmar seu poder em sua vizinhança direta. O líder venezuelano pediu apoio e unidade de todos os países da região.
Como temos alertado nos últimos anos, Washington reacendeu seu interesse em seu chamado “quintal” ao buscar se retrair de certas partes do mundo para o continente americano, assim como reafirmar o controle sobre os abundantes recursos da região — incluindo elementos de terras raras, lítio, ouro, petróleo, gás natural, petróleo leve doce, cobre, abundantes produtos agrícolas e vastas reservas de água doce.
Aqui está Laura Richardson, a ex-comandante do Comando Sul dos EUA, expondo o que o SOUTHCOM quer da América Latina e do Caribe:
O governo e os militares dos EUA, e as corporações cujos interesses eles servem, têm seus olhos em todos esses recursos. Eles também têm seus olhos nas duas passagens bioceânicas da região, o Canal do Panamá e a Passagem de Drake, bem como, sem dúvida, no corredor interoceânico que está sendo desenvolvido através do Istmo de Tehuantepec, no México.
Como lamentou o jornalista e apresentador de notícias argentino Carlos Montero em um tweet em 2023, seria bom viver em um mundo onde os EUA não estivessem interessados na América Latina pelas riquezas que poderiam saquear, mas para ajudá-la a se libertar de ser a região mais desigual do mundo. Mas isso significaria quebrar com quase 200 anos de tradição.
Nos últimos dias, muitos governos da região se manifestaram contra a mobilização de forças de Washington contra a Venezuela. De acordo com O Globo, Lula da Silva, do Brasil, teme que Trump esteja planejando uma intervenção militar na Venezuela para derrubar o governo Maduro, o que colocaria o Brasil em uma posição ainda mais delicada em relação ao governo Trump.
O presidente dos EUA impôs tarifas de 50% na maioria dos produtos brasileiros, citando a “caça às bruxas” do judiciário brasileiro contra o ex-presidente de direita Jair Bolsonaro por sua alegada tentativa de golpe em 2024. No entanto, existem outras razões potenciais para o descontentamento de Trump com o Brasil, como os crescentes apelos de Lula pela desdolarização, a mais recentemente delas na Cúpula dos BRICS no Rio.
Outros líderes latino-americanos expressaram preocupação com este último episódio de beligerância dos EUA.
“Do coração da América do Sul, condenamos veementemente o deslocamento militar dos Estados Unidos em águas ao redor da Venezuela”, escreveu o presidente da Bolívia, Luis Arce, em suas redes sociais. “Relacionar a Revolução Bolivariana e… o presidente Nicolás Maduro ao tráfico de drogas é uma das maiores infâmias da administração Trump nos últimos tempos, assim como o uso recorrente da luta contra as drogas como instrumento de intervenção imperialista em países que não se alinham com seus interesses geopolíticos.”
No entanto, Arce encerrará seu mandato muito em breve. Seu substituto será um dos dois candidatos conservadores que avançaram para o segundo turno das eleições presidenciais da Bolívia, depois que o movimento de esquerda MAS, que governou a Bolívia na maior parte das últimas duas décadas, se voltou contra si mesmo. Quem quer que vença o segundo turno, uma coisa é bastante clara: a Bolívia em breve buscará um alinhamento mais próximo com os EUA.
Além disso, Arce fez um “apelo urgente” para que organizações multilaterais como a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e o bloco bolivariano ALBA-TCP convoquem “reuniões de emergência” para “abordar esta questão com a seriedade que merece” e defender a “soberania e paz” regionais.
No entanto, a unidade regional diante da hostilidade dos EUA é improvável. Se há uma coisa com a qual o Império do Caos dos EUA sempre pôde contar, é a divisão e a polarização entre os estados-nação contingentes da América Latina. Os leitores podem lembrar que foi o próprio Lula quem bloqueou a proposta de adesão da Venezuela à aliança BRICS no ano passado, apenas meses após a reeleição contestada de Maduro. Esse movimento deixou Maduro mais isolado no cenário mundial.
No entanto, Maduro pode contar com o apoio diplomático da vizinha Colômbia e do México. O presidente colombiano Gustavo Petro alertou que os EUA cometeriam um erro se atacassem a Venezuela.
“Os gringos estão perdendo o rumo se pensam que invadir a Venezuela resolverá seus problemas”, disse Petro. “Eles buscam colocar a Venezuela na mesma situação que a Síria, só que correm o risco de arrastar a Colômbia para o problema.”
A Colômbia, é claro, é o estado-cliente mais próximo dos EUA na América do Sul, com pelo menos sete bases militares norte-americanas. Mas desde a eleição de Petro em 2022, o país tentou seguir um curso mais independente, aderindo recentemente ao Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS.
A presidente do México, Sheinbaum, também criticou o deslocamento de tropas dos EUA próximo à Venezuela, citando o compromisso constitucional do México com os princípios de não intervenção e autodeterminação dos povos. O México, é claro, também enfrenta a ameaça de intervenção militar dos EUA após ter sido classificado como adversário pelo Departamento de Justiça dos EUA — um destino que o governo Sheinbaum tem tentado evitar enviando dezenas de chefes de cartel para Washington.
“Nossa Constituição diz claramente e é sempre nossa posição: a autodeterminação dos povos, a não-intervenção e a solução pacífica de controvérsias”, disse Sheinbaum, acrescentando que esses problemas podem ser resolvidos com diálogo.
Infelizmente, são princípios que Washington pouco respeita ou valoriza. Os EUA realizaram dezenas de intervenções militares na América Latina no século XX, incluindo invasões e mobilizações de tropas, golpes, operações de mudança de regime, além de apoio e assistência militares.
Continuou a se intrometer na região no século XXI, embora com frequência e intensidade ligeiramente menores (com três grandes operações na Venezuela, em 2003, 2019 e agora em 2025, Honduras em 2009 e Bolívia em 2019). No entanto, isso pode estar prestes a mudar, já que os EUA definem suas ambições imperiais para mais perto de casa — incluindo, é claro, a Groenlândia e o Canadá. No entanto, de alguma forma, é a Venezuela que é o “perigo para a região”.
O fato de o governo Trump parecer estar empenhado em atacar a Venezuela — e muito possivelmente o México — como parte de sua guerra regional contra os cartéis de droga da América Latina contradiz todas as suas promessas de ser um “presidente da paz” e colocar a “América em primeiro lugar”. Como observa o ex-congressista libertário dos EUA Ron Paul, a política externa do presidente Trump está se mostrando tão beligerante e intervencionista quanto a de seus predecessores.
Com Trump em modo “pacificador” em relação à Ucrânia, após a recente Cúpula do Alasca com Putin, será interessante observar como seu governo lidará com a escalada das hostilidades com a Venezuela. O analista e cientista político venezuelano William Serafino sugere que Washington evitará ataques militares diretos contra a Venezuela, preferindo optar por um cenário de operações híbridas ou não cinéticas.
[Isso] abrangeria uma ampla gama de operações, desde ciberataques e sabotagem de infraestrutura até surtos de violência armada. Uma Guerra Suja com o propósito de desgaste, possivelmente até recriando um Gideon estilo 2025.
Gideon foi uma tentativa de um grupo de dissidentes militares venezuelanos que estavam no exílio desde janeiro de 2019 e três membros de uma força de segurança privada sediada nos Estados Unidos de infiltrar-se na Venezuela no estado costeiro de La Guaira a partir da Colômbia. Foi um fiasco total. A primeira onda de ataque resultou na morte de seis dissidentes venezuelanos, enquanto vários outros foram capturados por pescadores, forças policiais locais e depois entregues às forças do governo; a segunda onda foi interceptada pela Força Armada Nacional Bolivariana (FANB).
Se os EUA tentassem algo semelhante, deveriam poder contar com o apoio do Vente Venezuela, as forças de oposição lideradas por María Corina Machado, que está escondida desde as eleições contestadas do ano passado. No final de julho, Machado enviou a seguinte mensagem via mídia social para seus seguidores, o exército e a polícia venezuelanos e a comunidade internacional:
“Todos nós temos tarefas a cumprir, e a primeira é a organização clandestina de todas as estruturas dentro da Venezuela. Assim como desobedecemos e os deixamos humilhantemente sozinhos [nas eleições de ontem]. Nos preparamos para a ação cívica no dia em que for exigida.”
É claro que já passamos por isso muitas vezes antes. Machado tentou organizar uma revolta civil em setembro do ano passado, que acabou em nada. Como observamos na época, a Venezuela simplesmente não possui uma oposição forte e com credibilidade — muito parecido com meu país por afinidade, o México.
Mesmo com o apoio dos EUA, da UE e de numerosos governos alinhados com os EUA na América Latina, para não mencionar o apoio constante da mídia ocidental e grupos de lobby, não foi possível derrubar Chávez ou Maduro. Como escreveu o leitor do NC, Cristobal, no thread de um post anterior, “tentativas repetidas de derrubar o governo por meio de golpes militares, violência pós-eleitoral, sanções econômicas e esforços de desestabilização no valor de milhões de dólares, incluindo terrorismo e ciberataques” não deram em nada.
A diferença desta vez é que os EUA enviaram suas próprias forças para monitorar os acontecimentos. Estimulado pelo recente colapso do governo Assad na Síria e pelo apoio militar à guerra de 12 dias de Israel contra o Irã, Trump estaria disposto a cruzar a linha e entrar em outra guerra, desta vez na Venezuela? E, se o fizer, o que isso significará para o movimento MAGA, especialmente com o escândalo Epstein ainda borbulhando ao fundo?
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