Como proteger a natureza na Foz do Amazonas?

Cientistas brasileiros propõem intensificar cuidados com a região, diante da abertura para exploração de petróleo. Plano: um mosaico de unidades de proteção integral e de manejo sustentável, e um centro avançado de pesquisas. Fala um dos formuladores do projeto

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Alexandre Turra em entrevista a Cristiane Prizibisczki, em O Eco

Cientistas do Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA-USP) e do Museu Paraense Emílio Goeldi lançaram, nesta quarta-feira (20), um documento no qual propõem a criação de um mosaico de áreas protegidas na Foz do Amazonas, para fazer frente aos perigos da exploração de petróleo na região. Mosaico reuniria unidades de proteção integral e de uso sustentável, que não impediriam atividades petrolíferas.

A proposta é fruto de uma mobilização inédita entre pesquisadores, lideranças tradicionais, gestores públicos e representantes da sociedade civil dos estados do Amapá, Maranhão, Pará e São Paulo, reunidos por iniciativa dos cientistas da IEA-USP e do Museu Goeldi no chamado “Grupo de Trabalho da Foz do Amazonas”.

Ao longo de um ano, o GT, composto por 19 especialistas de diferentes áreas, se reuniu para formulação de propostas que pudessem unir conservação ambiental, desenvolvimento sustentável e inclusão social, em resposta à necessidade de intensificar os cuidados com a região diante da possibilidade de exploração de petróleo no local.

O documento que saiu dos debates reúne 18 propostas, sendo as principais delas a criação do mosaico de unidades de conservação e a criação de um centro de pesquisas, o Instituto Nacional da Foz do Amazonas (INFA), que funcionaria nos moldes do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) ou do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), mas voltado especificamente para o estudo da região da Margem Equatorial brasileira.

((o))eco conversou com exclusividade com Alexander Turra, professor titular do Instituto Oceanográfico da USP e um dos organizadores do GT da Foz do Amazonas. Turra também é responsável pela Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN). Confira os principais trechos da entrevista:

No documento vocês propõem duas ações principais, que seriam a criação do INFA e a implantação de um mosaico de áreas protegidas marinhas. Você poderia explicar melhor esta iniciativa? 

Alexander Turra – Com o cenário de exploração de óleo na margem equatorial, especialmente nos estados do Maranhão, Pará e Amapá, a gente entendeu que são necessárias medidas de aumento da resiliência ou de preparo da região, como medidas de adaptação, para que ela possa se beneficiar efetivamente do óleo.

Porque há um discurso de que o óleo vai trazer prosperidade para a região, só que o óleo em si não garante isso. Então, com base nessa experiência do litoral norte do Rio e de outros países, a gente entendeu que era fundamental criar cenários ou opções de futuro, de caminhos, para que a riqueza ou a prosperidade que possa vir derivada do óleo possa trazer benefícios efetivos para a região.

Nós [GT] fizemos dois seminários e algumas reuniões envolvendo pesquisadores da região e daqui do Instituto de Estudos Avançados para compreender quais seriam esses possíveis caminhos ou as possíveis ações. E aí nós temos nesse documento basicamente 18 ações variadas, e duas ações adicionais que meio que sintetizam um pouco essa ideia ou ilustram um pouco isso de uma forma melhor, que são essas que você mencionou. 

Alexander Turra, em evento da IEA-USP. Crédito: IEA-USP

A ideia, então, não é que esse mosaico de áreas protegidas impeça a exploração de petróleo, correto? 

Não. O que a gente está propondo são opções de convivência saudável com a atividade de exploração de óleo e gás. Hoje a região já precisa de maior proteção, mas com óleo vai precisar de mais. Então é fundamental termos uma estratégia de criar áreas protegidas, de uso sustentável e ou de proteção integral, para que você tenha uma qualificação da proteção da região.

Para isso nós temos vários caminhos. Um deles é, com esse recurso, via royalties, via licenciamento, se fortalecer as unidades de conservação existentes, por meio da elaboração e implementação de seus planos de manejo, a criação de novas áreas marinhas protegidas, em diálogo com todos os atores da região, inclusive a pesca, e a criação de um mosaico para que você tenha uma visão do todo, do conjunto, para que funcione de forma sistêmica e integrada nessa conservação.

E quantas áreas fariam parte deste mosaico?

É uma grande área que engloba a margem equatorial, que tem dentro dela áreas de maior ou menor proteção. Nós propusemos três cenários que ocupam toda essa área da margem equatorial.

Sem se sobrepor aos blocos?

A área que se sobrepõe aos blocos seria uma área de uso sustentável, num dos cenários. Em outro cenário, não há sobreposição. A gente fez um exercício de pensar vários cenários para iniciar uma discussão sobre como a gente pode definir uma área na região que seja compatível com essas atividades.

Mas dentro da lei brasileira, dentro do SNUC [Sistema Nacional de Unidades de Conservação], é possível que haja exploração de petróleo dentro destas áreas?

Em área de uso sustentável, dependendo do plano de manejo, sim. Em área de proteção integral, não. E a gente tomou cuidado aqui para fazer justamente essa separação.

Como que essas unidades de conservação garantiriam a proteção em um eventual derramamento de óleo? Porque o derramamento independe de limites de unidade de conservação.

Ali [no plano de contingência] você vai ter, entre várias coisas, a intensificação das ações de proteção. Então você tem um direcionamento das energias e dos esforços de contenção de vazamentos que eventualmente vão para aquela área. Não dá para você impedir que vá totalmente, mas você consegue garantir que mais seja retirado. Esse é um ponto. Além disso, com essas atividades convivendo, a gente entende que muito mais recurso pode ser, por exemplo, destinado à conservação de várias outras formas, para que você consiga implementar essas unidades de uma forma mais intensa.

E dentre as coisas que a gente coloca como medidas sugeridas é a implementação do sistema de vigilância da Amazônia Azul, que é capitaneado pela Marinha do Brasil na região, que, dentre outras coisas, vai monitorar esse tipo de coisa e ter uma ação de prontidão imediata.

Então a ideia é que, tendo oficialmente uma unidade de conservação ali, seja possível tomar medidas mais céleres e mais eficientes num eventual derramamento de óleo, isso?  

Exatamente, porque isso já vai estar colocado nos planos de contingência, e as áreas mais sensíveis ou mais importantes para pesca, para biodiversidade, elas vão ter uma atenção especial.

Muitas unidades de conservação são criadas no Brasil, mas não saem do papel. Com este cenário, como garantir a proteção da área?

A ideia é que essas unidades de conservação não estejam mais só no papel, elas estejam sendo implementadas, e para isso o recurso que vai acabar emergindo na região [por meio de royalties] vai viabilizar isso. Sem esse cenário de exploração de óleo, muito provavelmente a gente não teria recursos para criar novas ou implementar as que existem, por exemplo, do jeito que a gente gostaria, do jeito que o SNUC prevê. Então a gente está entendendo que eventualmente isso pode ajudar a ter uma conservação mais efetiva da região. 

É claro que no cenário de mar, ali perto dos blocos de exploração, no caso de um vazamento, é o que eu te expliquei antes, é direcionar a contingência. Mas é muito mais que isso, porque na medida em que você tem uma unidade funcional, você tem um diálogo muito mais próximo com os outros atores do território para conseguir fazer outros avanços. Por exemplo, diminuir outros tipos de pressão que acabam trazendo perda de vitalidade para a região, como produção de lixo, do esgoto. Estamos também falando da pesca. E aí você vai poder gerenciar o território de forma mais sistêmica e trazer vitalidade para que ele possa cumprir, funcionar adequadamente e entregar benefícios para a sociedade.

É como criar uma joia, e essa joia vai ser mais protegida. Hoje a gente conhece a joia, mas ela não está oficialmente protegida. E na medida em que ela fica [protegida], e que você tem um conselho, você tem um plano de manejo, você tem atores discutindo, como é no Litoral Norte de São Paulo, a gente tem ali uma vitalidade muito grande desse processo participativo que traz a situação a muito mais olhares do que hoje a gente tem.

E como funcionaria o Instituto de Pesquisas da Foz do Amazonas?

A gente está muito preocupado com o fortalecimento das instituições da região. Uma forma de se fazer isso é criar esse instituto, que vai fazer um papel que não se sobrepõe com as instituições existentes. É mais

um articulador de conhecimento, das informações, seria mais um centro de pensamento, de planejamento do futuro da região, da economia sustentável do oceano.

Ele seria, por exemplo, um órgão vinculado ao governo, como é, por exemplo, o INPE?

Isso, exatamente. Aqui a proposta é que fosse vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia e ele teria esse papel adicional e convergente para agregar o conhecimento, as iniciativas que tem dentro de contextos de planejamento, de desenho do futuro.

O fato de vocês estarem pensando nessas estratégias significa que vocês estão acreditando que, de fato, vai haver exploração de petróleo na região, correto? Vocês não estão trabalhando com a possibilidade de haver impedimentos à atividade.

É um antídoto. Se isso realmente acontecer, como o discurso do governo federal coloca, e esse discurso está na boca do presidente, está na cabeça e na boca do presidente do Congresso, está na licença que foi concedida recentemente pelo IBAMA, e está no leilão dos blocos na região, pela ANP, então, existe um movimento ali.

Se essa for uma opção do governo brasileiro, que aconteça bebendo no aprendizado que a Ciência tem e que a gente consiga se preparar para que isso efetivamente traga desenvolvimento para a região, e não degradação. Então, a gente está trabalhando nesse cenário de exploração e se antecipando a ele.

No dia 17 de junho a Agência Nacional de Petróleo (ANP) realizou leilão de oferta para concessão de 172 blocos exploratórios de petróleo e gás, sendo 47 blocos na Foz do Amazonas. Destes, 19 foram arrematados, somando uma área de 16,3 mil km², o que significa que uma área equivalente à metade do território da Bélgica está agora aberta à exploração.

Quais as chances de essas propostas serem implementadas?

Essa reflexão e essa costura [com diferentes atores do governo] já vem sendo feita há bastante tempo, quando os sinais começaram a aparecer. Nós conversamos com todo mundo, com Ministério do Meio Ambiente, Petrobras, Marinha, universidades, ICMBio. Entendendo que isso tem que ser uma coisa muito integrada, abrangente, para que a gente consiga efetivamente fazer um movimento no cenário de exploração de óleo. As chances de implementação são gigantescas.

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O documento “Cenários Estratégicos para a Ampliação do Conhecimento Científico e Proteção da Biodiversidade da Foz do Rio Amazonas” pode ser conferido aqui.

O evento de lançamento do documento pode ser conferido aqui:

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