Europa incendiada
Continente banhado pelo Ártico foi o que mais aqueceu com as mudanças climáticas. Este ano, área queimada por incêndios florestais mais que dobrou – e atinge países “gelados” como Suécia e Finlândia. Com milhares evacuados e vítimas, situação não indica melhora
Publicado 20/08/2025 às 18:05 - Atualizado 20/08/2025 às 18:06

Há algumas semanas, grandes incêndios vêm atingindo vários países da Europa. Se o inferno está associado ao fogo, o continente está passando por um verão verdadeiramente infernal.
Essa situação tem preocupado a milhares de pessoas. As estatísticas oficiais ocupam páginas inteiras dos jornais e muitos minutos de notícias na televisão e no rádio. O calor bate recordes e os incêndios são os principais protagonistas da situação no continente.
De acordo com o Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais (EFFIS), até 12 de agosto, 409.220 hectares já haviam queimado em países da União Europeia, representando mais de 10% da área da Bélgica. No ano passado, no mesmo período, a área queimada foi de 188.643 hectares. Os incêndios semanais que atingem parcelas de mais de 30 hectares também estão bem acima do que já havia acontecido: até agora, em 2025, chegam a 1.599, muito mais do que os 1.089 do mesmo período de 2024.
A situação no continente, com milhares de evacuados e dezenas de vítimas diretas (incluindo mortos e feridos), não indica melhora. Nos últimos dias e até meados de agosto, a França e especialmente a Espanha estiveram entre os países mais afetados por incidentes, danos materiais e vítimas, embora a Turquia e a Grécia não estejam muito atrás. Tampouco Portugal, Bulgária, Albânia, Chipre, Montenegro e Kosovo. Anteriormente, o Reino Unido havia sido duramente atingido. Essa situação ocorre num cenário de canícula que atinge novamente a Europa, com recordes superiores a 42ºC e com um aumento significativo da seca nas zonas afetadas.
Na segunda semana de agosto, o Departamento de Aude, perto do Parque Nacional dos Pirineus de Ariege (quase na fronteira com a Espanha) e do Parque Natural Regional do Haut-Languedoc, sofreu o maior incêndio florestal das últimas décadas, com 16.000 hectares queimados. Embora o foco desse incêndio tenha sido controlado em cerca de 72 horas, as autoridades anunciaram que sua extinção definitiva levaria dias e até semanas devido às condições climáticas e aos ventos fortes. A fumaça e as cinzas de Aude chegaram às Ilhas Baleares, à Girona e à Barcelona.
Em uma dúzia de regiões espanholas, o panorama não tem sido menos desolador. Mais recentemente, nos municípios galegos de Maceda Chandrexa e Queixa e na região de El Bierzo, afetando o Parque do Monumento Natural de Las Médulas (patrimônio da Unesco), na Província de León. Ao mesmo tempo, outras frentes eclodiram na província de Zamora e em Pamplona. De acordo com informação da imprensa espanhola na terça-feira, 12 de agosto, a partir desse dia eles permaneciam ativos em sete comunidades: Galiza, Castela e León, Madri, Extremadura, Andaluzia, Castela-La Mancha e Navarra, com situações especialmente preocupantes em meia dúzia de províncias.
De acordo com o site Web Ecoavant, na Espanha, de janeiro deste ano até agora, 47% dos incêndios ocorreram nas chamadas comunidades do interior; 27%, no noroeste, e 23%, ao redor do Mediterrâneo.
Em vários países, como constatou o Serviço de Vigilância Atmosférica do Programa Copernicus, os incêndios florestais causaram a maior quantidade de emissões de gases poluentes nos últimos 23 anos, quando começaram a ser recolhidas informações sobre o tema. Na Grécia, na Turquia, no Reino Unido e em Chipre, esse tipo de emissão tem sido recorde.
O termômetro explode em todo o Norte
De acordo com o Programa Copernicus de Observação da Terra, que depende da União Europeia, o mês de julho de 2025 foi o terceiro julho mais quente do mundo, depois de 2023 e 2024. A temperatura média da superfície do mar foi a terceira mais alta já registrada e a extensão do gelo marinho do Ártico reduziu-se para seu nível mais baixo desde que as medições de satélite começaram, há 47 anos. Esse nível de redução foi quase o mesmo de 2012 e 2021.
As ondas de calor europeias afetaram até regiões nórdicas, como a Suécia e a Finlândia, com um período excepcionalmente longo de temperaturas acima de 30°C. O sudeste da Europa também sofreu ondas de calor e incêndios florestais, com uma temperatura recorde nacional de 50,5°C na Turquia.
Fora da Europa, temperaturas acima da média foram registradas no Himalaia, na China e no Japão. De acordo com o Centro Meteorológico Mundial de Pequim, as temperaturas máximas da primeira semana de agosto ultrapassaram 42°C em partes da Ásia Ocidental, sul da Ásia Central, nas grandes regiões do Norte da África, no sul do Paquistão e no sudoeste dos Estados Unidos, com áreas localizadas a mais de 45°C. O Japão registrou um novo recorde nacional de temperatura de 41,8°C, em 5 de agosto, superando o recorde de 41,2°C cinco dias antes. No sudoeste do Irã e no leste do Iraque, o mercúrio atingiu 50°C. Por sua vez, o Serviço Meteorológico Nacional de Marrocos teve que emitir um alerta para temperaturas entre 40 e 47°C.
Fumaça do Canadá cobre a Europa
A um continente já sofredor foi adicionado um fenômeno climático tão original quanto surpreendente: em muitas cidades, durante vários dias de junho, o céu foi coberto por uma tonalidade avermelhada escura fantasmagórica. Esse foi o resultado do impacto da fumaça do Canadá, de incêndios florestais extensos e generalizados nas províncias de Alberta, Manitoba e Saskatchewan desde maio, deixando mais de 6,6 milhões de hectares queimados.
No início de junho, uma grande nuvem dessa fumaça atravessou o Atlântico Norte em direção à Europa. De acordo com o Índice IQAir suíço, que mede a qualidade do ar e os níveis de poluição, a maior parte chegou à região europeia graças às correntes de grande altitude, cerca de 9.000 metros, motivo pelo qual não afetou diretamente os centros urbanos. No entanto, em poucos dias a fumaça começou a descer e impactar várias cidades. Várias comunidades no Centro e no Sul tiveram que lançar um alerta meteorológico: o ar é “insalubre para grupos sensíveis”. Esse fenômeno, que se repetiu no início de agosto, já havia deixado Zagreb, Liubliana, Milão e Berna entre as cidades mais poluídas do mundo.
A má qualidade do ar que foi medida em grande parte do céu europeu é reforçada nesta época do ano pelos episódios já repetidos de poeira do Saara, também conhecidos como calimas. Provenientes da África, compostos por partículas majoritariamente de origem mineral como quartzo, argila, calcita e óxido férrico, eles se expandem pelo céu europeu, bem como pelo Caribe e pelo sudeste dos Estados Unidos, rarefazendo a visibilidade e causando distúrbios respiratórios a setores da população com saúde vulnerável.
Incêndios destrutivos
A Europa e o Ártico são as regiões do planeta que aqueceram mais rapidamente. Nos últimos 30 anos, suas respectivas temperaturas aumentaram duas vezes mais do que no resto do globo, atingindo aproximadamente 0,53°C por década. Com o aquecimento, como indicam os estudos de tendências, maiores secas e menos chuvas contribuirão para dobrar o risco de incêndios até o ano 2100. O aumento da urbanização, as terras agrícolas abandonadas e o crescimento da vegetação não manejada também continuarão a contribuir para o crescimento de vastas paisagens de biomassa inflamável. Por outro lado, as monoculturas extensivas, em particular de coníferas, pinho e eucalipto, constituem um fator de risco não menos importante.
De acordo com cálculos muito precisos, os incêndios causam sérios prejuízos econômicos à União Europeia: cerca de 2 bilhões de euros por ano. Em 2023, ano recorde, foi contabilizado quase o dobro desse valor. As áreas afetadas viram uma diminuição de pelo menos 0,2% em seu Produto Interno Bruto como consequência direta.
A estreita relação entre o aquecimento global, o aumento das temperaturas, as secas potencializadas e os incêndios destrutivos é um fenômeno único. Na Europa, o impacto desses elementos é reconfirmado quase todos os anos. De acordo com o Programa Copernicus, “embora a física do aquecimento global seja simples (os gases com efeito de estufa retêm calor), em suma, a taxa de aquecimento em diferentes regiões é determinada por feedbacks locais complexos, pela dinâmica atmosférica e pela qualidade do ar”. Compreender essas diferenças regionais, explica Copernicus, é essencial não apenas para a precisão científica, mas também para projetar estratégias de adaptação local diante de um mundo em aquecimento.
Tudo parece muito claro, embora a realidade seja expressa de forma mais contundente e quase sinistra. Nem os estudos científicos nem a análise de tendências e investimentos preventivos alcançaram até agora avanços preventivos e eficazes contra o impacto destrutivo dos incêndios na Europa e também no resto do planeta. A física do aquecimento é simples e este poderia ser combatido com reduções radicais nas emissões de carbono e gases de efeito estufa. É uma equação simples, que questiona toda a lógica atual de produção e consumo. Enquanto isso não mudar, a Europa e o resto do planeta continuarão a arder.
Tradução: Rose Lima
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