Pataxós pedem novo socorro, no sul da Bahia
Em nova ação de retomada de terras, indígenas enfrentam milícias que tentam roubar seus territórios – e que até fecharam a última via de acesso à praia Imbassuaba, visando isolar os povos. Carta pede proteção à escalada de violência iminente
Publicado 06/08/2025 às 18:42

O povo Pataxó realizou, neste domingo (3), a retomada de uma área localizada no interior da Terra Indígena (TI) Comexatibá, no município de Prado, extremo sul da Bahia. A área, segundo os indígenas, é parte da aldeia Kaí e está sobreposta por duas propriedades. A retomada foi motivada pela ação dos proprietários das fazendas, que fecharam a última via de acesso à praia Imbassuaba. A ação deu origem a uma carta aberta em que pedem proteção e providências para a conclusão da demarcação de terras.
Os indígenas apontam ainda que já fizeram diversas denúncias sobre as ameaças sofridas por lideranças, feitas por fazendeiros e especuladores de terras que detém ou cobiçam as áreas sobrepostas à TI. Este ano, a estado de violência escalou após o assassinato de Vitor Braz, morto por disparos de arma de fogo. Em seguida, uma casa foi queimada na aldeia Monte Dourado, localizada na TI Comexatibá.
Na tarde desta segunda-feira (4), após a recém retomada, os Pataxó denunciaram, em suas redes sociais, que um indivíduo intimidou duas lideranças com uma arma de fogo.
Contexto
O território indígena Pataxó no extremo sul da Bahia enfrenta um cenário alarmante de ameaças e violências provocadas pela especulação imobiliária, fazendeiros ligados ao agronegócio, e políticos locais. A região, conhecida como Terra Indígena Comexatibá, já foi oficialmente delimitada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) desde 2015, mas aguarda há mais de uma década a conclusão de seu processo de demarcação pelo governo federal.
Enquanto a morosidade estatal persiste, cresce a ocupação irregular do território por fazendeiros e empresários que atuam na comercialização ilegal de terrenos, sítios e fazendas dentro dos limites da TI Comexatibá. Além da grilagem (obtenção ilegal de terra pública por meio de documentos falsos), a venda de lotes e construção de condomínios residenciais sobre áreas de reforma agrária e sobrepostas ao território tradicional Pataxó tem avançado, desrespeitando leis ambientais, direitos indígenas e o próprio ordenamento constitucional.
Bloqueio ilegal do acesso à praia e reação Pataxó
Recentemente, um dos chamados “proprietários” da área decidiu bloquear todos os acessos à praia de Imbassuaba, historicamente utilizado por indígenas, pescadores, visitantes e moradores locais para pesca, lazer e práticas culturais. A interdição gerou indignação por parte de setores da comunidade de Cumuruxatiba, distrito de Prado, porém, nenhuma medida concreta foi tomada.
Diante da omissão do Estado, o povo Pataxó decidiu ocupar a área de forma pacífica e realizar uma nova etapa de autodemarcação do território, para garantir a reabertura dos acessos à praia e garantir a livre circulação para toda a comunidade, como estabelece a Constituição Federal. A área retomada integra a Aldeia Kaí era explorada por duas fazendas – “Portal da Magia” e “Portal da Fazenda Imbassuaba” – localizadas a poucos metros da Escola Estadual Indígena Kijetxawê Zabelê.
A resposta dos setores econômicos locais à retomada indígena tem sido marcada pela violência. Lideranças denunciam a presença constante de milicianos e pistoleiros, que armados entre Cumuruxatiba e as aldeias, ameaçam moradores, intimidam famílias e geram um ambiente de medo. Relatos de disparos de arma de fogo próximos às aldeias são recorrentes, somando-se a um histórico trágico de assassinatos de jovens Pataxó nos últimos anos, incluindo crianças e adolescentes.
Inação do Estado alimenta violência e impunidade
A demora do Estado brasileiro em concluir a demarcação da TI Comexatibá tem sido apontada pelas lideranças indígenas como a principal causa da intensificação dos conflitos na região. Além das mortes já registradas, os Pataxó denunciam a atuação ilegal de agentes de segurança pública como seguranças privados a serviço de fazendeiros — prática investigada pelo Ministério Público Federal.
Em carta aberta divulgada no dia 3 de agosto, a comunidade Pataxó afirma estar “cansada de esperar”, e denuncia que o território “vem sendo invadido, barganhado e comercializado nos mercados imobiliários”. O documento cobra providências urgentes ao presidente Lula, ao governador Jerônimo Rodrigues, à Funai, ao Ministério dos Povos Indígenas, MPF, DPU e Incra, exigindo a proteção das lideranças, o fim da violência e a conclusão da demarcação.
Defesa ambiental e econômica comunitária
A luta do povo Pataxó transcende a questão territorial: está profundamente ligada à proteção ambiental e à economia local. A TI Comexatibá abriga um dos últimos remanescentes de Mata Atlântica preservada no litoral do Nordeste brasileiro, com espécies nativas de fauna e flora ameaçadas de extinção. A ocupação tradicional pelos Pataxó tem se mostrado não apenas sustentável, mas restauradora – com ações de reflorestamento e recuperação de áreas degradadas conduzidas pelas próprias comunidades.
Além disso, os modos de vida indígenas sustentam economias locais como a pesca artesanal, a coleta, o turismo de base comunitária e o artesanato, que gera renda e promove o cuidado com o território. A violação dos direitos territoriais indígenas impacta diretamente esses modos de vida e compromete o equilíbrio ecológico da região.
Autodemarcação como ferramenta legítima de resistência
A autodemarcação da Terra Indígena Comexatibá surge, como uma resposta diante da omissão institucional, da violência sistemática e da destruição ambiental. Ao retomarem áreas estratégicas de seu território, os Pataxó não apenas garantem sua sobrevivência física e cultural, mas também protegem o direito coletivo de toda a sociedade ao acesso livre às praias, à preservação dos ecossistemas e ao respeito à Constituição Federal.
É dever do Estado brasileiro cumprir seu papel de garantir os direitos dos povos originários, fiscalizar a venda ilegal de terras, proteger as lideranças ameaçadas e finalizar os processos de demarcação com urgência. Enquanto isso não acontece, o povo Pataxó seguirá em pé, em defesa da vida, da floresta e de seu direito ancestral de existir.
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