Na Alames, ex-diretora de Farmanguinhos defende produção nacional de IFAs

Em oficina que integrou o primeiro dia de programação do XVII, Congresso Latino-americano de Medicina Social e Saúde Coletiva, Eloan Pinheiro relembra quando Brasil era protagonista no setor farmoquímico e apresenta propostas para a volta deste cenário

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Em oficina sobre a produção pública de medicamentos na América Latina, a química Eloan Pinheiro, ex-diretora de Farmanguinhos, defendeu a implementação de uma série de medidas que incentivem a fabricação nacional de Ingredientes Farmacêuticos Ativos (IFAs) no Brasil. Em sua visão, a medida é essencial para enfrentar a condição dependente do país no setor farmoquímico. 

A atividade fez parte do primeiro dia de programação do XVIII Congresso Latino-americano de Medicina Social e Saúde Coletiva, que está ocorrendo na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e seguirá até esta sexta-feira (8).

Na sua intervenção, a química lembrou que o Brasil produzia 50% da demanda local de IFAs para medicamentos e vacinas até os anos 1980. No entanto, a abertura comercial e a assinatura do Acordo TRIPS na década de 1990, que também levaram à promulgação de uma nova Lei de Patentes em 1996, mudaram esse cenário. A própria indústria instalada em solo nacional passou a importar esse insumo do exterior – e, hoje, menos de 10% dos IFAs consumidos aqui são fabricados no país.

Os números ilustram o tamanho da tragédia. A importação de IFAs já representa US$ 2,3 bilhões do significativo déficit de US$ 9,8 bilhões que o Brasil possui na balança comercial de medicamentos. Como destacou Eloan, a Índia passou por um processo inverso nas últimas décadas, no qual o endurecimento da legislação patentária e o incentivo às práticas de engenharia reversa estimularam a produção autóctone de IFAs. Graças a isso, o setor farmoquímico indiano tornou-se protagonista não apenas no Sul Global, mas em todo o mundo.

Retomando experiências de décadas passadas, Eloan lembrou que Farmanguinhos conduziu exitosamente a engenharia reversa de medicamentos antirretrovirais durante a década de 1990. Nesse processo, baixou-se enormemente o preço dos fármacos, contribuindo para o enfrentamento à epidemia de HIV/aids. 

A química argumentou que os acordos de transferência de tecnologia firmados pelo setor público com multinacionais, conhecidos como Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs), não alcançam reduções de custo tão significativas e demoram muito para se concluir. Além disso, as PDPs “não impactaram até o momento a dependência na produção dos IFAs e nem na importação de medicamentos prontos”, explicou.

Para a ex-diretora de Farmanguinhos, o Brasil precisa aproveitar a força do Sistema Único de Saúde (SUS) e do amplo parque industrial farmacêutico instalado no país – sejam as 411 empresas privadas ou os 21 laboratórios públicos – para voltar a produzir IFAs. 

Para isso, apresentou cinco propostas: 1) a criação de um novo centro tecnológico público, voltado para o desenvolvimento de IFAs que atendam à demanda nacional, empregando a engenharia reversa; 2) uma diretriz de compras públicas para o SUS que priorize os insumos e medicamentos produzidos localmente; 3) uma política de desoneração e incentivos mais ampla para a indústria nacional; 4) um trabalho mais atento de acompanhamento dos preços internacionais dos insumos; 5) e a reformulação do sistema de preços da CMED, cujos parâmetros não atendem às necessidades da população.

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