Colônia Cecília, uma experiência anarquista no Paraná
No final do século XIX, o italiano Giovanni Rossi fundou, em Palmeiras, uma comuna agrícola. Vislumbre de sua “utopia concreta”, durou dois anos. Mas, entre êxitos e desventuras, provou ser possível viver sem hierarquias, sem propriedade e sem dogmas
Publicado 24/07/2025 às 18:47 - Atualizado 24/07/2025 às 18:51

Aos meus bisavós, lavradores imigrantes do Vêneto.
Por Soleni Biscouto Fressato, em A Terra é Redonda
Em 1890, um grupo de imigrantes italianos, dentre eles Giovanni Rossi, estabeleceu-se na região agrícola da cidade de Palmeira (Paraná) e fundou a Colônia Cecília, uma das poucas comunidades anarquistas da América Latina, provavelmente a única até então. Ao longo de quatro anos, em busca de uma vida mais justa e digna e guiados pelos valores de liberdade e respeito, seus integrantes vivenciaram as práticas da propriedade coletiva da terra, do trabalho voluntário e da ausência de autoridade e de hierarquia.
Giovanni Rossi escreveu três textos específicos sobre a experiência: La Colonia Cecilia (de 1891, terceira parte do seu livro Un comune socialista), Cecilia, comunità anarchica sperimentale, onde fez um balanço da vivência na colônia, quando já estava decidido a sair dela, seguido de Un episodio d’amore nella Colonia Cecilia, ambos de 1893.
Alguns anos depois, em 1896, quando a Cecília não existia mais e Giovanni Rossi já estava vivendo em Taquari (Rio Grande do Sul), escreveu o conto utópico Il Parana nel XX secolo. Nele, pode-se vislumbrar os efeitos da experiência da Cecília no pensamento de Rossi, que ainda acreditava na formação de uma sociedade, não necessariamente anarquista, mas que fosse capaz de tornar as pessoas mais felizes[i].
Além disso, algumas cartas que Giovanni Rossi escreveu a Alfred Sanftleben (1871-1952) foram traduzidas e citadas na íntegra em estudos de vários pesquisadores, revelando informações importantes sobre a vida na colônia[ii]. Também podem ser consultadas on-line, na biblioteca digital Gallica da Biblioteca Nacional da França, as cartas que Amilcare Cappellaro publicou no jornal anarquista francês La Révolte, entre julho e dezembro de 1892, relatando as experiências vividas na colônia.
Apesar de fundada por pessoas que liam e escreviam, a vida intelectual da Cecília era pobre, resumida às reuniões noturnas para falar de trabalho, ler um ou outro jornal socialista ou algum livro infantil para as crianças. Apenas Rossi conseguiu manter seu trabalho intelectual, por meio de seus diários e cartas, fontes que chegam até os dias atuais e lançam luz à experiência da colônia.
O primeiro ciclo de textos sobre a Colônia Cecília é contemporâneo à experiência. Refere-se, tanto às discussões polêmicas em torno da iniciativa de Giovanni Rossi, mal aceita entre muitos anarquistas, quanto às informações do que se passava na comunidade, publicadas em jornais anarquistas da Itália e da França.
Um segundo ciclo surgiu imediatamente após o fim da Cecília, em 1894, com a publicação de textos e cartas de Giovanni Rossi, que tinham por objetivo explicar para um público mais amplo, o significado da comunidade e narrar vários episódios que nela ocorreram, sobretudo a experiência do relacionamento poliândrico.
O terceiro ciclo, o mais longo, assume um tom mais memorialista e nostálgico e produz uma série de imaginários, materializados em filmes, séries e romances, iniciando nos anos 1930 e se estendendo até as primeiras décadas do século XXI.[iii]
O idealizador da Cecília
Giovanni Rossi (1856-1943), que também assinava seus escritos com o pseudônimo de Cardias, era agrônomo e médico veterinário, filho de uma família influente e abastada de Pisa. Seu pai era advogado e sua mãe era descendente de uma família tradicional de médicos da cidade. Ainda jovem, em 1873, com apenas 17 anos, filiou-se à seção de Pisa da Associação Internacional dos Trabalhadores, apresentando um projeto de vida comunitária, a ser realizado na Polinésia.
Em 1879, por possuir um posicionamento questionador e crítico da realidade social, foi considerado, pela Inspetoria de Segurança Pública de Roma, subversivo e perigoso para a integridade da ordem. Fato que iria perdurar até 1942, apenas um ano antes do seu falecimento (Mueller, 1990).
Giovanni Rossi desenvolveu um trabalho intelectual, produzindo textos utópicos e idealizando sociedades igualitárias, como os dois capítulos iniciais de Un comune socialista (1875,1891) e O Paraná no século XX ([1896]2000), e também participou ativamente na fundação e organização de comunidades agrícolas experimentais socialistas, Cittadella (1887-1889) e Cecília (1890-1894).
Percebe-se, assim, que Giovanni Rossi almejou e idealizou a formação de uma sociedade mais igualitária, ao mesmo tempo em que se envolvia em projetos para sua efetiva formação, o que revela uma intersecção entre o seu idealismo e o seu experimentalismo, ou seja, há uma concretude de sua utopia. Nesse sentido, como bem afirmou José Antonio Vasconcelos (1996), o cerne político de Giovanni Rossi sempre foi o experimentalismo, que permaneceu praticamente o mesmo em toda sua trajetória de intelectual e militante.
Enquanto pensador e pesquisador, Giovanni Rossi se considerava um “otimista da escola positivista” ([1893]2000, p. 108), sendo o maior exemplo seu texto, La colonia Cecilia (1891). Com precisão e detalhes, ele descreveu a partida da Itália, a travessia em condições insalubres no navio, a chegada no Rio de Janeiro e finalmente a fixação no Paraná. Sobre o estado sulista, ele narrou minuciosamente as condições geográficas, a fauna e a flora, como também, a produção agrícola e industrial, ainda incipiente, de Curitiba.
Aplicou seus métodos de análise objetiva, típicos da escola positivista, também para as colônias que fundou, defendendo sua existência cientificamente. Para ele, as colônias eram um experimento, não era necessário que tivessem vida longa, não estava preocupado com o seu avanço, queria apenas provar que era possível viver de forma alternativa, que era possível abandonar os hábitos e a moral burguesa, mesmo no seio do sistema capitalista.
Aos 19 anos, publicou pela primeira vez, em 1875, o livro Un comune socialista, que teve cinco edições, a última em 1891, quando Rossi já estava vivendo a experiência da Cecília no Brasil. Influenciado pelos socialistas experimentalistas franceses, dentre eles Henri de Saint-Simon (1760-1825) e Charles Fourier (1772-1837), Giovanni Rossi nutria um forte desejo pela realização de comunidades experimentais, com o objetivo de vivenciar as práticas anarquistas.
De Saint-Simon, Giovanni Rossi adotou a ideia de que todos deveriam ter acesso a tudo o que necessitassem e deveriam contribuir com a comunidade de acordo com suas habilidades e possibilidades. Já com Fourier, ele partilhou a crítica ao comportamento burguês e, sobretudo, defendeu a necessidade urgente da emancipação das mulheres.
Un comune socialista inicia com uma introdução aos burgueses (Ai borghesi), convidando-os a conhecer o socialismo, que Giovanni Rossi define como o fim da hierarquia e de toda autoridade nas relações sociais, o amor nas relações familiares, a propriedade coletiva dos capitais e da produção e a negação de Deus. Giovanni Rossi encerra seu convite, explicando que as aspirações mencionadas não são uma criação sua, mas resultado de pesquisa junto a camponeses e operários, revelando os desejos e as necessidades da coletividade.
As duas partes seguintes assumem um caráter romanceado, onde é descrito um projeto de comunidade utópica, a partir da viagem do personagem Cardias a Poggio al mare[iv],para visitar um amigo. Na parte intitulada Propaganda, o viajante descreve as péssimas condições de vida e de trabalho dos camponeses que encontra no caminho. Na propriedade do amigo, a situação não é diferente, Cardias encontra a terra exaurida e trabalhadores miseráveis. Alessandro De-Bardi, o amigo de Cardias, na verdade, é um grande latifundiário que vive numa casa-castelo. É a irmã de Alessandro, Cecília, quem introduz a questão do socialismo, criticando a estrutura da propriedade privada e a exploração que dela advém.
A personagem surge como a possibilidade de ruptura com a realidade e será com ela que Cardias irá construir uma comunidade agrícola experimental, baseada na coletividade da terra, dos meios de produção e da própria produção, descrita na parte seguinte do livro, Organizzazione. A Poggio al mare socializada revela-se muito diferente da anterior: trata-se de uma comunidade que satisfaz todas as necessidades dos camponeses, a terra foi recuperada, o trabalho é prazeroso e as pessoas são felizes. Não há autoridade, nem hierarquia, a disciplina é ditada por vontades individuais e coletivas. As atividades são organizadas de acordo com as habilidades de cada um e as necessidades de todos.
Essa sociedade utópica servirá de norte para a efetiva construção de Cittadella e Cecília, obviamente uma referência à personagem socialista que o próprio Giovanni Rossi criou. Contudo, antes dessas experiências, entre 1881 e 1883, quando esteve envolvido com a fundação e desenvolvimento de seções do Partido Socialista Revolucionário na Toscana e em Pisa, Rossi relativizou suas propostas de formação de comunidades experimentais, que não eram bem-vistas por vários integrantes do partido.
Em 1884, já afastado do PSR, Giovanni Rossi voltou a defender seus ideais de fundação de colônias experimentais, publicando, no jornal La Favilla, de tendência anarquista, o artigo Vantaggi e possibilitá di una colonia socialista. Ainda em defesa de colônias experimentais, Rossi fundou seu próprio jornal, Lo Sperimentale, em 1886, com o objetivo de divulgar experiências socialistas já existentes e encorajar a formação de novas colônias, sobretudo na Itália (Mueller, 1999).
Ainda em 1886, Giovanni Rossi foi convidado por Giuseppe Mori, proprietário de terras em Cremona, para uma tentativa de alterar a forma de organização das famílias que trabalhavam em suas terras, de um sistema de assalariamento para associativo. Rossi vislumbrou no convite, a possibilidade de vivenciar a experiência de uma comunidade socialista. Era fundada a Cittadella, que durou apenas dois anos[v].
Imediatamente, Giovanni Rossi viu-se obrigado a renunciar o conteúdo socialista que havia programado para a colônia, pois, de fato, ela se transformou apenas numa associação de trabalhadores agrícolas, onde cada família participava como uma espécie de acionista. Foram os próprios colonos que rejeitaram a proposta socialista, exigindo a manutenção do estatuto de propriedade da terra, ou seja, não queriam viver uma experiência que alterasse em demasia seu cotidiano e suas identidades culturais.
Do ponto de vista econômico e organizacional, a colônia foi um sucesso. Partindo do trabalho coletivo e com ganhos socializados, em pouco tempo a colônia obteve uma grande produção. Mas, para Giovanni Rossi, a experiência foi um fracasso, pois os camponeses continuaram se relacionando de forma individualista-burguesa, não incorporando o espírito libertário e anárquico.
A experiência da Cittadella revelou a Giovanni Rossi, que uma significativa parcela de camponeses ainda não estava psicologicamente madura para viver uma experiência socialista-anarquista, ainda não havia, de fato, o desejo de uma mudança radical.
Mesmo com o fracasso, Giovanni Rossi, um anarquista convicto e ativista, ainda acreditava na possibilidade de criar uma colônia experimental. Contudo, cogitou a hipótese que o projeto jamais se realizaria na Europa, um continente marcado pelas velhas estruturas, e voltou os olhos para o “novo” continente americano, a princípio o Uruguai, depois o Brasil, e passou a propagandear a emigração. Segundo Felici (1998), foi essa posição que o afastou ainda mais de socialistas e de anarquistas, dificultando as relações com os ativistas políticos italianos.
Errico Malatesta (1853-1932), seu principal opositor, convocou abertamente os anarquistas para lutarem contra a emigração, pois, acreditava, acertadamente, tratar-se de uma válvula de escape que dificultava a explosão revolucionária, oferecendo aos oprimidos apenas uma vã esperança de emancipação.
Apesar de existência efêmera (1890-1894), a Colônia Cecília deixou, para Rossi, a firme convicção que os princípios de convivência anarquistas poderiam ser colocados em prática, mesmo numa sociedade capitalista. Por tratar-se de um experimento, aos olhos de seu mentor, a colônia não precisava continuar, diante de tantas dificuldades, sua curta vida provou sua possibilidade.
O caráter científico de Giovanni Rossi comparou a existência da colônia com os experimentos de Galileu e Otto von Guericke, que após comprovarem, por meios experimentais, suas teses, pararam com suas observações (Rossi, [1893]2000, p. 87).
As experiências das colônias deram a Rossi uma outra certeza: as mudanças sociais não podem acontecer de “cima para baixo”, nem “do exterior para o interior”, devem ser construídas pelos próprios agentes sociais, na medida que delas sentem necessidade. Devem acontecer primeiramente nos indivíduos, trata-se de uma mudança construída por cada um em seu interior, para depois ser partilhada por todos.
Por isso, em seus textos, Giovanni Rossi revelou-se preocupado com a formação de um “novo homem”, mais consciente de sua individualidade e mais apto para o exercício de sua liberdade, individual e coletiva. Para Rossi ([1893]2000) era necessário, primeiramente, mudar a pessoa, para que ela mudasse a sociedade, por isso as colônias experimentais eram importantes, porque contribuiriam para a formação desse “novo homem”, que culminaria com a formação de uma nova sociedade.
Após a experiência na Cecília, Giovanni Rossi passou algum tempo em Curitiba, depois migrou para o Rio Grande do Sul. Em 1896, ele era professor de Agronomia e Veterinária na Escola Superior de Agricultura de Taquari (RS). Um ano depois, em 1897, mudou-se para uma cidade próxima de Blumenau (SC), para dirigir a Estação Agronômica de Rio dos Cedros.
Foi enquanto morava em Taquari, que Rossi escreveu O Paraná no século XX ([1896]2000). Nesse conto utópico, escrito após a experiência da Cittadella e da Cecília, Rossi fez uma maior reflexão crítica de suas próprias concepções políticas originais, como também fez uma espécie de balanço sobre o que, de fato, poderia ser alcançado numa comunidade de base coletivista. Trata-se de um texto, onde o autor revela maior maturidade e maior compreensão sobre a natureza humana e suas potencialidades, mantendo seu posicionamento humanista e anarquista.
O Paraná… segue a mesma estrutura de seu conto anterior, Un comune socialista. Na primeira parte, Rossi faz uma breve introdução, reforçando seus pressupostos de uma sociedade igualitária. Já na segunda, intitulada Visão de um bêbado contada por ele mesmo, se desenrola seu conto utópico, tendo como personagem principal o mesmo Cardias de Poggio al mare.
Curiosamente, nessa segunda parte, Giovanni Rossi utilizou um artifício um tanto quanto religioso para um anarquista, a realização de uma sessão espírita, para proporcionar ao seu personagem uma “viagem” ao futuro, o estado do Paraná em 1950. Cardias está na casa de Diego Diaz, adepto do espiritismo de Allan Kardec, que resolve “convocar a alma” de um amigo em comum, o doutor Grillo, para saberem do futuro.
Armada a cilada, o próprio Rossi encontra uma saída mais racional e próxima de sua militância anarquista: devido ao excesso de álcool (daí o título do conto), cafeína e nicotina dos charutos de bom tabaco, aromático e forte, além do balanço da rede, o abstêmio Cardias teve alterado seu sistema nervoso, que o levou ao misterioso limiar do embrutecimento; no seu cérebro desequilibrado, aflorou o fenômeno da autossugestão e ele acabou vítima de uma alucinação visual e auditiva (Rossi ([1896]2000, p. 139-143).
Vale destacar, que foi nesse texto que Rossi ([1896]2000, p. 131) privilegiou o discurso utópico como uma forma alternativa potente para pensar e questionar a realidade social, como ele mesmo o fez: “a utopia é uma forma, um artifício literário menos indigesto para representar as coisas; e em um romance ou em um conto pode haver tantas verdades, quantas mentiras em um poderoso volume de economia política”. Para Rossi ([1896]2000, p. 131), não havia distância entre seus contos utópicos e suas experiências comunitárias, ao contrário, era um avanço “em espiral de uma consciência que se desenvolve em torno do próprio eixo e ganha o alto”.
No conto utópico de Giovanni Rossi, após um grande período de avanço do capitalismo, que gerou recessão, desemprego e miséria, ainda em fins do século XIX, o Paraná passou por um grande movimento revolucionário, em que a população se organizou para retirar os governantes corruptos do poder. Em seguida, foi organizado um programa científico, divulgando obras de Darwin, Wallace, Spencer e Marx, objetivando a criação de uma sociedade socialista, que já estava praticamente concretizada em 1916, colocando o Paraná na vanguarda do movimento socialista em toda a América do Sul.
Em 1950, após uma revolução similar na Bélgica, ocorrida em 1931, que se tornou o principal parceiro econômico-político do Paraná, o estado já possuía um grande desenvolvimento econômico e tecnológico, “tudo era grandioso, racional e funcional” (Rossi, [1896]2000, p. 154). Giovanni Rossi chegou a imaginar (o que de fato aconteceria nos anos 1980, com a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu), que as Sete Quedas do Rio Paraná forneceriam energia elétrica suficiente para abastecer o estado e inúmeras indústrias, com a criação da cidade de Eletrópolis.
Nessa sociedade futurista, a propriedade privada foi abolida, o trabalho se organizou espontaneamente, o grau de instrução popular era elevado, as mulheres conseguiram sua emancipação ampla e definitiva e o amor livre era uma realidade. Já com relação à família, Giovanni Rossi encontrou um meio caminho entre a família nuclear, que ele tanto almejou destruir, e os filhos da comunidade, idealizados no projeto da Cecília, surgindo a maternidade e paternidade voluntárias.
Curiosamente, a igualdade social que Giovanni Rossi havia idealizado para Poggio al mare, inexiste no Paraná de 1950. Existem “pessoas mais ricas” que convivem com “pessoas mais pobres”. Contudo, as “pessoas mais ricas”, não impõem suas vontades e necessidades aos outros, não os governam. As desigualdades de desejos não geram desigualdades materiais, todos têm acesso aquilo que necessitam para sobreviver e que desejam para melhor viver.
O pensamento de Rossi revela maturidade nesse aspecto, ao admitir que não pode existir igualdade entre as pessoas, que são naturalmente desiguais, mas todos devem ter possibilidades iguais para desenvolverem suas habilidades e capacidades e para conquistarem a vida que almejam. O grande desafio colocado não é a busca pela igualdade, mas aprender a conviver e respeitar as diferenças.
É apropriado ainda lembrar, que esse conto de Rossi está em sintonia com toda uma produção literária utópica típica do século XIX. Chauí (2008, p. 11) identificou que as cidades utópicas imaginadas ao longo do século XVIII e sobretudo no XIX, teriam máquinas que desenvolveriam todo o trabalho, deixando as pessoas com tempo suficientemente livre para cultivar o espírito e o corpo; a natureza estaria dominada, submetida à humanidade, tal qual as Sete Quedas e Eletrópolis. Essa dimensão futurista e essa capacidade de imaginar um futuro grandioso e altamente tecnológico dariam origem a um novo gênero literário, a ficção científica.
Em 1907, Giovanni Rossi voltou para a Itália, onde morreu aos 87 anos. Apesar de não ter escrito mais nenhum romance utópico, nem participado da organização de mais nenhuma comunidade experimental, continuou publicando artigos em periódicos socialistas, defendendo os ideais libertários, a vida anarquista e a emancipação das mulheres, apesar de não ter grande inserção política.
Soleni Biscouto Fressato é doutora em ciências sociais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Autora, entre outros livros, de Novelas, espelho mágico da vida (Perspectiva).
Referências
Filmes e séries
Colônia Cecília. Direção de Patrícia Melo, Carlos Nascimbeni, Hugo Barreto. São Paulo: TV Bandeirantes, 1989, 10 episódios.
Colônia Cecília, uma história de amor e utopia. Direção de Guto Pasko. Curitiba: RPC TV, Programa Revista RPC, Quadro Casos e Causos, 2012, 4 episódios.
La Cecília. Direção de Jean-Louis Comolli. Paris, Roma: Filmoblic – C.E.C.R.C.T., Saba Cinematografica, 1976, 113 min.
Pão negro, um episódio da Colônia Cecília. Direção de Valêncio Xavier. Curitiba: Governo do Estado do Paraná; Secretaria do Estado da Cultura, 1994, 37 min.
Un utopia di nome Cecília. Direção de Adriano Zecca. Itália, 2008, 28 min.
Literárias
CAPPELLARO, Amilcare. Colonie socialiste Cecília. In: La Révolte, ano VI, n° 3, 1-7 outubro 1892. Disponível em https://gallica.bnf.fr
CHAUÍ, Marilena. Notas sobre Utopia. In: Ciência e Cultura,São Paulo, v. 60, p. 7-12, julho 2008. Disponível em: http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252008000500003
ENGELS, Friedrich. Do socialismo utópico ao socialismo científico, 1880. Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/marx/1880/socialismo/index.htm#topp>.
FELICI, Isabelle. A verdadeira história da Colônia Cecília de Giovanni Rossi. In:Cadernos AEL, n. 8/9, 1998, p. 9-66. In: https://ojs.ifch.unicamp.br//index.php/ael/article/view/2469/1879
_____. « La Cecilia : quels enseignements pour le XXIe siècle ? », Colóquio Vivre l’anarchie : expériences communautaires et réalisations alternatives antiautoritaires (XIXe et XXe siècles) organizado por CIRA Limousin (Centre international de recherches et archives sur l’anarchisme), Ligoure, mai 2009. Disponível em: < https://hal.science/hal-03068690v1/document>
FRESSATO, Soleni Biscouto. Entre lendas, relatos e imagens: uma experiência anarquista no Sul do Brasil. In: SERAFIM, José Francisco (Org.). Migração e Cinema. Salvador: Edufba (no prelo).
GATTAI, Zélia. Anarquistas graças a Deus. 11ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1986.
GOSI, Rosellina. Il socialismo utopistico. Giovanni Rossi e la colonia anarchica Cecília. Milão: Moizzi Editore, 1977.
MUELLER, Helena Isabel. Flores aos rebeldes que falharam. Giovanni Rossi e a utopia anarquista. Curitiba: Aos Quatros Ventos, 1999.
PALLOTTINI, Renata. Colônia Cecília (um pouco de ideal e de polenta) – Teatro. Rio de Janeiro: Achiamé, 2001.
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_____. Comunidade anarquista experimental, 1893. In: Colônia Cecília e outras utopias. Curitiba: Imprensa Oficial, 2000.
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_____. Il Parana nel XX secolo, 1896. In: GOSI, Rosellina. Il socialismo utopistico. Giovanni Rossi e la colonia anarchica Cecília. Milão: Moizzi Editore, 1977, p. 143-171.
_____. O Paraná do século XX, 1896. In: Colônia Cecília e outras utopias. Curitiba: Imprensa Oficial, 2000.
SOUZA, Newton Stadler de. O anarquismo da Colônia Cecília. São Paulo: Civilização Brasileira, 1970.
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VICENTINI, Marzia Terenzi. SANCHES NETO, Miguel. Introdução. In. ROSSI, Giovanni. Colônia Cecília e outras utopias. Curitiba: Imprensa Oficial, 2000.
Notas
[i] Com a organização e tradução de Marzia Terenzi Vicentini e Miguel Sanches Neto, em 2000, foram publicados parcialmente, pela Imprensa Oficial do Governo do Estado do Paraná, esses textos de Rossi, sob o título Colônia Cecília e outras utopias. Após breve introdução dos organizadores, delineando os principais pontos de pensamento de Rossi, seguem-se os quatro capítulos que compõem o livro. No primeiro, foi traduzido o texto La Colonia Cecilia, sob o título O nascimento da Colônia Cecília. Contudo, e este é um ponto significativo, não foi traduzida toda uma parte final do texto, em que Rossi continua descrevendo a vida na colônia. Os segundo e terceiro capítulos, Comunidade anarquista experimental e Um caso de amor na Colônia Cecília, é a tradução dos textos de 1893. Já o último capítulo, O Paraná no século XX, é a tradução do conto utópico escrito por Rossi em 1896.
[ii] Em 1897, Sanftleben publicou, em alemão, em Zurique (Suíça), todo o material que recolheu sobre a Cecília, inclusive as cartas recebidas de Rossi, na obra Utopie und Experiment. Studien und Berichten von Dr Giovanni Rossi (Cardias) (Utopia e experimento. Estudos e relatórios do Dr. Giovanni Rossi-Cardias). Em 1979, o livro foi republicado, em Berlim, pela editora Karin Kramer. Infelizmente, ainda sem tradução para o português.
[iii] Algumas dessas produções, elencadas nas referências, foram analisadas em meu texto Entre lendas, relatos e imagens: uma experiência anarquista no Sul do Brasil (Edufba, no prelo), outras serão analisadas em dois artigos vindouros, a serem publicados n’A Terra é Redonda.
[iv] O nome escolhido por Rossi, Poggio al Mare, Colina à beira-mar, revela certo caráter insular da comunidade. Como bem explicou Chauí (2008), uma característica dos textos utópicos é escolher ilhas, isoladas e ilocalizáveis, como lugar da realização da sociedade perfeita.
[v] As informações sobre essa experiência foram retiradas da pesquisa de Helena Isabel Mueller (1999, p. 166-69), que por sua vez, consultou um manuscrito de Rossi, intitulado Socialismo pratico, e um texto de Leonida Bissolati, I contadini circondario di Cremona: appunti, ambos de 1886.
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