Agora Tem Especialistas mobiliza hospitais universitários
Ministério da Saúde aciona hospitais universitários em mutirão que realizou mais de 10 mil procedimentos. Iniciativa reforça programa de redução de filas de cirurgias e exames. Mas um alerta: modelo atual ainda é gerencialista e precisa de mais participação social
Publicado 10/07/2025 às 12:55

Em uma ação para publicizar seu esforço pela redução da fila de cirurgias do SUS, o governo federal realizou o “Dia E”, um mutirão de procedimentos em saúde que marcou a entrada da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), que gere os hospitais universitários (HUs), no programa Agora Tem Especialistas.
No dia 5 de julho, mais de 10 mil consultas, exames e intervenções operatórias foram realizados pela rede de hospitais universitários gerenciada pela estatal vinculada ao Ministério da Educação. Não à toa, Arthur Chioro, seu presidente, e Camilo Santana, ministro da Educação, participaram do seu anúncio ao lado de Alexandre Padilha.
“A rede Ebserh, assim como todos os equipamentos públicos do pais – federais, estaduais e municipais – tem capacidades adicionais que podem e devem ser utilizadas, alinhadas às políticas do Ministério da Saúde. Nada mais lógico nisso”, afirmou Gilberto Scarazatti, médico que trabalha na área regulatória hospitalar de Campinas, em conversa com o Outra Saúde.
Para Scarazatti, também consultor do Ministério da Saúde, o uso desta rede de 45 hospitais é estratégico para os propósitos do programa, inclusive no aspecto de ampliar vagas para residentes, um dos gargalos da atenção especializada reconhecidos pelo próprio governo.
“Isso é importante demais, pois somente após um tempo de 3 a 5 anos temos um novo especialista atuando. Hoje, apenas 40% dos médicos formados serão especialistas e, destes, 80% ficarão nas cidades onde se especializaram. Como levar especialistas aos locais onde a demanda não tem acesso? O programa tem intenção de interiorizar os especialistas das áreas mais relevantes”, afirmou.
Sua análise foi corroborada pelo próprio ministro Padilha, ao comemorar os números. “O envolvimento dos hospitais universitários federais, coordenados pela Ebserh, é decisivo para garantir a formação de novos especialistas e a ampliação da capacidade de atendimento à população”, resumiu na quarta (9).
“Temos espaço para ampliar nossos espaços de formação, alunos, residentes, enfim, mobilizar a comunidade universitária”, corroborou Arthur Chioro.
Enquanto a saúde de negócios não entra em cena…
Há duas semanas, o governo anunciou o plano de inclusão da rede de hospitais geridos por entidades filantrópicas que já atendem o SUS, numa engenharia avaliada em cerca de R$ 2 bilhões anuais, que sairiam do abatimento de dívidas consideradas impagáveis por esta rede.
A seguir, ficou prometida a apresentação de um plano de troca de dívidas por procedimentos especializados na rede de hospitais geridos pelo setor privado comercial. O adiamento da apresentação deste plano, que incluiria a participação do Ministério da Fazenda, parece ter feito o governo ampliar a importância da Ebserh no programa – que na prática já existe desde meados de março, quando ainda se chamava Mais Acesso a Especialistas.
“De janeiro a junho tivemos ampliação de 89 mil de cirurgias, 3,2 milhões de consultas, 5,4 milhões de exames. Até abril, uma ampliação de 17% de serviços prestados pelos HUs. E queremos aumentar 40%”, informou Arthur Chioro.
Uma das promessas de campanha do governo, a redução da espera por cirurgias é considerada um dos principais desafios históricos do SUS. Com seu crônico subfinanciamento, uma rede de hospitais parcialmente financiada por recursos do MEC contribui para as necessidades em saúde da população. Mas Scarazatti não se ilude quanto a isso, até porque seus serviços são em boa parte pagos pela pasta da Saúde.
“O uso da rede não está relacionado ao subfinanciamento e sim à oportunidade de utilizar recursos potenciais que devem ser ampliados ao máximo. O subfinanciamento tem outras origens. É histórico e constitucional. É ideológico, como mostra a questão das emendas parlamentares’”, contextualizou.
…É possível mudar cultura “gerencialista”?
Uma das novidades do Agora Tem Especialistas é a possibilidade de contratação de serviços hospitalares pela AgSUs, isto é, diretamente pelo governo federal. Questionado se isso atropela atribuições de estados e municípios, seus representantes alegam que estará diretamente subordinada às demandas destes entes.
No entanto, Scarazatti pensa que o programa se torna oportunidade de mexer no atual modelo de produção de saúde, baseado em metas e considerado “gerencialista”, uma vez que conta com pouca participação social em sua formulação. Sua experiência na atenção hospitalar em Campinas é exemplo.
“A Unicamp tem o Hospital das Clínicas ‘contratado’ pela Secretaria de Estadual da Saúde. Frequentemente, as metas não são cumpridas e ocorrem descontos nos repasses. Isso se tornou natural para os recursos hospitalares no SUS, em seus próprios hospitais. E é rotineiro.”
Para ele, o Agora Tem Especialistas e a entrada de entes federais no sistema de contratações podem mudar esta abordagem, e colocá-la a serviço da sociedade de forma mais realista.
“Um contrato deve estar ajustado às necessidades e sua capacidade de produção, sem ser um ‘carrasco’. Com comissão de avaliação e representações dos trabalhadores e usuários, as metas deixam de ser impositivas para serem acordadas e ajudam muito no ajuste entre demanda e oferta, como é natural nos diferentes sistemas públicos mundiais.”
Para ele, o atual modelo é claramente fruto de uma cultura de mercado, embutida no SUS através dos modelos de gestão privada supostamente sem fins comerciais, que acabam se tornando parâmetro.
“Quando as metas significam produtividade, lucro e resultados, deixa-se de fazer saúde para se tornar ‘empresa produtiva’. O gerencialismo tem um prato feito na condição acima”, criticou.
Em sua visão, se a meta é ampliar a estrutura pública na atenção especializada, e fixar futuros especialistas no SUS, deve-se ter em conta uma abordagem menos produtivista, ainda que num primeiro momento o governo esteja obcecado por resultados e números.
“Defendo o conceito da gestão da clínica, onde ações cuidadoras devem encontrar nos saberes multidisciplinares (e não somente médicos) e necessidades dos usuários, que precisam ser sujeitos do seu próprio cuidado, opinar e decidir sobre a autonomia possível quando enfermos. Não é simples. Isso deve mediar os contratos e não somente os indicadores de produtividade e qualidade. Assunto difícil, mas necessário de ser debatido”, refletiu.
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