Agora Tem Especialistas: falta mobilizar a Atenção Primária
Rede Básica precisa ser fortalecida para integrar o programa que reduz filas de exames e cirurgias no SUS. É ela que organiza os cuidados de saúde nos municípios e encaminha os usuários. Sem sua ação, restará uma sensação de “enxugar gelo” na atenção especializada
Publicado 01/07/2025 às 10:00 - Atualizado 01/07/2025 às 16:56

“água mole em pedra dura,
tanto bate até que fura”
(dito popular)
Leia todos os textos da coluna de Túlio Batista Franco no Outra Saúde
No último dia 25 de junho de 2025 a Frente pela Vida – FpV, realizou mais um Seminário Temático, desta vez sobre o Programa Agora tem Especialistas, com foco na questão do financiamento. O evento foi coordenado por Francisco Funcia, presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde – Abres. Este é o terceiro seminário de uma série, que têm o objetivo de acumular discussões para a formulação de propostas para a política de saúde do país, a ser apresentada no contexto das eleições presidenciais de 2026. Como em 2022, a FpV propõe realizar a 2ª Conferência Nacional Livre, Democrática e Popular de Saúde, no mês de agosto de 2026, para aprovar um plano nacional de enfrentamento às questões sanitárias, e fortalecimento do Sistema Único de Saúde. Ele deverá ser apresentado à população, e aos candidatos do campo democrático à presidência da república, para que firmem um compromisso em torno do que coletivamente se construir na Conferência Livre.
No Seminário, o Ministério da Saúde foi representado por Rodrigo Oliveira, coordenador do Programa Agora tem Especialistas. De forma didática, foram apresentados ponto a ponto as questões que estruturam o programa e justificam o esforço em estabelecer as diretrizes operacionais de uma política de saúde que prioriza, neste momento, a redução das filas para procedimentos especializados no SUS. Hoje na casa de milhões de pessoas, as filas levam a que alguém com uma cardiopatia grave, câncer, ou qualquer outro problema de saúde, passe por grande sofrimento e angústia. O Ministério da Saúde acerta em priorizar ações para resolver este grave problema. O faz com um projeto complexo e ousado. A questão é urgente, e diz respeito ao direito à proteção à saúde e defesa da vida.
Após a exposição, ocorreu o debate sobre o Programa. Discutiu-se sobre a necessidade de regulamentação de várias diretrizes que constam da MP-13.001/2025, que deu vida ao Agora tem Especialistas. Estas Portarias estão sendo emitidas ao longo dos dias que sucederam à publicação da MP. Nota-se uma grande energia e mobilização em torno do Programa, que já começa a apresentar resultados, como o aumento significativo no número de procedimentos especializados pelo Grupo Hospitalar Conceição – GHC, em Porto Alegre, no último mês. Resultado considerável após ser adicionado um turno no horário de funcionamento do hospital, como noticiado pela imprensa aqui, e pelo site do Ministério da Saúde.
No entanto, observa-se que é necessário maior investimento e mobilização da Rede Básica de Saúde, a partir da Secretaria de Atenção Primária à Saúde – SAPS, considerando sua possibilidade de atuar para a redução da demanda para as especialidades. O aumento da sua resolutividade é possível, através de melhor performance nos cuidados clínicos, reorganização dos processos de trabalho, ativação dos inúmeros dispositivos que são próprios da Rede Básica, e podem funcionar em sintonia com os objetivos do Programa Agora tem Especialistas.
De forma assertiva, a Frente pela Vida vem levantando, há algum tempo, a premente necessidade de fazer o que temos chamado de “gestão da demanda”. Entende-se que seriam dois componentes macro a compor o Programa. O primeiro, o aumento da oferta de serviços especializados. O segundo, a demanda que parte da Rede Básica para os serviços de especialidades. Para esta questão o Programa ainda não apresentou medidas robustas o suficiente, que indiquem uma mobilização da Rede Básica no sentido de aumentar a sua resolutividade, para que se tenha a esperada redução dos encaminhamentos, corroborando assim com os objetivos do Agora tem Especialistas.
Uma primeira análise do Programa foi publicada pela Frente pela Vida, sob o título “Um primeiro mergulho no Agora Tem Especialistas”, onde se “analisa os principais eixos do programa, e adverte quanto à premente necessidade de fortalecimento da Atenção Primária para cumprimento dos seus objetivos”. Da mesma forma a Rede de Atenção Primária à Saúde, publicou no seu Boletim em 6 de junho de 2025, com o título “O Papel Estratégico da Atenção Primária à Saúde no Programa ‘Agora tem Especialistas’”, um artigo onde enfatiza “a necessidade de fortalecer a Atenção Primária à Saúde (APS) como eixo organizador dos cuidados de saúde em todos os municípios e do acesso à atenção especializada”.
Além de entidades, vários autores vinculados ao movimento sanitário nacional têm levantado esta questão, ou seja, se não se mobilizar e fortalecer a Rede Básicas à Saúde, com aumento do seu escopo de atuação, investimento em Tecnologias de Inteligência, e forte ativação de uma rede cooperativa de produção de cuidado em saúde, os esforços atuais para redução de filas vão se deparar com alto volume de demanda que continuará chegando aos serviços especializados. O risco que se corre ao longo do tempo é o da sensação de estar “enxugando gelo”, operando um ciclo contínuo de mais oferta, mais procedimentos realizados, mais demanda.
Niterói, 1 de julho de 2025
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