As elites querem o fim da universidade pública
Folha, outra vez, encampa o obscurantismo: acusa Ensino Superior de projeto fracassado, caro e cabide de empregos. Lula acena com a suspensão do contingenciamento de verbas. Mas a mobilização não pode parar em gabinetes. Exige outra definição das prioridades nacionais
Publicado 23/05/2025 às 19:19 - Atualizado 23/05/2025 às 20:27

1. É claro o projeto das elites conservadoras para a universidade. Com rara felicidade, a Folha de S. Paulo o sintetizou no Editorial “Não haverá dinheiro que baste para universidade públicas”, de 23 de maio de 2025, reagindo ao manifesto conjunto da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Sociedade Brasileira para o Progresso das Ciências (SBPC) — que, com plena razão, mostraram que o contingenciamento ora definido pelo governo federal favorece o desmonte da universidade pública em nosso país.
Os redatores da Folha são competentes. Eles são capazes de enunciar, em poucas linhas, toda a pauta reacionária, que não associa a universidade a um projeto de nação verdadeiramente democrática. Sem dúvida, com seu modo característico de simular a apresentação de argumentos em texto tão somente eivado de preconceitos, a Folha de S. Paulo mostra que tem lado. É verdade que ainda o faz sem as surpreendentes bravatas de um Trump, mas ela não está mais muito distante da retórica dos governos anteriores. Assim, ao condenar o “tom catastrofista” do manifesto da ABC e da SBPC, assume ela própria um requentado tom catastrofista, bastante digno de Bolsonaro.
No Editorial, as universidades aparecem como um projeto fracassado e caro, um inútil poço sem fundo, no qual, ademais, servidores docentes e técnicos atrevem-se a fazer greves, tendo o condenável benefício da estabilidade. Para começo de conversa, a Folha considera a universidade uma repartição pública qualquer, que não teria dignidade própria nem mereceria ser protegida das intempéries da economia. As universidades, afirma o Editorial, são meros “exemplos de distorções e vícios da gestão pública”. Já vai longe aqui o momento em que até a Folha reconhecia o valor das universidades, por exemplo, no combate à pandemia.
As bandeiras reacionárias parecem brotar como se fossem óbvias, expressando preconceitos ignorantes em letra de forma: fim da estabilidade dos professores, da gratuidade do ensino e, sobretudo, da garantia do financiamento público da educação superior — medidas que sabemos inconsistentes, mas podem ter grande apelo retórico. Em suma, para a Folha et caterva, a universidade parece mais abjeta que o próprio obscurantismo. Com efeito, a próxima campanha eleitoral começa, e o lugar de produção da pesquisa e do conhecimento no Brasil deve tornar-se um alvo a ser desmontado: “Trata-se de um modelo custoso, iníquo e de baixo incentivo à eficiência, defendido à base de discurso ideológico e prática corporativista”.
2. Temos indícios positivos de que a reação do presidente Lula vai em outra direção. A nota da ABC e da SBPC, em vez de lhe provocar engulhos como à Folha, parece suscitar o aceno de que Lula receberá os reitores e que, então, poderá até anunciar a suspensão do contingenciamento para as universidades federais.
Não poderíamos esperar outra atitude. Nesse caso, se confirmado, fica a lição para aqueles que pensam ajudar o atual governo evitando qualquer crítica. A mobilização decidida e a crítica necessária ajudam nossos governantes a não serem tragados pelas pautas reacionárias. Com isso, nossos louvores à ABC e à SBPC, bem como a quantos vocalizam a luta, tanto urgente quanto de longa duração, em defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade.
Com justa alegria, reitores já comemoram nos bastidores. Não obstante o possível alívio, parece que essa boa e justa acolhida está longe de significar uma autêntica guinada nos rumos das prioridades nacionais. Que o governo Lula não sacrifique as universidades é algo que está à altura de sua história, de seu melhor legado, pois sua política fez expandir a rede de universidades por todo país e permitiu o acesso ao ensino superior de muitos outrora sistematicamente excluídos. Faz, então, muito bem o líder que acolhe, mas não para refrear uma luta ainda mais ampla e franca pelos valores mais elevados que, aliás, no momento, somente ele pode representar.
Que os atores da cena universitária leiam os sinais. As águas se dividem, os campos se desenham. Nesse cenário de grande confronto entre projetos opostos de nação, não há de bastar o mero alívio das dores agudas das nossas instituições. Reitores não podem contentar-se com sobreviverem a seus próprios mandatos, mesmo com eventuais conquistas e algumas inaugurações. Afinal de contas, está em jogo o destino da universidade. Assim, não basta remediar, é preciso curar um mal e combater uma narrativa, cabendo à ANDIFES uma resposta firme ao Editorial da Folha.
É preciso, pois, deslocar a educação pública para o lugar de prioridade nacional, de sorte que ela contribua, inclusive, por seus essenciais serviços à nossa nação, para afastar de forma duradoura os insistentes fantasmas do obscurantismo.
Lula deve agir nesse momento de urgência, e os reitores devem, sim, celebrar sua atitude. Mas é preciso mais. A mobilização não pode parar nos gabinetes, uma vez que o governo Lula e as universidades não podem fechar os olhos para a dimensão do ataque, nem recusar esta oportunidade para afirmar, perante a sociedade, a bandeira da educação. Se as soluções não forem de grande monta, se não implicarem uma autêntica redefinição das prioridades nacionais, estaremos oferecendo para uma luta ideológica de largo espectro apenas uma saída passageira e insuficiente, porquanto marcada por sua imediatez e tibieza.
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