Karl Marx: 207 anos de uma centelha

Ele sobrevive não nos monumentos, mas no mal-estar que se recusa a virar normalidade. Lê-lo é reconhecer que o capitalismo não é eterno. É escutar a história com ouvidos para o inédito. É dizer que a liberdade precisa de método, coragem e horizonte

Ilustração: Sonia Pulido/The Nation
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No dia 5 de maio, não se celebra apenas um nascimento. Celebra-se a permanência de uma centelha acesa há mais de dois séculos — e ainda capaz de incendiar os alicerces do mundo. Karl Marx não foi um pensador de gabinete, mas um artesão da crítica. Suas ideias não pertencem às vitrines do passado: vivem, vibram e desestabilizam. Pensar Marx é mais do que uma reverência: é um gesto de inquietação.

Enquanto houver desigualdade, o nome de Marx continuará sendo sussurrado nas fábricas, nas universidades, nos campos e nas periferias do mundo. Enquanto houver exploração, sua teoria seguirá pulsando nos corpos exaustos, nos olhos desacreditados, nos punhos que insistem em se erguer. Marx sobrevive não nos monumentos, mas no mal-estar social que recusa converter-se em normalidade.

Ler Marx, hoje, é aprender a ver o invisível. É perceber que por trás da naturalização da miséria, da precarização do trabalho e da sacralização da propriedade, há uma engrenagem social, construída historicamente, que pode — e deve — ser desfeita. Marx nos ensinou que a aparência é armadilha. Que a realidade, quando investigada com método, revela fissuras, contradições e possibilidades de superação.

Sua crítica nunca foi amargura. Foi amor radical ao que ainda não existe. Marx acreditava que a transformação do mundo exige mais do que indignação moral — exige organização, consciência histórica e crítica sem piedade. Ele não quis reformar a sociedade capitalista: quis desenterrar suas bases e construir, sobre suas ruínas, uma sociedade onde a liberdade não fosse privilégio.

A história, para Marx, não era um fluxo neutro. Era campo de batalha. Não havia determinismo: havia luta de classes. E cada crise — como tantas que atravessamos hoje — não era o fim, mas uma encruzilhada. A humanidade, dizia ele, não escolhe as condições em que age, mas pode agir nelas. A revolução, então, não é utopia sonhada: é possibilidade concreta inscrita nas entranhas da própria miséria.

O capital, desnudado por Marx, não tem rosto, mas tem lógica. Ele transforma tudo — inclusive a vida, o afeto, o tempo — em mercadoria. Sua violência não depende da má vontade de quem o gerencia, mas da própria forma social que rege o trabalho e a reprodução. Mudar o mundo, portanto, é mais do que mudar os governantes: é reconfigurar as estruturas que tornam a opressão possível e renovável.

Marx não escreveu o roteiro da revolução. Não prometeu o paraíso. Mas ofereceu ferramentas. Seu pensamento é bússola em meio ao colapso, farol entre os escombros. Ele está presente onde há recusa, onde há insurgência, onde há organização popular. Não vive em bustos, mas em organizações de trabalhadores e trabalhadoras, ocupações, assembleias, favelas, quilombos, aldeias. Vive onde o impossível começa a ser formulado.

Ler Marx, hoje, é reconhecer que o capitalismo não é eterno. É escutar a história com ouvidos abertos para o inédito. É não aceitar o mundo como ele é. Marx nos lembra que o pensamento, quando cortado pela luta, pode transformar ruínas em terreno fértil. Que a crítica, quando se faz corpo, se faz potência.

Neste 5 de maio, celebrar Marx é mais do que lembrar um nascimento. É afirmar que o mundo ainda pode ser outro. É negar o conformismo como destino. É dizer, com todas as letras, que a liberdade precisa de método, coragem e horizonte. Marx não é apenas o que foi — é o que ainda podemos ser. Com ele, pensamos. Contra o mundo, agimos.

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