A África segundo o mapa-múndi de Trump
Retirada da “ajuda” norte-americana ao continente pode ser só início de hostilidades. EUA importam pouco dos países africanos. Ao verem a influência da China crescer, tendem a ações de fustigamento, como atacar os BRICS e acusar a África de “confisco de terras contra os brancos”
Publicado 20/03/2025 às 19:22

Por Fernanda Brozoski, no Observatório Internacional do Século XXI
Relações comerciais assimétricas infimamente compensadas com políticas de desenvolvimento econômico local e pouca relevância na política externa são continuidades que podemos esperar do governo Trump 2.0 em relação à África. Surpreende, contudo, que os EUA, sem qualquer constrangimento, não se importem em manchar sua imagem de guardião dos valores democráticos e morais da humanidade. Ou não é isso que devemos pensar da suspensão dos financiamentos a programas cujo encerramento coloca milhares crianças em risco imediato de morte?
Em 26 de fevereiro, com pouco mais de um mês de governo, a gestão Trump anunciou uma drástica retirada dos EUA da assistência global, eliminando mais de 90% dos contratos da USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional) e suspendendo 60 bilhões em recursos. Foram encerrados aproximadamente 5,8 mil projetos de saúde global incluindo iniciativas contra HIV, malária, tuberculose, poliomielite e desnutrição. Alguns dos principais projetos atendem refugiados em zonas de guerra ou operam em países africanos, como Nigéria, Congo, Quênia, Lesoto, Tanzânia, Uganda, África do Sul, Sudão, Etiópia e outros. Embora houvesse críticas à ineficiência de alguns projetos, nada justifica não planejar uma saída que no mínimo preserve vidas inocentes.
Outro ponto de preocupação sobre o que será da relação entre EUA e o continente africano nos próximos anos é a redução do engajamento norte-americano no African Growth and Opportunity Act (AGOA), cuja renovação após setembro de 2025 é incerta. Além disso, a política anti-imigrantes e de deportação massiva de Trump também afeta cidadãos africanos e o intercâmbio comercial e educacional com países da África.
A África sempre ocupou uma posição secundária nas prioridades estratégicas dos EUA. E podemos supor que o continente africano perca ainda mais importância na agenda americana no atual contexto de intensificação da competição pela supremacia global. Na busca por reverter a perda de poder relativo, o governo estadunidense volta-se com mais afinco a outras regiões de maior relevância geoestratégica, como Eurásia, Indo-Pacífico e Ártico, onde a competição com a China e a Rússia se apresenta de forma mais direta.
Dada a relevância crescente dos minerais críticos na geopolítica da energia, seria natural esperar que o continente africano, detentor de vastas reservas desses insumos, atraísse maior envolvimento dos EUA. Contudo, de acordo com dados do Banco Mundial para 2022, as importações globais de minerais e combustíveis dos EUA alcançaram, respectivamente, US$ 11,68 milhões e US$ 322,69 milhões, enquanto a China registrou importações de US$ 241,35 milhões em minerais e US$ 535,33 milhões em combustíveis (WITS, 2022). Isso indica que, em comparação com a China, os EUA possuem uma dependência externa significativamente menor de recursos minerais.
Além disso, os EUA é atualmente o maior produtor mundial de petróleo e seu suprimento de minerais é garantido principalmente por países do continente americano (Canadá, México, Peru e Brasil) e a Turquia. Em outras palavras, ao contrário da China, os EUA apresentam uma baixa dependência de importação de minerais críticos e petróleo provenientes da África. Ainda assim, certos países africanos desempenham um papel relevante no fornecimento de alguns minerais estratégicos para os EUA. A República Democrática do Congo se destaca no fornecimento de cobre, enquanto a África do Sul exporta níquel, minério de ferro e aço. Outros países que acessam o mercado estadunidense são Gabão, Moçambique, Burundi e Namíbia. A Nigéria é o oitavo maior fornecedor de petróleo para os Estados Unidos. Já a África do Sul tem nos EUA seu principal destino de exportação de platina (WITS, 2024).
Ainda que as riquezas minerais africanas tenham uma relevância relativa para os EUA, a África do Sul possui uma importância considerável, que se torna ainda mais pronunciada em função de outro contexto. A ofensiva de Trump contra o BRICS+ passou a ser um dos principais focos de confronto discursivo contra o polo de poder euroasiático. Em retaliação à busca por alternativas ao dólar nas transações intra-bloco, os EUA vêm ameaçando impor sanções econômicas aos países do grupo. Nesse contexto, a África do Sul fica na mira direta das críticas e pressões do governo americano, ainda mais considerando o recente protagonismo do governo sul-africano na denúncia de genocídio de Israel ao povo de Gaza junto à Corte Internacional de Justiça.
Uma pequena amostra já foi dada em episódio recente. Trump cortou a assistência financeira à África do Sul, acusando o país de “confisco de terras” de agricultores brancos, o que foi negado pelo governo sul-africano. Pretória esclareceu que a nova legislação de desapropriação de terras visa regular a reforma agrária, com o objetivo de corrigir desigualdades históricas de forma legal e sem discriminação racial.
A nova gestão Trump para a África sugere uma menor preocupação com a contenção da influência chinesa e russa no continente. O corte de investimentos e a suspensão de acordos de cooperação indica uma reavaliação das prioridades estratégicas dos EUA na região. No entanto, a retórica contra governos alinhados ao BRICS+ deve se intensificar, enquanto parcerias militares tendem a ser preservadas, especialmente em áreas estratégicas para a segurança nacional americana.