Por que os juros voltaram a subir
Há quatro décadas, taxa brasileira é a maior do planeta e o país não pára de regredir. BC tornou tudo ainda pior, a pretexto de “combater a inflação”. Mídia dá cobertura. Os muito ricos agora embolsaram, por ano, quatro vezes o orçamento do SUS
Publicado 19/03/2025 às 18:12 - Atualizado 19/03/2025 às 19:58

Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil se reunirá até a noite de hoje (17/3), para dentre outros temas, definir a taxa básica de juros, a Selic, nos próximos meses. O mercado financeiro espera que na reunião defina-se um aumento de um ponto percentual na taxa Selic, elevando-a para 14,25%, supostamente visando combater a inflação.
As últimas notícias sobre aumentos de preços, ajudam aqueles que defendem a elevação de juros, praticamente como única medida para conter a inflação. Dados sobre o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-IBGE), do mês de fevereiro, mostram alta de 1,31%. Foi o maior aumento do IPCA para o mês de fevereiro em 22 anos, desde 2003, quando a variação foi de 1,57%. Um detalhe fundamental é que a referida a aceleração deveu-se principalmente ao aumento de 16,8% nas tarifas de energia elétrica residencial, que elevou em 0,56 ponto percentual no índice geral. Mas esse é apenas um detalhe, que não deverá interferir na decisão dos nove membros do Copom.
É conhecido, o principal pretexto para a prática dos mais elevados juros do Planeta é a inflação, que seria causada por um “excesso de demanda”. O Brasil encerrou 2024 com uma inflação de 4,83%, puxada por “Alimentação e Bebidas” (que foi responsável pelo maior impacto no índice anual, com alta de 7,69%) e gasolina (com alta de 9,71%). Somente o aumento da gasolina contribuiu com 0,48 pontos percentuais no total do IPCA de 2024. Deve-se perguntar: que influência poderia ter a taxa de juros sobre o comportamento desses preços? Quem vai comer menos tomate ou laranja, ou beber menos café, por que a Selic no Brasil é a taxa de juros mais elevada do mundo?
Brasil já possui, antes da reunião do Copom da próxima quarta-feira, a maior taxa de juros do planeta, com 8,16% anuais (juros reais, ou seja, após o desconto da inflação do período). Se não existe consenso, em relação aos efeitos do aumento da Selic no problema inflacionário, é líquido e certo que ele exerce um papel decisivo no enriquecimento dos credores da dívida pública. A despesa com juros do governo federal no ano passado foi de R$ 950,4 bilhões, o maior valor da série histórica, iniciada em 2002. Esses gastos representam 8,72% do PIB brasileiro em 2024 (R$ 11,7 trilhões).
Para efeito comparativo, no ano passado os gastos do governo federal com a Previdência Social totalizaram aproximadamente R$ 938,5 bilhões, montante que representa cerca de 8,61% do PIB. Com a diferença que a previdência social, é fundamental para 77 milhões de brasileiros, aposentados, pensionistas e dependentes – ou 38% da população brasileira. Já os gastos com a dívida pública, superiores aos gastos com a Previdência, servem exclusivamente para piorar as condições de vida da população e impedir o desenvolvimento nacional. Enquanto o país torra R$ 950 bilhões com banqueiros, o gasto com Saúde do governo federal no ano passado chegou a R$ 215,9 bilhões, e os gastos com educação totalizaram R$ 110,9 bilhões. Esses investimentos em educação e saúde, somados, representaram apenas 34,4% dos gastos com juros da dívida.
E termos de grandeza em relação ao PIB, a dívida do Brasil (menos de 80% do PIB) é apenas a oitava. Antes do Brasil estão países como Japão (252,36%); Argentina (154,54%); Itália (137,28%); Estados Unidos (122,15%); França (110,64%); Bélgica (103%) e Egito (90,4%). Entretanto, o Brasil é o país que mais paga juros no mundo em relação ao PIB, conforme relatório do FSB (Conselho de Estabilidade Financeira). A Argentina, governada pelo “moto serra” mais doido do planeta, apesar de ter uma dívida de 154% do PIB, pagou em 2024 menos de 2% com juros (em 2023 destinou apenas 2,4% do PIB para esse fim). Entre os países imperialistas, o Japão tem a maior dívida pública em relação ao PIB, com 252,3%, no entanto, gastou apenas 0,12% do produto com juros.
A sinalização é que o Copom aumente a taxa Selic em um ponto percentual na próxima reunião. Com o aumento do IPCA de fevereiro acima do esperado, está dado o mote para o aumento dos juros. A previsão é que a taxa Selic possa atingir 15,25% ao ano no terceiro trimestre. Os membros do Copom alegam que a medida é necessária porque o cenário internacional, no que diz respeito à inflação, se deteriorou, havendo mais fatores que podem provocar uma alta dos preços. Basicamente, a tese defendida é a de que o aumento da demanda, acima da capacidade de oferta, ou seja, o desequilíbrio entre oferta e demanda, provoca um aumento de preços, que pode contaminar outros setores, levando ao aumento da inflação.
Inicialmente, teríamos que discutir se a tese é correta, ou seja, se a inflação no Brasil, essencialmente, decorre de um excesso de demanda por bens e serviços. O aumento generalizado de preços (também conhecido como inflação) é um fenômeno multicausal, ou seja, possui inúmeras causas, que variam, conforme o espaço e o tempo em que o fenômeno se manifesta. Não vou repetir os elementos que já trouxe em outros artigos, mas é completamente irrealista imaginar que em uma economia como a brasileira – dominada por grandes grupos econômicos, boa parte estrangeiros – a relação entre preços e juros seja direta.
Por exemplo, o grau de ociosidade existente na economia, ou seja, o potencial de capacidade produtiva que não é utilizado, é fator importante na formação de preços, portanto na definição do nível inflacionário. Em fevereiro de 2025, o Nível de Utilização da Capacidade Instalada da Indústria (NUCI) estava em 80,9%, percentual igual ao observado no mesmo mês do ano anterior. O que significa que o Brasil trabalha com quase 20% de ociosidade na indústria. Em uma situação de pressão da demanda, causada, por exemplo, por um aumento salarial significativo, essa parte ociosa da indústria poderia ser imediatamente mobilizada para aumentar a oferta de bens. Há também a questão da oligopolização da economia, ou seja, a concentração em um pequeno número de empresas, que trabalham em regime de carteis ou seja, fazem uma combinação, mais ou menos dissimulada, de preços.
É uma realidade da economia no mundo todo, com poucas exceções no mundo. A China, que tem um Estado muito forte, possivelmente é uma dessas poucas exceções. Nesse país, a principal taxa de juros de referência é a Taxa de Empréstimo Primário (Loan Prime Rate – LPR), utilizada como base para a maioria dos empréstimos bancários. A LPR de 1 ano está em 3,1% e a de 5 anos, em 3,6%. O país combina diversos mecanismos para controlar os preços, desde intervenções diretas, até políticas regulatórias. Por exemplo, o governo chinês tem reforçado recentemente os controles sobre os preços de commodities essenciais, como minério de ferro, cobre e milho, buscando estabilizar os custos de matérias-primas e mitigar a volatilidade dos mercados globais. O governo tem tomado medidas de controle de preços também no setor imobiliário, visando evitar bolhas especulativas, que possam contaminar o conjunto da economia. O governo chinês não fica esperando a taxa de juros derrubar a economia e, dessa forma, caírem os preços.
Apesar dessa realidade, todo o debate sobre juros e inflação, que se assiste na imprensa econômica brasileira é realizado com base no mito absoluto de que as variações de preços são definidas pela oferta e demanda, que funcionariam tal como no capitalismo do século XIX. Como é fartamente conhecido, há uns 150 anos, as chamadas commodities, essenciais para a economia mundial (energia, minerais, alimentos), são dominados por grandes oligopólios, ou monopólios, que definem os preços através de mecanismos especulativos e políticos. O poderio dessas imensas transnacionais, que obtêm lucros superiores à produção de riqueza da maioria das economias do mundo, os países não têm como enfrentar individualmente.
A inflação no país é muito mais de custos do que demanda. Como assinalado, a aceleração da inflação deve-se principalmente pelo aumento de 16,8% nas tarifas de energia elétrica residencial, que provocou um impacto de 0,56 ponto percentual no índice geral. O Brasil, como vimos, tem uma inflação de alimentos que acumula alta de 7,63%, maior pressão sobre o índice de preços. Certamente a inflação de alimentos no Brasil não decorre de um excesso de demanda, já que o país está entre os três maiores produtores de alimentos do mundo, ao lado da China e EUA. Nesse quadro, a desvalorização cambial, por exemplo, tende a ter muito mais impacto na inflação do que um suposto excesso de demanda em relação à oferta.
O Real foi uma das moedas que mais se desvalorizou no mundo em 2024, com queda de 21,82% perante o dólar, a maior entre as 20 moedas mais negociadas globalmente. Para efeito comparativo, o Rublo, moeda de um país que sofre o maior boicote econômico da história, e que enfrenta uma guerra contra a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), registrou uma desvalorização de 15%. Entre os países do G20 o Real foi a moeda que mais se desvalorizou e a 6ª que mais perdeu valor entre 118 divisas mundiais, não tendo sido pior apenas que as moedas de Sudão do Sul (-72,0%), Etiópia (-56,5%), da Nigéria (-41,7%), do Egito (-39,2%) e da Venezuela (-30,8%).
É conhecido que, apesar do Banco Central dispor de mecanismos para controlar a especulação com o dólar, a partir do agravamento da situação, principalmente a partir de novembro, a política do banco foi de omissão, até os últimos dias de 2025. Os maiores juros do planeta, não resolvem sequer uma vírgula do problema inflacionário, ou do déficit público no Brasil. Pelo contrário agravam todos os problemas macroeconômicos e atravancam o desenvolvimento do país. No entanto, apesar das aparências, essa não é a função dos juros. Na realidade, eles são uma fonte preciosa de enriquecimento dos banqueiros e de alguns milhares de especuladores, que levam a parte do leão dos juros da dívida pública.