Nísia sai sob aplausos e cutuca jogo político

• A saída de Nísia do Ministério da Saúde e seu legado • Governo federal impulsiona vacina da dengue. E São Paulo? • Estado concentra metade dos casos da arbovirose • Produção nacional de insulina • Testes “mágicos” vendidos por influencers •

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A tarde de quarta-feira marcou a despedida de Nísia Trindade do comando da Saúde. Ao deixar o prédio na Esplanada dos Ministérios, foi aplaudida por fileiras de servidores que se posicionaram à saída do edifício. Em seu discurso, exaltou a reconstrução do SUS em seus dois anos à frente da pasta, mencionou algumas das principais políticas públicas organizadas no período e se saiu com uma frase enigmática a respeito do conturbado jogo de bastidores que antecedeu sua saída do cargo. “Tivemos esses episódios muito ruins nos últimos 10 dias, não são episódios para serem esquecidos, são para serem analisados. Na vida a gente tem de virar página, não arrancar. Ter o registro da memória, mas seguir em frente”, disse.

Mídia corporativa reconhece sua gestão

Nos dias seguintes à sua demissão na pasta que será assumida por Alexandre Padilha, matérias diversas saíram pela mídia corporativa a analisar sua gestão. Apesar dos ataques contínuos, a avaliação positiva parece uma unanimidade. O Estadão, por exemplo, fez uma longa matéria para sintetizar os principais acontecimentos de sua passagem no ministério, com entrevistados reconhecidamente comprometidos com o SUS, onde o tom elogioso predomina. Mesmo em temas que abririam espaço para críticas, a abordagem foi moderada e os especialistas reconheceram um contexto adverso que dificultou. Até missões humanitárias, como de resgate dos yanomami e auxílio à tragédia do Rio Grande do Sul, foram acrescentadas ao rol de acertos de Nísia Trindade.

Um dia antes, a psicanalista Júlia Louzada escreveu artigo no Brasil de Fato com uma contundente defesa de Nísia, no qual elenca uma série de políticas públicas retomadas ou organizadas entre 2023 e 2024. Além disso, Louzada fez duras críticas ao processo de substituição da ministra e apontou o machismo como um elemento da trama, manifestado através da maneira desrespeitosa ao se tratar de sua figura, de forma semelhante ao impeachment de Dilma. “Com a demissão de Nísia, mais uma vez, na dança das cadeiras, quem roda primeiro são as mulheres”, afirmou.

Por que Tarcísio não exalta a vacina da dengue?

No evento derradeiro de sua passagem pela Saúde, Nísia Trindade esteve ao lado de Lula no anúncio da vacina contra a dengue desenvolvida pelo Instituto Butantan, que prevê garantia de até 60 milhões de doses em dois anos. Com sua capacidade produtiva ampliada, a partir de financiamento do BNDES, a novidade coloca a perspectiva de eliminação da doença enquanto problema de saúde pública. Além disso, o Butantan iniciará parceria com a Pfizer para produzir vacinas contra vírus sincicial respiratório, principal infecção respiratória em crianças de até 1 ano, o que garantirá autonomia do SUS em relação a este imunizante.

Em nota discreta dada pelo jornalista Fabio Zanin, o governo de São Paulo, que de forma enigmática não busca capitalizar com a novidade criada por um Instituto que opera sob seu controle, manifestou ressentimento. “Marquetagem”, criticaram fontes próximas ao governador. O comportamento deixa dúvidas a respeito de um possível temor de Tarcísio em desagradar as alas negacionistas e antivacinas de seus apoiadores. Ex-ministro de Bolsonaro, viu de perto a guerra do então governo federal deflagrada contra o governador João Doria, a partir do lançamento da vacina contra a covid pelo Butantan.

São Paulo, epicentro da dengue

Enquanto ignora a importância da produção de uma vacina nacional contra a dengue, o governo de São Paulo lida com o fato de ser o epicentro nacional da epidemia. O estado concentra 56% das infecções do país: são 251 mil dos 449 mil casos prováveis – definição usada pelo painel da dengue do governo – até aqui registrados. Apesar de decretar emergência, o Palácio dos Bandeirantes e sua secretaria se concentram em campanhas educativas, enquanto as ações territoriais parecem escassas. 

Em nota oficial, o governo fala em uso de drones, veículos para nebulização e visitas de agentes da defesa civil, sem mencionar o papel do SUS nas ações. Tampouco menciona parcerias com os municípios. Por sua vez, o governo federal lançou nesta quinta o Observatório Nacional de Arboviroses, com atualização diária dos casos, divididos por estados, além de informes e orientações a profissionais de saúde.

Fiocruz produzirá insulina

Em outra notícia relacionada à indústria brasileira de saúde, também anunciada no último evento público de Nísia Trindade, foi anunciada a parceria da Fiocruz com o laboratório Biomm para produção de insulina glargina. A iniciativa se insere na modalidade de Parcerias de Desenvolvimento Produtivo, delineada pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação e do Complexo Econômico-Industrial da Saúde do Ministério da Saúde, e oferecerá este tratamento contra diabetes no SUS a partir do segundo semestre. 

O projeto visa a construção de uma fábrica no município Eusébio, Ceará, que será capacitada a produzir 70 milhões de unidades anuais, o que garante a autonomia nacional no fornecimento ao SUS. O acordo inclui a transferência de sua tecnologia pelo laboratório chinês Gan & Lee, proprietário do insumo farmacêutico ativo da insulina.

Influenciadores desinformam sobre saúde

Uma pesquisa realizada pela Universidade de Sidney analisou cerca de mil postagens sobre 5 supostos testes médicos promovidos por influenciadores digitais. Com cerca de 200 milhões de visualizações, os conteúdos foram avaliados como “altamente enganosos” pelos especialistas. Eles apontam motivações financeiras na divulgação de produtos que forneceriam diagnósticos sobre potenciais doenças ou condições do corpo. 

Os testes em questão seriam capazes de dar subsídios sobre potenciais tipos de câncer ou fertilidade feminina, dentre outras promessas infundadas. Os pesquisadores ainda observam que raramente os divulgadores incluíam evidências científicas em suas propagandas ou mencionavam efeitos negativos na utilização dos produtos “mágicos”.

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