Notas sobre crise política e reforma ministerial
Com desgastes que poderiam ter sido evitados, popularidade de Lula cai e a busca por mudanças se faz necessária. Para garantir a governança, altera-se a Esplanada. Mas o jogo é complexo, envolve múltiplos atores – e é cedo para cravar seu final
Publicado 27/02/2025 às 08:35 - Atualizado 27/02/2025 às 08:36

Por Rômulo Paes de Sousa e Leonardo Avritzer, para a coluna Saúde É Coletiva
Desde dezembro, o governo do presidente Lula enfrenta um desgaste resultante da convergência de diversos fatores. Dentre eles, destaca-se a dificuldade em implementar uma agenda econômica que acalme o mercado. Soma-se a isso o fato de que parte da imprensa corporativa tem retratado o presidente como envelhecido ou incapaz de manter o desempenho apresentado em seus mandatos anteriores. A oposição ainda carece de um novo líder capaz de aglutiná-la, mas já apresenta um discurso organizado e mantém sua máquina de propaganda engrenada.
Até por isso, a popularidade do governo e mesmo a popularidade do presidente estão em queda. Um motivo importante dessa queda parece ser a excessiva exposição do presidente na defesa de seu governo. Desde a saída do governo de o ex-ministro da Justiça, Flávio Dino, tem o próprio Lula assumido o embate direto com os seus críticos, carecendo de um integrante do governo que cumpra a função de escudo político. O desgaste sofrido pelo presidente na reforma fiscal e na crise do pix poderiam ter sido evitados, se houvesse uma configuração diferente na forma em que o governo tem tratado os temas espinhosos.
Apesar da queda na popularidade, o índice de aprovação de Lula permanece entre os mais altos de presidentes eleitos desde a redemocratização. Para efeito de comparação, ao final do segundo ano de mandato, Fernando Henrique Cardoso apresentava um índice semelhante, enquanto Dilma Rousseff teve queda significativa após junho de 2013 que se prolongou pelo seu segundo mandato. Já Michel Temer registrou níveis de aprovação extremamente baixos durante todo o seu mandato. Jair Bolsonaro apresentou índices abaixo dos agora exibidos pelo presidente Lula. Assim, a aprovação de Lula 3 só pode ser considerada baixa quando a referência adotada é o próprio Lula em mandatos anteriores.
Nas duas últimas semanas, os institutos Quaest, IPEC e Datafolha indicam uma tendência de queda na aprovação do governo. Contudo, Lula ainda apresenta uma intenção de voto expressiva para concorrer a um eventual quarto mandato. Há quem afirme que o estatuto da reeleição para presidente seja algo tão favorável ao incumbente que as eleições seriam, na verdade, para um mandato de 8 anos com uma chamada pública no meio do período. Desde que Fernando Henrique Cardoso reestabeleceu a reeleição para o seu próprio benefício, somente Bolsonaro falhou na busca pela renovação do mandato. Mesmo assim, perdeu por um triz, apesar do manejo desastroso da pandemia da covid-19, de sua administração inepta, de sua tentativa de estabelecer um governo autocrático e ter como adversário, no segundo turno, a figura mais marcante da política brasileira dos últimos 50 anos.
Porém, não se pode subestimar a crise na Esplanada. O governo reage com as ferramentas conhecidas da política: governança, agenda pública e comunicação. A troca de ministros se insere no primeiro bloco de iniciativas. Na mídia corporativa, há inclusive a construção de uma narrativa convergente que facilita a vida dos articulistas na produção das matérias. Ocorre que reforma ministerial ampla, que parece ter se iniciado com as trocas no Ministério da Saúde, terá que responder a muitas demandas políticas, tais como: ajuste administrativo, melhor relação com o Congresso, disputa pela direção do PT, melhor relação com os movimentos sociais, ajuste na representação do governo da sua base partidária e obviamente a acomodação política de lideranças com grande força política e eleitoral. Então, são variáveis demais para ser contempladas. Um contexto que produz justificativa para tudo, inclusive para alterar o tratamento dado aos ministérios de coordenação política instalados no Palácio do Planalto. E sua complexidade indica que ainda há muito jogo pela frente para cravarmos o seu final.
O governo pretende extrair das políticas sociais a identidade que o conecte ao mesmo tempo com a base eleitoral de esquerda e construa pontes com o eleitorado que não lhe é muito hostil. É inevitável a comparação com as marcas definidas no governo Lula 1, que servem de moldura para as políticas de promoção e proteção social até hoje. Contudo, não será fácil repetir o sucesso na elevação do patamar de bem-estar da população e de inclusividade observadas nos governos anteriores de Lula, em um contexto de limitado espaço fiscal, agravado pela crescente tungada que os congressistas têm dado no Orçamento da União, via as emendas parlamentares. A saúde é aliás a principal vítima da hipertrofia do Legislativo sobre os demais poderes.
A substituição da Ministra da Saúde, Nísia Trindade Lima, dá o pontapé inicial para a montagem da geringonça (como diriam nossos amigos portugueses) que o governo pretende montar para a arrancada rumo a 2026. Nísia Trindade fez um ótimo trabalho. A comunidade de especialistas em saúde pública reconhece que a gestão da Ministra Nísia deu uma grande contribuição para o nosso sistema nacional de saúde, que vem sendo gestado e implementado desde 1988, salvo nos períodos dos governos de Temer e Bolsonaro.
Alexandre Padilha, que a sucede, é também parte da história da construção do Sistema Único de Saúde. Ele possui um histórico respeitável como titular da pasta que volta a ocupar. Portanto, não se espera uma alteração de rumo na agenda política do Mistério da Saúde e sequer uma mudança substantiva na equipe que a Ministra Nísia montou. Afinal, muitos dos atuais titulares das secretarias do Ministério já trabalharam com o Ministro Padilha em sua passagem anterior. As expectativas depositadas sobre o novo ministro devem ser analisadas a partir dos desafios postos para o governo no presente, que é superar a baixa avaliação que paira sobre o governo em vários segmentos populacionais e em vários territórios.
Na perfumada e bem-vestida Esplanada, os momentos de substituição de ministros não são pautados pela elegância. Na substituição da Ministra Nísia, soube ela ser elegante até o fim.
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